Gestão Augusto Melo deve ser colocada à prova a partir desta segunda pelo Conselho do Corinthians
O período de data Fifa, que se inicia nesta segunda-feira, coincide com a data daquela que deve ser apenas a primeira de algumas reuniões extraordinárias no Conselho Deliberativo do Corinthians com pautas que podem ser determinantes para o rumo da gestão liderada por Augusto Melo, enquanto, em campo, o time vive a aflição de uma luta desesperada contra o rebaixamento no Campeonato Brasileiro.
Desta maneira, a diretoria não conseguirá concentrar atenção e esforços somente junto ao departamento de futebol e elenco no momento mais delicado da temporada, sob risco do mandato do presidente ruir, definitivamente, dependendo do andamento das reuniões que vão acontecer no Parque São Jorge, a primeira delas a partir das 19 horas (de Brasília) desta segunda-feira.
Nos últimos meses, as comissões do Conselho trabalharam em cima de suspeitas levantadas por apurações internas e também por publicações da imprensa. Documentos foram recolhidos, membros de departamentos foram ouvidos e, agora, a diretoria terá de esclarecer, responder e justificar fatos e atos consumados por esta gestão em meio a um processo que pode culminar com o impeachment de Augusto Melo, daí a importância e relevância do resultado destas reuniões no Conselho Deliberativo.
PAUTAS
Entre assuntos periclitantes, estão embates do clube com a One Fan, plataforma que hospeda o Fiel Torcedor. O programa tem sofrido com a perda de ingressos e, por isso, não vem conseguindo atender, como antes, aqueles torcedores que pagam planos do programa. O problema é reflexo da alteração nos repasses e na comercialização dos ingressos a mando da diretoria.
Outro tema importante tem relação com empresas de segurança e limpeza, que foram trocadas nesta gestão e geraram até uma apuração da Polícia Federal. Há suspeita de contratação de empresas clandestinas, de funcionários desqualificados e de pagamentos milionários indevidos, além da cobrança da empresa que foi dispensada sem um acerto de contas.
Os contratos e ações das empresas de consultoria também serão temas abordados. Há suspeita de conflito nos acordos da Ernst & Young e da Alvarez & Marsal, entregas não cumpridas, contratos feitos que possibilitariam uma investigação interna ilegal, relatórios não apresentados e tomadas de decisões do clube que divergem das orientações prestadas pelos especialistas.
SAÍDA DA ERNST & YOUNG
A Gazeta Esportiva apurou que Augusto Melo recebeu o relatório da empresa sobre os atos administrativos da gestão passada com inclusão da avaliação do que foi feito nestes primeiros meses pelo atual mandatário, mas o presidente acabou orientado a não divulgar o resultado deste relatório. Por isso, o documento acabou ignorado no "Dia da Transparência", apesar de tantas promessas de divulgação. Agora, conselheiros querem ler o teor do que foi especificado pela empresa e entender o motivo de Augusto Melo ter 'escondido' este relatório. Nos bastidores, há o entendimento de que a E&Y não só apontou problemas da gestão passada como também citou erros da atual administração, que, por sua vez, entende que não seria benéfico divulgá-los ao público em geral.
A E&Y também se colocou contra a ação do clube na última janela de transferências de jogadores devido aos valores investidos. A empresa apontou um alto déficit no período, não concordou com a contratação de Memphis Depay da maneira como ela foi feita, sem garantias e sem seguro dos valores envolvidos, e, por fim, ao entender que o clube não seguiria nenhum plano de orientação para uma gestão profissional e de austeridade, assumindo grandes riscos financeiros. A E&Y decidiu sair e, agora, cobra cerca de R$ 1 milhão pelos serviços prestados, sem contar o fato de que o Corinthians ainda não assinou nenhum distrato do que tem acordado com a empresa em, pelo menos, três contratos.
A Gazeta Esportiva procurou o Corinthians para questionar todos estes assuntos relacionados ao vínculo e a relação com a Ernst & Young, pontuando cada um dos tópicos. O clube, no entanto, em contato com a reportagem, comunicou a decisão de não se manifestar e não responder. A empresa explicou que não pode expor detalhes sobre a relação com seus clientes.
O silêncio também foi a resposta escolhida diante do questionamento da reportagem sobre a gestão não ter atendido a recomendação de Leonardo Pantaleão, então diretor jurídico do clube, que defendeu a tese de se fazer um seguro, mesmo que por um curto período, dos valores fixos e de responsabilidade do clube a serem pagos a Memphis Depay, diante dos problemas públicos da patrocinadora Esportes da Sorte com a Justiça.
"No dia 11 de setembro, enviei um e-mail para reforçar o que eu já vinha verbalizando. Por mais de uma vez, insisti para que fosse celebrado um contrato de seguro, mas fui ignorado por Pedro Silveira (diretor financeiro) e Cascone (então secretário geral). A ideia era proteger o clube, agir por precaução", explicou Pantaleão ao demonstrar preocupação com as consequências da hipótese do clube não conseguir honrar com os pagamentos em caso de saída da patrocinadora.
PEDRO SILVEIRA VIRA ALVO
O não cumprimento de obrigações estatutárias e o caminho pelo qual a diretoria pretende seguir para encontrar soluções sobre as dívidas do clube são mais dois temas que devem causar impacto nestas discussões internas.
O Conselho de Orientação (Cori) estuda uma cobrança formal ao Conselho Deliberativo para que o diretor financeiro Pedro Silveira tenha a conduta apurada pelos órgãos fiscalizadores e, eventualmente, seja punido depois de, na visão do Cori, se recusar a prestar os devidos esclarecimentos ao órgão sobre os atos recentes da gestão, como discriminação dos gastos, variações de receitas, composições e taxas sobre pagamentos e empréstimos, além de não divulgação periódica dos balanços. Um jantar, oferecido por Pedro Silveira, em sua residência a membros do Conselho Fiscal corintiano é outro fato que gerou incômodo.
Pedro foi procurado pela reportagem para explicar estes dois assuntos, mas não retornou as mensagens até a publicação desta matéria.
Outros problemas na última reunião do Cori, há uma semana, também devem suscitar discussões. A apresentação e defesa de números e comparativos foram feitas por um funcionário da Alvarez & Marsal e não por Pedro Silveira, fato questionado pelos conselheiros, que na mesma reunião assistiram à uma defesa de Wesley Melo, diretor jurídico da gestão de Duilio Monteiro Alves, sobre a acusação feita por Pedro Silveira no "Dia da Transparência" de não inserção de R$ 220 milhões no balanço do ano passado. Após todas as argumentações, Pedro reconheceu o erro e seu departamento teve de emitir uma nota oficial de retratação a pedido do Conselho Deliberativo.
"Uma pena que o discurso político, de querer sempre jogar a culpa na gestão passada, acabou ensejando em um comentário tecnicamente errado, de que tinha R$ 220 milhões fora do balanço, o que causou muito estresse não só para o atual diretor financeiro, mas também para toda governança do clube, para o Conselho Fiscal, o Conselho de Orientação, o Conselho Deliberativo e até para a empresa de auditoria externa", comentou Wesley Melo após ser contatado pela reportagem.
PLANO DE AÇÃO CAUTELAR
Subsequente a reunião do Cori, na segunda-feira passada, parte da cúpula administrativa do Corinthians, com Fred Luz, Pedro Silveira, Vinicius Cascone e um funcionário da Alvarez & Marsal, teve o reforço do ex-desembargador do Rio de Janeiro, Luis Roberto Ayob, e de Manoel Pereira Calças, professor na USP e ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Tudo isso para tratar e dar corpo ao plano de solicitar uma "medida cautelar antecessora a um processo de mediação".
Membros do Cori ouvidos pela reportagem alegaram terem sido pegos de surpresa, pois a conversa não estava pautada e, naquela mesma noite, Augusto Melo havia emitido uma nota oficial se posicionando contra o ingresso em uma Recuperação Judicial ou processo de SAF (Sociedade Anônima de Futebol).
O entendimento dos líderes do Cori é de que uma "ação cautelar" na Justiça levaria, inevitavelmente, o clube a um processo natural de Recuperação Judicial, o passo inicial, vide casos recentes, para se tornar uma SAF.
A Gazeta Esportiva procurou ouvir o Corinthians sobre a presença de Manoel Pereira Calças na reunião e também buscou explicação para a divulgação de uma nota oficial de Augusto Melo, ao passo que membros da diretoria tentavam convencer o Cori sobre a ação cautelar. O clube, novamente, decidiu não se manifestar.
Os argumentos da diretoria para o pedido de ação cautelar tiveram alegações e citações de casos de clubes como Sport Recife e Santa Cruz. Houve reconhecimento de que há estudos em curso para entender o valor do clube e da Arena, sempre sob a ideia de que esta é a única ou melhor solução para o Corinthians resolver seu grave problema financeiro.
A intenção da diretoria do Corinthians de solicitar uma ação cautelar na Justiça foi revelada pela Gazeta Esportiva há cerca de duas semanas. O processo travou prestes a ser anunciado, segundo apuração da reportagem, porque a Caixa Econômica Federal, maior credor do clube, foi consultada e não se posicionou de maneira favorável. Afinal, o banco perderia garantias, mesmo que por um período determinado. O risco não foi interpretado pela Caixa como algo positivo.
A opinião da Caixa é levada em consideração porque o Corinthians depende do bom relacionamento com o banco para a retomada do plano de usar um fundo imobiliário para vender parte das cotas da Neo Química Arena ao mercado, projeto da gestão Duilio Monteiro Alves que foi estruturado pela KPMG e que, nas últimas semanas, acabou resgatado pela atual diretoria, com a intenção de arrecadar até R$ 1 bilhão.
Entre membros do Conselho de Orientação e do Conselho Deliberativo, os caminhos apresentados não foram bem avaliados. Entende-se que o risco é alto demais e que o clube poderia ficar em situação insolúvel caso qualquer parte do plano não se concretize da maneira proposta. Foram colocados contrapontos e, sob destaque, o fato do clube ter apresentado aumento de receita, lucro operacional e EBITDA (indicador financeiro que mede a capacidade de uma empresa gerar caixa a partir de suas atividades principais) positiva nos últimos três anos, além dos altos investimentos feitos pela atual gestão no futebol e também com aumento na contratação de funcionários. "Se a situação é grave a este ponto, por que de tanto gasto, contrariando até mesmo a sugestão da Ernst & Young? O clube não pode pagar ou não quer pagar suas dívidas para que uma recuperação judicial seja o único caminho e, com a redução do passivo, viabilize uma venda do clube?". Estes foram alguns dos contrapontos apresentados na reunião e relatados à Gazeta Esportiva.
REUNIÃO FECHADA
A reunião extraordinária desta segunda-feira, no Conselho Deliberativo, vai iniciar a abordagem em cima de todos estes temas. Ciente da gravidade do que deve ser exposto, Romeu Tuma Júnior, presidente do órgão, determinou que os presentes terão de assinar um termo de confidencialidade e de que o encontro acontecerá de maneira "fechada", sem acesso de pessoas não contempladas em lista do plenário. Há uma preocupação com o sigilo das informações que serão expostas.
O mesmo CD deve receber nas próximas semanas o parecer da Comissão de Ética de Disciplina sobre o processo de impeachment do presidente Augusto Melo, que já enviou à Comissão sua defesa das acusações citadas. A expectativa é de que o Conselho Deliberativo vote o impeachment de Augusto Melo em novembro, caso o rito siga dentro de uma normalidade dos prazos.