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Ex-sócio acusa Textor de calote e fraude em Hollywood; empresário nega

John Textor é citado em supostas fraudes em livro - Mauro Pimentel/France Presse
John Textor é citado em supostas fraudes em livro Imagem: Mauro Pimentel/France Presse
do UOL

Lúcio de Castro

Especial para o UOL, do Rio de Janeiro

19/03/2025 11h56

"Upstart: the digital film revolution managing the unmageable" (editora Native Book Publishing), de Scott Ross, é como uma chave de acesso para mortais aos bastidores da indústria cinematográfica e de uma Hollywood muito além das luzes. Em 336 páginas, escritas em parceria com Joanne O'Brien-Levin, ele ilumina páginas secretas sobre a produção de alguns dos maiores sucessos da telona.

Entre negociações e conflitos entre grandes estúdios, fracassos secretos e os desafios das empresas de tecnologia criativa aparece um empresário bem conhecido do público brasileiro: John Textor, o dono do Botafogo e do conglomerado de clubes Eagle Football.

Os relatos envolvem calote, tentativa de passar parceiros para trás e fraude. À reportagem, por meio de uma nota oficial, Textor disse que "enfim, alguém lhe deu (a Ross) a oportunidade de publicar um livro de memórias revelador de pura ficção, deixando apenas Scott como protagonista na maior história de ficção de sua carreira". Você pode ler a nota na íntegra ao final do texto.

Empresário por trás de Titanic

Scott Ross é um personagem lendário do cinema. Nova-iorquino, 74 anos, foi executivo da Industrial Light and Magic (ILM), que conquistou várias estatuetas do Oscar em diferentes categorias por filmes como "Uma cilada para Roger Rabbit", "O Exterminador do Futuro 2 - O julgamento final", "O Segredo do Abismo" e "A morte lhe cai bem". Depois da IML, assumiu a vice-presidência da LucasFilm, de George Lucas.

Em 1993, fundou a Digital Domain ao lado de James Cameron e Stan Winston, levando a empresa a três vitórias no Oscar: "Titanic", "Amor além da vida" e "O curioso caso de Benjamin Button". É na Digital Domain que os caminhos de Ross e Textor se cruzaram.

Atravessando uma crise financeira, os principais acionistas da empresa optaram pela venda no ano de 2006. Nesse momento, entrou em cena o futuro dono do Botafogo, então o comandante da Wyndcrest Holdings, LLC, um grupo de investimentos.

1º contato foi calote de Textor

O capítulo que fala sobre a relação com Textor se chama "O início do fim" e fala dos bastidores da venda da empresa. Scott Ross conta detalhes da pesquisa de antecedentes que realizou sobre o agora dirigente no processo da venda.

"A Wyndcrest Holdings, eu descobri, era chefiada por um cara chamado John Textor. Eu fiz uma pequena pesquisa de antecedentes e descobri que, ironicamente, esse mesmo Textor era responsável pelo único recebível inadimplente que a Digital Domani já teve! Acontece que, vários anos antes, ele tinha vindo até nós procurando um logotipo CG para uma empresa de skate que ele dirigia", conta, dizendo que "o Sr. Textor nunca nos pagou".

"Aquela fatura não paga deixou um gosto ruim na minha boca. Algo não parecia certo. Os outros acionistas, no entanto, estavam ansiosos para vender e achavam que tinham fisgado um trouxa. Foi quando me chamaram de lado e me pediram para me afastar das negociações".

O livro prossegue com o passo a passo das negociações. Em apresentações técnica e didaticamente arrebatadoras, Textor convenceu sobre sua capacidade de compra valendo-se da alegada fortuna. A compra com recursos próprios foi um argumento sedutor, mas, segundo o autor, não se confirmou.

"Textor fez seu discurso para o conselho da Digital Domain. Por meio de boatos, ouvi que ele disse todas as coisas certas. Ele estava disposto a pagar o preço que pedimos, ele disse. Além disso, disse a eles que tinha o dinheiro necessário em mãos, e que ele não precisava de financiamento porque, como herdeiro da fortuna da DuPont, era rico o suficiente para fechar o negócio sem aporte externo. Ainda assim, não tive um bom pressentimento".

Acordo por fora

Ross relata a negociação como uma tentativa de golpe. Textor teria agido por fora dos caminhos comuns para fazer um acordo que passaria para trás uma das partes.

"Em maio de 2006, a Digital Domain foi finalmente vendida para uma holding privada cujos diretores incluíam o fundador da Wyndcrest, John Textor, o diretor Michael Bay, o executivo da Microsoft Carl Stork e o ex-jogador da NFL e comentarista esportivo de televisão Dan Marino".

Antes, houve mais um capítulo extra:

"Durante as negociações de venda, Textor tentou fazer um acordo paralelo. Parece que ele estava tentando encontrar uma maneira de adquirir a DD sem usar nada do seu dinheiro, que ele disse ter muito, mas aparentemente não tinha."

Textor, então, decidiu abordar a Cox, um conglomerado de mídia da Geórgia, para concluir o golpe. A empresa, porém, não negociou.

"O acordo fracassou porque o pessoal da Cox tinha senso de moralidade. Textor então foi forçado a adquirir todas as ações dos acionistas preferenciais. Ele teve que buscar financiamento para isso. Foi assim que descobrimos, ao contrário do que ele nos disse, que não tinha dinheiro", relata o autor.

"Então, o que inicialmente parecia uma aquisição razoavelmente direta se transformou em loucura. Foi mentira após mentira, após mentira, após mentira. O Sr. Textor e o Sr. Bay se tornaram co-presidentes do novo conselho da Digital Domain; o Sr. Stork foi nomeado CEO".

Truculência, frieza e descumprimento de contrato

O contrato de Ross na Digital Domain tinha em cláusula que previa dois anos de rendimentos em caso de demissão. De acordo com o livro, o que se seguiu foi uma ação fria e truculenta do novo proprietário:

"Textor decidiu que não honraria os termos do meu contrato. Quando descobri que ele não pretendia me manter, pedi aos meus advogados que o contatassem para solicitar o pagamento de dois anos especificado no meu contrato. Em resposta, Textor me ligou. 'Não vou fazer isso', disse ele. Fiquei incrédulo. 'Bem, é um contrato, então você tem que fazer isso', eu disse, e ele riu. 'De onde eu venho', continuei, 'se você tem um contrato assinado, você tem que cumpri-lo'.

'Bem', ele disse, 'deixe-me colocar desta forma.' Eu escutei enquanto ele me dizia que tinha um bando de advogados trabalhando para ele, e eu não tinha porque agora estava desempregado. 'Então', ele continuou, 'vamos direto ao tribunal. Quando isso for resolvido, você terá gasto mais em honorários advocatícios do que seu contrato vale a pena.' Esse foi, infelizmente, um ponto muito bom. Desliguei o telefone", conta Scott Ross na página 269 do livro.

A falência da Digital Domain

A Digital Domain faliu seis anos depois da aquisição por Textor, após filiais nos Emirados Árabes e na China e um acordo de abertura de um estúdio na Flórida em troca de incentivos governamentais quebrado: "Textor e sua equipe de gestão aceitaram grandes somas de dinheiro do estado da Flórida em troca da promessa de construir aquele estúdio de animação em Port St. Lucie. A empresa subsequentemente deixou de pagar US 35 milhões em empréstimos, e, com juros, agora devia US 51 milhões a investidores privados."

"Mais tarde naquele ano (2012), notícias ainda piores chegaram à minha caixa de entrada: a Digital Domain havia entrado com pedido de falência, sob o Capítulo 11. Pouco tempo depois, Textor foi processado pelo estado da Flórida por US$ 80 milhões. Logo em seguida, a Digital Domain foi colocada à venda e leiloada como um cavalo velho. A empresa foi comprada por um conglomerado chinês composto por Galloping Horse Beijing (80%) e Reliance Media, uma empresa indiana (20%). Havia muitos rumores circulando sobre como o negócio foi feito... se havia lavagem de dinheiro chinesa envolvida e se os novos proprietários eram laranjas montados pelo verdadeiro financiador, Che Fung, que foi preso e passava seus dias em uma cela em Pequim.

Uma nova Digital Domain, agora renomeada como DD3.0, surgiu das cinzas. Era propriedade de outra empresa de capital aberto chamada Digital Domain Holdings (DDH, 0547.HK). Rumores de irregularidades continuaram. Havia vários relatos de negociações no mercado negro, uso de empresas offshore como paraísos fiscais, continuada lavagem de dinheiro, processos por propriedade intelectual, o assassinato do CEO da Galloping Horse."

"Fraude, violação e negligência"

Citado no livro como um dos sócios de Textor na compra da Digital Domain em 2006, a reportagem apurou que Carl Stork também entrou na justiça contra ele. Em outubro de 2010, o ex-executivo da Microsoft entrou com ação na corte da Califórnia, acusando o atual dono da Eagle Football por "fraude, violação do Código de Corporações da Califórnia, negligência em fornecer informações corretas e induzimento ao erro em um acordo de compra de ações".

Stork acusa Textor de esconder informações importantes sobre uma proposta de compra da empresa Digital Domain por uma empresa indiana chamada Century Communications. A peça, a qual a reportagem teve acesso, relata que uma proposta de 65 milhões de dólares não-informada aos outros acionistas, incluindo Stork.

De acordo com o ex-sócio, Textor teria escondido essa proposta para pressionar Stork a vender suas ações por um preço abaixo do valor real. Stork vendeu suas ações por 530 mil dólares. Além disso, de acordo com o processo movido por Stork, Textor teria vendido suas próprias ações por milhões de dólares sem informar os outros acionistas.

Em 8 de novembro de 2012, a corte da Califórnia bateu o martelo: Textor teria que pagar 10 milhões de dólares para o ex-sócio. A reportagem apurou com fontes que acompanharam o caso que, em acordo posterior, Textor pagou quantia bem inferior para acabar com a dívida.

Livro é uma peça de ficção, diz Textor

"Após um fracasso muito divulgado de seu relacionamento com James Cameron, Scott Ross perdeu o controle de seus negócios para seus investidores, que ele não conseguiu pagar. Textor fez um acordo amigável com os investidores, incluindo o Sr. Cameron, permitindo que Scott Ross evitasse o fracasso total e fosse pago em sua saída. Por 20 anos, Scott Ross tentou revisar a história e culpar seu fracasso em todos, menos em si mesmo, incluindo o Sr. Cameron e outros parceiros que antes confiavam nele. Scott também se desculpou de Textor muitas vezes por suas alegações bizarras, contra as quais ele nunca forneceu nenhuma evidência. Mesmo em 2016, Ross agradeceu Textor imensamente por um presente que ele disse que nunca esqueceria. Agora, enfim, alguém lhe deu a oportunidade de publicar um livro de memórias revelador de pura ficção, deixando apenas Scott como protagonista na maior história de ficção de sua carreira. Como costuma ser o caso em Hollywood, a verdade nunca deve atrapalhar uma grande história".

A reportagem tentou contato com o autor do livro, Scott Ross, que não respondeu as questões.

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