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Geografia das organizadas: como alianças explicam guerra Mancha x Máfia

Integrantes da Mancha Verde e da Galoucura celebram união que atravessa décadas - Vinicius Baader / Meia Cancha FC
Integrantes da Mancha Verde e da Galoucura celebram união que atravessa décadas Imagem: Vinicius Baader / Meia Cancha FC
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Do UOL, no Rio de Janeiro

16/11/2024 05h30

Um morto, 17 feridos e imagens impactantes de violência que chocaram o país no dia 27 de outubro. A emboscada da Mancha Verde, do Palmeiras, na Máfia Azul, do Cruzeiro, na rodovia Fernão Dias, tem como reflexo as alianças firmadas entre organizadas que possuem ramificações por todo o Brasil.

Numa geografia complexa, as torcidas estão subdividas em grupos de apoio que oferecem recepção, escolta, estratégias de enfrentamento e logísticas de emboscadas nas estradas.

Os mais conhecidos atendem pelos nomes de Punho Cruzado, Dedo Pro Alto, Punho Cerrado e Punho Colado, numa alusão direta ao gestual que os identifica na "pista" e em seus uniformes.

Essa rixa da Máfia Azul com a Mancha Verde tem a ver com essa divisão dos anos 80. Obviamente que, nessa época, não existiam esses termos de Dedo Pro Alto, Punho Cruzado... O Punho Cruzado já existia nos anos 90, mas isso foi sendo estilizado e aprofundado na sequência. São termos mais contemporâneos.
Bernardo Buarque de Hollanda, professor, sociólogo e pesquisador de cultura de arquibancada

Aliança entre torcidas organizadas - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Máfia Azul é Punho Cruzado; Mancha Verde é Dedo Pro Alto

A Máfia Azul, do Cruzeiro, pertence à aliança "Punho Cruzado", a primeira que surgiu com a proposta de unir organizadas de clubes diferentes. O grupo teve os primeiros pactos em meados dos anos 80, pouco após o rompimento de amizade entre as torcidas de Corinthians e Flamengo.

Foi com a chegada dos são-paulinos da Independente — no lugar dos corintianos — que a ideologia foi se disseminando e ganhando mais adeptos, se expandindo para outras divisas regionais.

Peguei a faixa da Independente, fui sozinho para o Maracanã e fiquei no lado da torcida do Flamengo. O outro lado era do Vasco. O pessoal da Jovem Fla já estava vendo na televisão o que estávamos fazendo com a torcida do Palmeiras e falaram: 'O Adamastor é o cara que está batendo de frente com eles', então me convidaram para ficar com eles. Fizemos primeiro uma amizade pessoal, e essa amizade se estendeu para a aliança das torcidas.
Adamastor, ex-presidente da Independente, em entrevista ao UOL em 2023

Integrantes da Força Jovem, do Vasco, e da Mancha Verde, do Palmeiras, no Maracanã, na década de 80 - Facebook / Mancha Verde Oficial - Facebook / Mancha Verde Oficial
Integrantes da Força Jovem, do Vasco, e da Mancha Verde, do Palmeiras, no Maracanã, na década de 80
Imagem: Facebook / Mancha Verde Oficial

A Mancha Verde, vendo essa movimentação no tabuleiro e ficando cada vez mais exposta tanto em São Paulo quanto no Rio, se aproximou da Força Jovem do Vasco também na década de 80. Dali em diante elas passam a defender umas as outras, absorvem a Galoucura (Atlético-MG) e encabeçam a aliança que, atualmente, se apresenta como a mais coesa e com mais adeptos: a "Dedo Pro Alto", nome que surgiu com um gestual ofensivo e provocativo aos simpatizantes do Punho Cruzado.

Houve uma segmentação ordenada e um alinhamento automático entre a Mancha Verde, a Galoucura e a Força Jovem do Vasco. Esse alinhamento perdura desde então.
Bernardo Buarque de Hollanda

Punho Cruzado sofreu desentendimentos internos

Integrantes da Torcida Jovem do Flamengo e da Independente, do São Paulo, no fim da década de 80 - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Integrantes da Torcida Jovem do Flamengo e da Independente, do São Paulo, no fim da década de 80
Imagem: Arquivo Pessoal

Ao longo dos anos a aliança Punho Cruzado sofreu desentendimentos e uma construção mais confusa que a Dedo Pro Alto. A Jovem Fla, por exemplo, teve problemas com a Máfia Azul.

Outra organizada do Flamengo, a Raça Rubro-Negra não faz parte e por diversas vezes brigou com integrantes deste grupo. Ela lidera uma terceira via, chamada "Punho Cerrado", com braços em torcidas do Athletico-PR, Fortaleza e Vitória, entre outros.

Bandeira da Máfia Azul no meio da Independente, em jogo do São Paulo no Morumbi - Facebook da Máfia Azul - Facebook da Máfia Azul
Bandeira da Máfia Azul no meio da Independente, em jogo do São Paulo no Morumbi
Imagem: Facebook da Máfia Azul

Durante um certo momento, essas relações bilaterais foram ficando muito confusas. A Raça Rubro-Negra brigava com a Independente, que por sua vez era aliada da Jovem Fla. Havia brigas entre torcedores do mesmo time. A Máfia Azul brigou com a Jovem Fla, que se alinhou com a Pavilhão Independente, do Cruzeiro. Tiveram algumas oscilações, ao passo que a Dedo Pro Alto manteve essa espinha dorsal da Mancha, Força Jovem e Galoucura. No cômpito geral, ela tem passado ilesa nessas quatro décadas, ao passo que a Punho Cruzado oscilou mais.
Bernardo Buarque de Hollanda

Briga em 88 foi estopim da guerra Mancha x Máfia

Revista "Placar" relata invasão da Mancha Verde após provocação de cruzeirenses no Parque Antárctica - Reprodução - Reprodução
Revista "Placar" relata invasão da Mancha Verde após provocação de cruzeirenses no Parque Antárctica
Imagem: Reprodução

Bernardo Buarque aponta uma briga no Campeonato Brasileiro de 1988, em jogo entre Palmeiras e Cruzeiro, no antigo Parque Antárctica (SP), como estopim para a guerra entre elas.

Na semana anterior, o então presidente e fundador da Mancha Verde, Cléo Sóstenes Dantas da Silva, foi assassinado num crime até hoje não desvendado. A organizada palmeirense, naquela partida, prestava homenagens ao seu líder e foi provocada pelos cruzeirenses, que se encontravam no setor de visitantes, dando início a um tumulto de grandes proporções na arquibancada.

A Mancha fez um foguetório para homenagear o Cléo. E o setor do Cruzeiro começou a estender uma faixa e fazer provocação: 'o Cléo morreu, a Mancha se f*'. Imediatamente, começaram as cenas de invasão. Não havia ainda cadeiras, alambrado. O policiamento fazia uma linha divisória, mas não conseguia conter. As cenas da Mancha inteira correndo para o setor da Máfia Azul foram impactantes. Foi uma briga muito feia.
Bernardo Buarque de Hollanda

Organizadas de Corinthians e Santos não fazem parte destes grupos

A Gaviões da Fiel, do Corinthians, e a Torcida Jovem, do Santos, não fazem parte destes grandes grupos de alianças por ideologias próprias.

Gaviões da Fiel recebe Fúria Jovem, do Botafogo, em sua quadra: organizadas não pertencem a nenhuma grande aliança nacional - X / @ritmodetorcida - X / @ritmodetorcida
Gaviões da Fiel recebe Fúria Jovem, do Botafogo, em sua quadra: organizadas não pertencem a nenhuma grande aliança nacional
Imagem: X / @ritmodetorcida

Os corintianos têm um pacto de amizade com a Fúria Jovem, do Botafogo, e com torcidas menores, como a Remoçada, do Remo, e a Gaviões, do Figueirense. Não há, porém, uma coesão significativa entre elas, nem uma nomenclatura que as identifiquem.

Os santistas possuem uma aproximação com a aliança Punho Colado, que tem como principal liderança a Young Flu, do Fluminense, mas apesar do respeito, não se consideram integrantes do grupo.

Nordeste tem divisão própria

As organizadas do Nordeste também possuem uma subdivisão própria e interna. Elas são separadas pelas nomenclaturas "Lado A" e "Lado B" e têm o mesmo modus operandi que se aplica aos grupos de território nacional.

O Lado A é composto por organizadas de: Bahia, Fortaleza, Santa Cruz, CSA, América-RN, Confiança, entre outras.

Já o Lado B tem torcidas de: Ceará, Náutico, CRB, ABC, Botafogo-PB, Sampaio Corrêa, entre outras.

30 mortes oriundas de violência física de torcidas em 2023

Observatório Social do Futebol aponta 18,9% de casos fatais em confrontro entre torcidas em 2023 - Divulgação / Observatório Social do Futebol - Divulgação / Observatório Social do Futebol
Observatório Social do Futebol aponta 18,9% de casos fatais em confrontro entre torcidas em 2023
Imagem: Divulgação / Observatório Social do Futebol

O Observatório Social do Futebol divulgou seu relatório sobre os números da violência entre as torcidas em 2023. Segundo o levantamento, 30 mortes ocorreram ano passado, o que corresponde a 18,9% dos casos de violência física. Destes óbitos, 12 foram oriundos de armas de fogo.

Ainda de acordo com o relatório, o segundo conflito que mais ocorreu foi entre torcidas e forças de segurança, algo que jogou holofote sobre a possibilidade de abusos policiais.

O Observatório ainda destaca que quase 40% dos caos de violência aconteceram nos arredores dos estádios, num raio de até 5 km. Mais de 30% foram longe do local da partida. Somente pouco mais de 20% aconteceu dentro da praça esportiva.

Há ainda um mapa que aponta as regiões dos episódios e evidencia que estados que adotaram o modelo de torcida única estão entre os que tiveram mais casos de violência, o que faz a organização questionar a eficácia desta política.

Frente Parlamentar é criada para dialogar com organizadas

A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) criou, na última terça-feira (12), a "Frente Parlamentar de Diálogo com as Torcidas Organizadas em favor da Paz nos Estádios e Eventos Esportivos". A iniciativa partiu da deputada estadual Zeidan (PT-RJ) em parceria com a Associação Nacional das Torcidas Organizadas (Anatorg). A ideia é entender as necessidades e criar mecanismos para desenvolver projetos e combater a violência e qualquer tipo de discriminação.

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