Os caminhos tortuosos de Karine Alves até dividir bancada com Galvão Bueno
Quando ela chegou aqui, era tudo mato. A frase até pode ser clichê, mas se encaixa com a caminhada profissional de Karine Alves. Quem vê a jornalista dividindo a bancada com Galvão Bueno na apresentação de um reality show sobre narração que estreia nesta quinta-feira (7), muitas vezes não imagina o tanto que ela teve de suar para abrir uma trilha que estava fechada e cheia de espinhos.
Karine nasceu em Porto Alegre, estudou em colégio estadual e cresceu sabendo que teria de escolher uma profissão que desse segurança em sua vida. Ela pensou em biologia, mas não conseguiu passar em uma universidade estadual. Por ser comunicativa e ter uma voz marcante, o jornalismo foi sugerido. A gaúcha abraçou a ideia. Trabalhar com música, cantando, acabou ficando em outro plano, afinal seria um caminho de incertezas.
Com uma bolsa de 50% de gratuidade, ela conseguiu cursar jornalismo numa faculdade particular e logo dividiu os estudos com o trabalho. Pelos lugares onde passou, não era raro escutar: "Karine, eu quero que você use o cabelo menos volumoso". A comunicadora não acatava. Pelo contrário, combatia e questionava.
Foi assim que hoje, após 20 anos de carreira, Karine se tornou um dos principais nomes no jornalismo esportivo do Brasil. Ela é responsável pelo bloco regional do Esporte Espetacular, bate bola com César Tralli no Jornal Hoje, comanda o Troca de Passes no Sportv, e agora vai apresentar a nova atração do grupo Globo que escolherá um novo narrador ao lado de Galvão Bueno.
"Eu não sou personagem, mas as pessoas que me veem no vídeo não conhecem a Karine. É um recorte, é uma parte da Karine. Muitas coisas dos bastidores não vão chegar no ar. Quem caminha é que sabe o quanto demorou e o quanto teve que amaciar aquela trilha ali para que outras pessoas também viessem abrir, tirar o mato, fazer a estrada. Eu me sinto assim, como se eu estivesse ainda fazendo a estrada para outras pessoas."
Improviso e sintonia
Na infância, Karine Alves sentava no sofá ao lado de seu pai para acompanhar os fins de semana de Fórmula 1 com Galvão Bueno narrando as vitórias de Ayrton Senna. Alguns anos se passaram e a história de ambos se cruzaram. Jornalista e narrador se entendem como dois amigos que se conhecem desde a infância. O segredo está na admiração e respeito mútuo.
"A primeira vez que eu entrei ao vivo com ele foi nas Olimpíadas de Tóquio, e eu estava super nervosa, e no momento que a gente começou a conversar já teve uma conexão. Ali, o Galvão já me pegou no colo, sabe? Ele foi super atencioso, super aberto, e a gente começou a brincar e falar palavras em japonês", contou Karine.
"Foi já neste momento que começou uma relação de respeito e muito bacana, de a gente conseguir conversar, ele escutar e eu também opinar. Conseguimos trocar realmente ideia e chegar no senso comum, mesmo sendo um vivo aleatório. Todo mundo que olha e conhece o Galvão sabe que ele é a voz do Brasil, e que ele tem uma personalidade forte, aquela coisa toda. Mas é engraçado porque, estando ao lado dele, enxergo alguém que me emocionou, alguém que as pessoas não têm acesso nos bastidores. E eu me divirto com ele", acrescentou.
No 'Craque da Voz', que estreia nesta quinta, Galvão e Karine terão a missão de selecionar um novo talento da narração brasileira. Cinco homens e cinco mulheres estarão na disputa por um ano de contrato com o grupo Globo.
"Jamais imaginei que estaria no reality ao lado do Galvão. Quando era criança, eu acordava com o meu pai para ver o Senna com a voz do Galvão. Eu tenho isso muito forte na minha memória. Quando a gente começou o trabalho do reality, era difícil processar isso internamente. Mas aí você pensa: 'Bom, se eu estou aqui é porque também tenho uma importância, um peso e uma baita responsabilidade'. Eu estou ao lado dele apresentando mas, ao mesmo tempo, eu sou responsável por um voto para eliminar ou decidir quem sai e quem vai para a próxima fase", comentou.
Caminhada no jornalismo
O jornalismo e as artes sempre estiveram, de certa forma, na vida de Karine. Ela lembra que quando pequena gostava muito de se expressar através da escrita e, posteriormente, pelo canto. Por outro lado, quando cresceu, a comunicadora optou por tentar cursar a faculdade de biologia.
"Eu gostava de genética e achava que isso poderia ser uma profissão pra mim. E aí os caminhos tortuosos já começaram a aparecer, porque eu estudei em colégio estadual minha vida inteira, depois eu fui para um cursinho pré-vestibular, em que meu pai fazia um esforço para pagar. Lá, eu vi que estava muito atrás de alunos que passaram por colégios particulares. Tentei, tentei e não passei em biologia. Não foi por falta de esforço e estudo", comentou Karine.
Eis que a mãe de uma amiga de Karine a sugeriu o jornalismo. Não era má ideia, afinal ela sempre esteve ligada com a comunicação. A hoje apresentadora, então, conseguiu uma bolsa de 50% numa universidade particular e passou a cursar a profissão que mudaria sua vida para sempre.
Karine começou a trabalhar na principal emissora do sul do país e fez um pouco de tudo em todas as editorias, claro que o esporte também esteve presente. Durante sua caminhada, ela mostrou que queria chegar longe e recebia olhares tortos de volta justamente por ser uma mulher preta.
"Desde o início da minha carreira, eu ouvia: 'Ah, você acha que vai chegar ali? Tá sonhando, né?'. Olhavam com uma cara de dó pra mim. E eu nunca tive pena de mim. Eu nunca tive esse sentimento em relação a mim. Eu escutava as pessoas, mas eu sabia muito bem onde eu queria chegar", destacou Karine.
E ela chegou. No Fox Sports, ela se tornou a única apresentadora negra nas emissoras esportivas da TV fechada. Anos depois, ao comandar o bloco regional do Esporte Espetacular, também rompeu barreiras.
"Essa solidão está acabando. Quando eu comecei no Rio Grande do Sul, na RBS, eu também era a única mulher negra no esporte, em frente às câmeras. E se eu olhasse para a redação, tinha eu e o Manoel Soares, na época. Nós éramos realmente uma exceção. Quando eu saía para a externa e olhava o pátio da empresa, eu via outras pessoas negras, mas não num lugar que mexesse com a intelectualidade", exaltou Karine.
"E quando eu fui para a Fox, eu continuei ainda sendo a única negra no vídeo. Depois, a gente começou a ver que o mercado também começou a entender o que significava a palavra diversidade. Eu já lia e já falava sobre isso há muito tempo antes disso acontecer", acrescentou.
Quando olha para os últimos quatro anos - o período em que trabalha no grupo Globo - Karine entende como uma colheita de tudo o que ela plantou com muito suor. Além dos programas citados, a jornalista foi para as duas últimas Olimpíadas e participou da cobertura do Carnaval.
"Às vezes eu olho pra trás, olho pra mim mesma e fico pensando: 'Gente, é tudo ao mesmo tempo mesmo?'. Porque é muito bom, entende? É muito bom você ter essa possibilidade de fazer o que ama. Hoje eu estou aqui ocupando esse lugar, no futuro vão ter outras pessoas aqui. E eu vou estar lá na frente olhando aquilo e pensando que consegui deixar o legado", comentou.
"Eu não vejo o meu emprego na Globo somente como um ganha-pão. Eu preciso trabalhar com propósito, então tem que estar alinhado com os meus valores, do que eu quero que a Karine represente para a sociedade. Então hoje, com tudo que está acontecendo, vejo como uma realização, uma colheita e também oportunidade de deixar um legado", exaltou.
Foi justamente esse propósito que fez a jornalista recusar uma boa proposta da TV Record recentemente. Karine preferiu manter sua caminhada no grupo Globo, que tem planos para o futuro dela e um deles é mais uma participação na cobertura do Carnaval.