Topo
Esporte

Da USP para o topo do mercado da bola: a ascensão de Rafaela Pimenta

do UOL

Do UOL, em São Paulo

29/09/2024 05h30

Nas salas onde as decisões dos clubes de futebol são tomadas, pouquíssimas mulheres entram. A advogada brasileira Rafaela Pimenta, 51, que vive em Mônaco, desafia essa lógica.

Rafaela agencia grandes estrelas do futebol há décadas.

Foi ela quem tirou o francês Paul Pogba do Manchester United, em 2022, rumo à Juventus.

Era ela quem estava ao lado do norueguês Erling Haaland quando ele escolheu deixar o Dortmund para jogar no Manchester City.

As estimativas apontam que a advogada tenha movimentado mais de R$ 1 bilhão em transferências nas duas últimas janelas — o mercado normalmente paga 10% de cada negociação para os agentes.

Mas sua relação com o futebol começou de forma despretensiosa, em 1998, quando era professora de direito internacional na USP.

À época, ela usava o esporte para atrair alunos às aulas de sua disciplina, que não era tão popular. Engajava as turmas falando sobre Lei Pelé, Fifa e transferências de jogadores.

Até que foi convidada pelo marido, também advogado, a participar da formação de um clube-empresa do interior paulista.

O escritório se chamava CSR (Futebol e Marketing), dos jogadores César Sampaio e Rivaldo.

"Quem tocava [o projeto] era uma pessoa muito bacana chamada Carlito, que estava criando o Guaratinguetá com outras pessoas. A gente constituiu, fez os estatutos, fez tudo. E eles falaram: 'A gente tem uma reunião com um investidor que está vindo [do exterior], pode ser que seja nosso parceiro, vocês não querem vir?'"

Na reunião, Rafaela conheceu o italiano Mino Raiola, um dos maiores e mais polêmicos negociadores de contratos do mundo.

A dupla construiu uma amizade sólida e dali em diante dividiu funções na agência One Sports Business Strategy, localizada em Mônaco.

Rafaela Pimenta recebe prêmio de transferência do ano - Divulgação - Divulgação
Rafaela Pimenta recebe prêmio de transferência do ano
Imagem: Divulgação

Longe dos holofotes por opção

Mino Raiola era a cara da agência. Quando morreu, em 2022, Rafaela assumiu parte dos negócios. Tudo mudou a partir daí.
Em novembro daquele ano, a advogada se desvinculou da família Raiola, encerrou a parceria com Vincenzo, primo e funcionário de Mino, e passou a tocar todas as transferências sem qualquer ajuda na empresa que montou, a Tatica.

Um mês depois, ela subiria ao palco da Globe Soccer, em Dubai, para receber o prêmio de principal transferência da temporada, pela venda de Haaland, então do Borussia Dortmund, da Alemanha, ao Manchester City, da Inglaterra. Valor pago: 60 milhões de euros.

De repente, todos os holofotes se voltaram para ela - uma atenção que a pegou de surpresa.

Agora mais acostumada aos pedidos de entrevista, tem aprendido a lidar com a notoriedade, sem renunciar à discrição.

As redes sociais comprovam quão reservada é a empresária: ela soma menos de 70 mil seguidores no Instagram. A maior parte dos registros são puramente profissionais.

"Não vou à casa do jogador tirar foto para depois mostrar para todo mundo que estou com esse jogador. Acho isso de um mau gosto infinito."

Rafaela Pimenta e Mino Raiola - Reprodução - Reprodução
Rafaela Pimenta e Mino Raiola
Imagem: Reprodução

Sem papas na língua

As demandas da agência, que tem em torno de 50 atletas na cartela, acontecem muito fora do escritório, em reuniões e em viagens. "Um compromisso atrás do outro", destaca.

Rafaela sabe oito idiomas, fala firme e se impõe, mas não escapa do sexismo no futebol. Ela narra um caso antigo, em que o diretor de um clube, na frente de um jogador e seu pai, duvidou que ela "existisse mesmo".

- Sim, existo, o que você achou, que eu era um fantasma escrevendo?

- Não, achei que você era uma puta brasileira.

- Como?

- Ah, eu achei que você era só uma puta brasileira.

Em resposta, Rafaela teria dito: "Olha, eu não sou, mas mesmo que eu fosse, você teria que pagar o prêmio para o jogador, se não ele não renova, né?"

Segundo Rafaela, esse cenário mudou bastante nos últimos anos — pelo menos para ela.

"Não consigo dizer se a coisa melhorou porque o mundo melhorou, ou se melhorou porque hoje as pessoas têm mais receio de falar comigo assim."

Rafaela Pimenta, ao lado de jogadores - Reprodução - Reprodução
Rafaela Pimenta e os jogadores Stones, Erling Haaland, Rúben Dias e Rodri, do Manchester City
Imagem: Reprodução

Sem 'one man show'

O termo "procuradora esportiva" é o preferido de Rafaela para se referir à função de agenciar jogadores de futebol.

Numa função que já foi recheada de cartolas, a dinâmica moderna do negócio é algo que a encanta.

"Eu brinco que a época do 'one man show', de Mino, Jorge [Mendes] e Jonathan [Barnett], já não se sustenta mais. Hoje, o jogador de futebol espera de seu representante muito mais do que jantar, assistir ao jogo e, quando tiver uma transferência, estar lá e depois ir junto para a boate. Esse procurador não tem mais espaço."

Se antigamente a carreira de um jogador era previsível — "era praticamente impossível levar a carreira adiante até os 40 anos como atacante", hoje é possível prolongá-la, "se você realmente souber utilizar as ferramentas a seu favor".

Rafaela tem uma "lista amarela" com contatos de advogados em cada área até cirurgiões de confiança renomados da Europa. Todos eles estão a um telefonema de distância.

Não há hora marcada e nem ranking de importância para os atletas.

"É fácil você ligar para qualquer médico e falar: 'Oi, tudo bem, você quer operar o Pogba?'. Todo mundo quer operar o Pogba. Agora, se falar: 'Eu tenho um jogador no Cruzeiro de 16 anos que acabou de romper o ligamento', o médico pode muito bem falar assim: 'Entra na fila'. Eles têm milhares de coisas para fazer. Graças à nossa posição, a gente garante o acesso de todos os atletas ao mesmo nível de serviço. Isso é importante."

Todo jogador é um pouco filho

Da mesma forma que a procuradora garante atendimento premium aos clientes ela também busca ceder o nível de atenção que cada um deles demanda, sem distinção.

"As pessoas têm a impressão de que a gente passa muito tempo lidando com certos jogadores e menos com outros. Não é verdade. Posso até falar de um jeito que, no fim, é verdade: [jogador] é um pouco igual filho. Cada um precisa de você numa hora diferente, num momento diferente."

O tipo de relação que Rafaela afirma desenvolver com seus atletas faz com que ela tenha uma espécie de instinto materno. A parte humana dos jogadores está acima das cifras para a procuradora.

"Esse é um dos grandes desafios hoje do futebol: com os fundos de investimento, com o futebol 'business', com o futebol 'entertainment', [o desafio] é como manter o humano vivo. O humano tem que vir antes, porque sem o humano não tem futebol."

A mulher por trás da agência

Rafaela Pimenta possui poucos hobbies, além das viagens a Miami nas folgas.

Não só porque os dias de descanso são "praticamente inexistentes", mas porque se mesclam com o contato direto com jogadores.

"A gente aprende na faculdade de direito a ter uma distância do cliente. Eu não acredito nisso, tá? Estou lembrando do período em que um jogador partiu de férias e, nos primeiros dias, quis passar junto [comigo]. E lá fomos nós fazer um monte de coisa 'bling-bling' [estilo de vida de ostentação e luxo] que o jogador gosta. Fui com maior prazer, maior felicidade estar perto, viver momentos pessoais dele."

O momento de "felicidade absoluta" e tranquilidade para Rafaela, a mulher por trás de uma das agências mais bem-sucedidas do mercado da bola, é organizar alguma coisa — sejam gavetas, caixas, malas e afins.

"Adoro fazer tudo o que tem a ver com ordem, organização. Acho que tem a ver com o meu perfil, um modo de eu me tranquilizar."
No momento, ela também se dedica a estudar um assunto que desperta a sua curiosidade: o impacto do universo digital nas novas gerações.

"Minha grande paixão tem sido estudar isso. Me interessa entender onde é que a cabeça das próximas gerações está indo, porque essas cabeças são os meus clientes, são meus futuros clientes e são o meu público-alvo."

No fim das contas, o termo em inglês "workaholic" (viciada em trabalho, em português) sintetiza bem a personalidade de Pimenta.

Para ela, futebol é trabalho, lazer e identificação.

"Se eu não fizesse o que faço no futebol, encontraria um outro espaço. Tenho esse sonho ainda, de trabalhar em clube e ver como é, mas não dá tempo para tudo."

Esporte