André Silva virou centroavante após gripe e voo cancelado: 'Eu ia embora'
André Silva já estava com as malas prontas e passagem comprada para voltar ao Brasil quando o telefone tocou.
"Oi, André. O centroavante titular está doente, e o treinador precisa de você para esse amistoso."
André Silva aceitou, mas logo avisou: "eu tenho voo na segunda". Na época, na temporada 2019-20, o jogador nem era centroavante. André Silva atuava como ponta, ou extremo como a posição é chamada em Portugal, país do Arouca FC.
Quando desligou o telefone, André nem imaginava que ele jamais entraria naquele avião e que, na verdade, seria a sua carreira que decolaria.
Eu tinha decidido ir embora. Não esperava entrar no jogo, nem nada do tipo. Acabei entrando faltando oito minutos e como centroavante. Foi nessa época que estava com o Armando Evangelista. Em dois minutos, eu fiz um gol e aí ele teve uma conversa comigo, falou que queria me mudar de posição porque eu tinha perfil para isso. E aí minha carreira mudou completamente. Fechei como artilheiro do time, fiz 12 gols e o time subiu de divisão, André Silva em entrevista exclusiva ao UOL
Depois disso, André teve duas temporadas de dez gols no Arouca e chegou a despertar interesse de Artur Jorge, atual técnico do Botafogo, que dirigia o Braga na época. Ele acabou vendido ao Vitória de Guimarães, uma espécie de quinta força em Portugal. E seguiu marcando gols e despertando interesses cada vez maiores na Europa, mas aí veio o São Paulo.
Eu recebi outros convites, mas sempre fui apaixonado pelo São Paulo e decidi vir sabendo que tinham outras situações até com a remuneração mais alta. Vasco formalizou depois, e o Cruzeiro chegou também. Cheguei aqui para um grande clube. Maravilhoso. Pra mim, o maior do Brasil. A dinâmica da cidade é totalmente diferente, claro, mas o que me motivou mais, além da minha família, foi o clube.
Com sete gols em 38 jogos na temporada, André Silva vem marcando nas últimas partidas saindo do banco de reservas. Nesta quarta-feira (20), ele deve ser titular no São Paulo diante da provável ausência de Calleri, com dores. O jogador falou sobre a amizade com o argentino, mas também disse acreditar na meritocracia na disputa pela posição.
Estou sempre disponível e disposto para ajudar o São Paulo. Seja com um, cinco, 90 ou 45 minutos. Tenho trabalhado com bastante humildade e respeito aos companheiros para também conseguir mais minutos. Acredito na meritocracia também. Sempre respeitando o companheiro que está disputando a posição comigo, é uma disputa sadia e respeitosa. Calleri tem muita história dentro do clube, conversamos bastante e temos uma amizade bacana. Mas encaro com respeito e muito trabalho que foi assim que aprendi na minha vida: temos que trabalhar para depois colher.
Confira outras respostas de André Silva em entrevista exclusiva ao UOL:
História
Eu nasci em Taboão da Serra, mas vivi bastante no Capão Redondo. Comecei a jogar futebol na rua com meu pai. Até meus 10 anos, meu pai me acompanhou, mas infelizmente ele faleceu. Depois disso, minha mãe ficou mais próxima porque eu queria seguir o sonho de ser jogador. Eu jogava na escolinha do São Caetano e meu primeiro professor foi o Genílson, que me levou para o meu primeiro clube profissional, que foi o Diadema. Lá, começou minha história.
Dificuldades do início
Fiquei lá durante seis anos, foi um começo difícil porque eu atravessava a cidade. Do Capão para Diadema são três horas de percurso. Pegava três ônibus e dois metrôs. Saía 6h para o treino das 10h e às vezes só almoçava quando chegava em casa de novo. Joguei meus primeiros campeonatos paulistas lá, consegui bons números. Depois, fui para o Inter, fiquei cinco meses, depois voltei para São Paulo de novo e joguei uma Copinha pelo São Bernardo e foi onde o Shakhtar me viu. Fiquei cinco meses, não tinha muita experiência de vida, era muito novo e voltei para o Brasil. Fiquei mais seis meses no Brasil e aí fui para Portugal. Meu primeiroo clube foi o Rio Ave, acabei não sendo muito feliz, não tive muitas oportunidades. Mas logo depois encontrei o Arouca, que foi o clube que me deu oportunidade de me mostrar para o futebol português, onde aprendi bastante. Tive um treinador lá chamado Armando Evangelista, que estava aqui no Goiás. É um grande treinador e foi o cara que me colocou como centroavante e me encontrei e pude explodir na carreira, fazer muitos gols. Eu jogava de extremo e ele teve o olho e o feeling de me colocar de centroavante. E foi quando eu me descobri, me achei na posição. Depois, fui vendido para o Vitória de Guimarães, um grande clube em Portugal, uma das cinco forças. Lá, eu consegui fazer muitos gols por uma temporada e meia até chegar aqui.
Internacional
Eu cheguei como experiência, não com contrato. Fiquei muito tempo dessa forma, joguei dois ou três jogos, não era muito um atleta que o clube queria. Aí eu decidi voltar para São Paulo e tentar outras oportunidades. Eu tinha 16 para 17 anos.
Shakhtar
Joguei a Copinha pelo São Bernardo na época e os olheiros do Shakhtar já queria me levar antes de terminar a competição. Fiquei cinco meses lá, entrei na pré-temporada que estava sendo na Turquia e depois fui para a Ucrânia. Foi uma baita experiência, porque é um país totalmente diferente, sabemos o que aconteceu nos últimos tempos e tenho muito carinho pelo povo de lá e senti muito quando aconteceu. Tenho amigos lá, tive muito contato com os ucranianos e ainda tenho. Na guerra, nos falamos bastante. Estava um pouco assustado com o país, é diferente pra nós. Não que seja ruim, tenho muito respeito, mas voltei.
Principal dificuldade é a língua. Quando a gente não consegue se comunicar bem, independentemente da temperatura, se torna muito difícil. Depois, fui para Portugal e foi tudo mais fácil. Só a língua.
A decisão de voltar foi minha. Pesa bastante também minha família. Foi minha primeira experiência fora do Brasil e queria voltar, não estava legal. Se eu tivesse tido outra experiência antes e fosse mais preparado, talvez eu tivesse ficado também pela grandeza do clube. Hoje não me arrependo, até pela história que foi desenhada pra mim depois. Mas na época, depois de uns três meses, me arrependi um pouco. Já estava em um grande clube.
Portugal
Foi através de um empresário e do coordenador do Diadema, o Leônidas, que tenho contato e carinho muito grande até hoje. Fizeram esse meio de campo e brinco que ele era coordenador e acabou virando empresário naquela época. Fiz um teste no Rio Ave e passei. Ele que trouxe essa oportunidade para mim. Na época, eu já tinha amigos em Portugal que falaram muito bem do país, clima, língua que é muito amiga nossa. Decidi ir para esse desafio. Quando cheguei lá e senti que o país era muito parecido com o meu, me senti mais em casa. Minha mãe ia me ver de passeio para fazer a comidinha dela pra mim, até porque a vida dela é aqui. Ela tem a ótica, hoje abriu a segunda, fica lá na USP: ótica universitária. Ela está lá há 30 anos e tem o nome muito forte, ela sempre nos sustentou e nos deu o melhor dessa maneira. Está até hoje lá trabalhando, muito feliz e não quer parar, não. Se tirar ela de lá, ela pira.
Tenho saudades de Portugal, a vida lá é muito tranquila. Sabemos que a segurança do nosso país precisa melhorar bastante. Portugal é muito seguro, é gostoso para viver, para filhos, família. Aqui precisamos tomar mais cuidados.
Viver o São Paulo
Está sendo maravilhoso. Clube muito gostoso para trabalhar, para jogar. Sabemos da cobrança que é jogar aqui dentro. É um clube enorme, acostumado a ganhar Libertadores. Vivo intensamente, nunca sabemos o dia de amanhã. Tem sido maravilhoso. Marcar dentro do Morumbis, ver o torcedor feliz, minha família feliz. Jogar uma Libertadores pelo São Paulo foi marcante, acho que é a competição do São Paulo e da torcida. Tem sido fantástica essa viagem.
Futebol brasileiro
Como eu ainda não tinha tido a experiência dentro do futebol brasileiro tão grande quanto estou tendo aqui no São Paulo, a torcida (que mais surpreendeu). Temos muito isso dentro do nosso país. Ver tantos torcedores apaixonados. É muito gostoso receber o carinho deles e motiva bastante.
1º salário
Lembro. Minha mãe tem um ditado que minha vó Helena passava. Todo primeiro salário que você pega, você tem que torrar (risos). A minha mãe dava esse conselho pra mim e pro meu irmão. Mas, depois, ter responsabilidade, guardar um dinheiro. Lembro que na época, depois de torrar meu primeiro salário... Eu torrei, mas não lembro com o que. Aí no segundo mês ela já falou pra fazer um consórcio, guardar um dinheiro, ter responsabilidade, mas o primeiro ela dá esse conselho. Foi no Diadema ainda.