'Não é hora de parar': reflexões de Zé Roberto sobre permanência na seleção
Naquele dia, eu reguei minha plantinha que levei do Brasil e sai do quarto com aquela sensação de despedida, de última vez, sabe? Nos encontramos em frente ao prédio da delegação brasileira e as meninas foram em direção à saída. Eu fiquei por último. Eu queria olhar todos aqueles prédios da Vila Olímpica de Paris, o refeitório, os dirigentes... Queria viver aquele momento como se fosse o último mesmo como técnico.
Entrei no ônibus em direção à arena e veio tudo aquilo de novo: 'último passeio como treinador'. Mil coisas passaram pela minha cabeça. Cheguei no ginásio e a emoção tomou conta. Fizemos a preleção para aquele jogo tão importante que definiria o vencedor da medalha de bronze, o coração apertado. As meninas entraram em quadra, o jogo começou... Bola pra lá e pra cá, defesas, ataques, saques. Acabou e, enfim, ganhamos a medalha de bronze com uma vitória por 3 a 1 sobre a Turquia, o time favorito à medalha de ouro.
Eu sentei no banco, tomei um gole de água e passei a olhar para a arquibancada, as pessoas. Me deu uma emoção muito grande e comecei a chorar naquele cenário. Ali, eu senti que poderia mesmo ser minha última vez como técnico da seleção brasileira feminina de vôlei após 21 anos na função.
O Radamés, presidente da CBV, já havia conversado comigo, tinha feito o convite para eu ficar. Eu não tinha certeza, porque se a gente perde e é quarto colocado, qual a razão de eu permanecer? Mas vencemos do time que levou todas as competições anteriores. Então, eu voltei para casa e todo mundo perguntou: "Você não vai parar, né?". Amigos, família... Todos questionando a mesma coisa. Eu fui para a igreja, rezei e pedi que me dessem uma luz. Pensei com calma, todos aqueles anos voltaram à minha mente e falei: "Acho que não está na hora de parar".
Aos 70 anos, após conquistar a medalha de bronze com a seleção feminina de vôlei nas Olimpíadas de Paris, o técnico José Roberto Guimarães tinha o futuro incerto no comando da equipe principal do Brasil. Depois de uma série de conversas e reflexões, o treinador decidiu permanecer por, ao menos, mais um ciclo olímpico e está totalmente focado nas próximas competições rumo aos Jogos de Los Angeles em 2028. Em conversa exclusiva ao UOL, ele falou sobre a escolha, contou de um ritual que adotou na capital francesa, projetou os anos seguintes e celebrou a mais nova parceria com Melitta.
A saga das sete ervas
Lembra da planta que mencionamos no início do texto? Aquela que Zé Roberto regou antes de ir para o ginásio onde o Brasil conquistou a medalha de bronze nas Olimpíadas? A seguir, a história dele:
Pouco antes de ir ao aeroporto para pegar o voo rumo a Paris, Zé Roberto estava finalizando as malas quando sentiu falta de um vaso com as sete ervas - conhecidas por trazer boas energias e proteção - para acompanhar sua trajetória nas Olimpíadas. O treinador, então, foi em uma loja de flores já conhecida, encontrou o vaso e levou para casa, mas o tamanho era um problema. Como ele levaria aquilo para Paris?
"Não conseguiria botar um vaso daquele dentro da mala. Aí a Alcione, minha esposa, falou: 'Deixa comigo'. Ela pegou, colheu cada planta em torrão de terra, umedeceu, colocou papel alumínio para conservar e a gente colocou na mala, bem acondicionado", contou Zé Roberto.
Com as plantas bem acomodadas na mala, Zé Roberto passou a se preocupar com duas outras coisas: a possibilidade das ervas serem vetadas na fiscalização do aeroporto e, posteriormente, na Vila Olímpica. Em resumo, as plantas chegaram tranquilas na capital francesa e entraram no condomínio que reunia as melhores delegações esportivas do mundo. E agora?
"Na Vila, eu encontrei outra missão: procurar um vaso. Nós fomos experimentar o nosso uniforme e vi vários vasos por lá, embaixo da escada. Conversei com o João, um dos integrantes do COB (Comitê Olímpico do Brasil), expliquei a situação e pedi emprestado um daqueles recipientes. Deu certo. Levei para o quarto e, à noite, plantei tudo direitinho. Deixei ali do meu lado e regava quase todo dia. No final, depois que acabaram as Olimpíadas eu falei, pô, e agora? Eu não posso deixar essa planta. Aí eu levei o vaso de volta para o João e disseram que fariam um sorteio", contou Zé.
Até então, Zé não sabe o nome do sortudo que ficou com vaso cheio de boas energias, afinal - acreditem ou não - ele deu aquela forcinha ao técnico na conquista da medalha. A reportagem fez uma investigação e encontrou várias pessoas que tomaram conhecimento da história, mas nada do herdeiro da planta. Fica aqui o mistério.
Retorno da Turquia
Dois meses depois das Olimpíadas de Paris, Zé Roberto deixou o comando do THY, equipe turca de vôlei. Ele estava à frente do time de Istambul há duas temporadas e decidiu pedir demissão e esclareceu à reportagem sobre sua decisão.
"Trabalhar na Turquia é muito bom. Trabalhar com a Turkish Airlines é muito bom também. É uma empresa muito legal de se trabalhar, de se conviver, de entender como funciona. Mas eu acho que chega um momento na sua vida que você tem que escolher um pouco as suas batalhas. Concordar ou não concordar, isso faz parte das nossas escolhas. Eu achei que era hora de voltar", explicou Zé Roberto.
"O que ficou dentro daquela sala, no dia que eu conversei com as jogadoras e dirigentes, foi um pedido de demissão. Era um momento que a gente estava passando, estava vivendo, mas seguimos amigos, nos respeitando. Torço para que tudo dê certo lá", acrescentou o treinador, que pôde ficar mais perto da família novamente.
Zé estava em sua segunda temporada no comando do THY. Em seu ano de estreia com o treinador brasileiro, a equipe turca alcançou o quarto lugar no campeonato nacional.
"Feliz de voltar para o Brasil, de voltar para a família, porque na realidade, quando você está trabalhando longe, as coisas que você mais gosta na vida são deixadas de lado. Eu sempre também quis sair para continuar meu aprendizado, treinar boas jogadoras, participar de grandes campeonatos, e na Turquia, eu consegui isso. Então eu só tenho que agradecer, não tenho mágoa nenhuma", destacou.
Foco total na seleção
Por enquanto, Zé Roberto não pretende assumir nenhum outro time. "Eu não posso dizer totalmente não, porque pode chegar algum convite e acho que nunca devemos fechar as portas para experiências que você possa ter", comentou. Mas hoje, o foco é na seleção brasileira e o treinador já tem todos os jogos do ano desenhados em sua cabeça.
Mesmo em seu período de descanso, ele não para: conversa com a equipe multidisciplinar da CBV, assiste aos jogos das principais atletas do Brasil com potencial de convocação. É vôlei praticamente 24 horas por dia. Nos períodos de respiro, ele aproveita para curtir a família, cuidar da saúde, fazer musculação e jogar algumas partidas de tênis.
"Já está tudo programado. Temos a VNL (Liga das Nações) e logo depois o Mundial, na Tailândia. Uma coisa puxa a outra, mas a gente espera fazer um bom trabalho, que a gente consiga chegar nas finais e conseguir o nosso primeiro título de VNL. Temos uma boa seleção, as jogadoras são talentosas. Nós temos algumas já com um pouco mais de experiência, outras chegando agora na seleção", comentou Zé.
"Falando em ciclo olímpico, eu acho que é promissor. Os resultados são a única coisa que eu não posso garantir, porque vai depender também da performance dos nossos adversários. A gente começa, eu estou otimista em relação ao time que temos, aos desafios e à programação. Eu acredito muito em treinamento. E eu sei que essas meninas gostam de treinar, gostam de aprender. Vamos ter bons adversários pela frente que vão fazer com que a gente cresça. Isso vai ser muito importante", analisou Zé Roberto.
A próxima temporada do vôlei nacional recebeu um novo incentivo para abrir o início do ciclo olímpico. A Melitta se tornou apoiadora da modalidade e Zé Roberto é o embaixador da marca.
"A gente precisa de bons parceiros dentro do esporte. Acho que a Melitta veio em um momento muito bom e importante dentro das seleções femininas, tanto a principal quanto a de base. Nós temos dois campeonatos mundiais de base esse ano, sub-19 e sub-21, além do sul-americano sub-17 e o Mundial adulto na Tailândia. Também teremos a VNL. Enfim, eu acho que vai ser um ano bem intenso de 2025. para todas as categorias e essa parceria veio num momento ótimo", comentou.
Barueri e novas parcerias
Depois dos Jogos de Paris, Zé Roberto se reuniu com a família para conversar sobre o futuro do Barueri Vôlei, um projeto encabeçado por ele. Eles chegaram à conclusão de que a equipe teria de acabar caso seguisse dependendo de recursos do próprio treinador. Duas novas parcerias mantiveram o sonho vivo: o clube Paulistano e a marca Flor de Ypê.
"A gente atravessou momentos de muita dificuldade onde eu tinha que botar dinheiro no bolso. A lei de incentivo ao esporte nos ajudava a pagar os profissionais e isso tirava muita coisa de ônus da família. Agora, com essas parcerias, podemos dormir um pouco mais tranquilos sabendo do contrato de três anos. Todo ano a gente tinha que trocar o time, porque as jogadoras recebiam convites de outros e perdíamos. Agora, teremos chance de negociar, continuar mais tempo no mercado e consequentemente produzir melhor", comentou Zé.
"Não tinha mais o que fazer. Botar dinheiro do bolso todo mês para pagar o salário das jogadoras e descapitalizar a família era cada vez mais difícil. Falei que não daria para continuar dessa maneira. Enquanto isso, a gente estava correndo atrás o tempo inteiro, conversando, levando o projeto, mostrando, apresentando? Finalmente as coisas deram certo", finalizou.