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Corinthians pagou R$ 15 mil para mãe de santo irmã de Luxa, diz Citadini

do UOL

Vitor Guedes, colaboração para o UOL

29/09/2024 05h30

Profissionalismo. Parceria internacional. Planejamento. Craques. Aspectos técnicos, táticos, físicos, mentais... Futebol tem tudo isso, mas, às vezes, a solução vai além... Ou melhor, vem do além.

O conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, Antonio Roque Citadini, conselheiro vitalício do Corinthians e vice-presidente de futebol do clube entre 2001 e 2004, revela, em entrevista ao "Histórias do Esporte" do UOL, a exótica (e/ou esotérica) maneira que se deu a recuperação do Timão no Paulistão de 2001, quando contou com ajuda espiritual para sair da lanterna e conquistar o título.

"Quando o Luxemburgo era técnico, nós tivemos um primeiro turno do Campeonato Paulista muito ruim. Tomávamos gol o tempo inteiro, perdíamos. Chegamos a ficar em último lugar. Tinha um funcionário do Corinthians, falecido, o seu Odilon, que ficava o dia inteiro lá. Ele, um dia, disse: 'olha, nós temos aqui um bom trabalho espiritual para a equipe se recuperar no campeonato'."

A estratégia aumentava a folha salarial do clube, incluindo pais e mães de santo no orçamento. Parte da grana era para comprar galinhas d'Angola. "Aí veio uma pessoa e disse: 'a cada gol que o Corinthians marcar daqui pra frente, vocês comprem uma galinha d'Angola e deixem-na solta no clube'." Atrapalhar, definitivamente, não atrapalhou. Os resultados positivos voltaram em abundância e, com eles, a multiplicação das galinhas.

"O time que estava perdendo o tempo inteiro começou a ganhar de 3 a 0, 4 a 0, deu de 5 no Santos. Foi uma loucura. Eu dizia: 'Odilon, vai lá e compra mais galinha d'Angola'. Marcamos quatro gols, quatro galinhas d'Angola. E elas ficaram tão populares lá que pulavam na marginal e depois voltavam." As vitórias vieram acompanhadas do salário em dia. Treinador, preparador físico, preparador de goleiros, jogadores, todos recebiam em dia. Inclusive, claro, pais e mães de santo, assim mesmo, no plural.

"Tínhamos vários pais de santo. Tinha um que recebia uma mesada permanente lá do Corinthians. O pai Jaú, né? Quer dizer, Jaú não, o pai Nilson."

Pagamento à irmã do Luxemburgo

O pai Nilson, funcionário histórico e folclórico, era registrado em carteira. Já a irmã do treinador Vanderlei Luxemburgo, a saudosa Leocádia Luxemburgo, também trabalhou para catapultar o time alvinegro da lanterna ao título, mas recebeu seus vencimentos de forma paralela à contabilidade corinthiana.

"Um dia o Luxemburgo chega lá [no Parque São Jorge] com uma nota para pagar a irmã dele, 15... Me lembro bem, R$ 15 mil. Falei: 'Luxemburgo, você quer matar o clube? Como é que nós vamos pagar uma mãe de santo com nota fiscal e vai entrar na contabilidade do clube? De jeito nenhum, nós vamos pagar por fora, vamos arrumar o dinheiro com os diretores aqui'. Você imagina descobrir uma nota fiscal de pai de santo no Corinthians? Isso aí ficaria para o resto da vida, né? Pagamos, mas pagamos por fora, eu, o [presidente Alberto] Dualib e mais dois diretores, cada um deu uma parte e nós acabamos pagando por fora. Mas todos os clubes fazem isso."

Corinthians, com aval de Bush, quase foi para Cuba

Então parceiro do fundo norte-americano Hicks Muse, simpático ao então presidente estadunidense George W. Bush, o Corinthians esteve perto de ir a Cuba em uma estratégia de internacionalizar a marca do clube e aproximar os Estados Unidos da ilha de Fidel Castro.

"Teve um episódio que eu fiquei frustrado de não ter dado certo. Naquele momento, estava tomando posse o presidente George W. Bush. Dizem que a Hicks deu muito dinheiro para a campanha dele; eles eram, aparentemente, muito próximos. E aqui ganhou o Lula. Naquele momento, se tentava melhorar as relações [dos EUA] com Cuba. E eu me lembro que conversei com o pessoal do governo, que falaria com a Hicks para ver se eles topavam levar o Corinthians para ser o primeiro clube a jogar em Cuba. Seria espetacular." Seria. Mas não foi porque, àquela época, o calendário do futebol brasileiro já era caótico e a CBF não concedeu um intervalo na tabela para o Corinthians se ausentar dos campeonatos. Citadini tem dúvidas se a negativa foi apenas por questões de calendário ou se foi mesmo má-vontade da CBF com o Corinthians ou, por ideologia, com Cuba.

Macumba de são-paulino e palmeirense

Se não funcionou a estratégia de levar o Corinthians para Cuba, a tática dos rivais de impedir que Guilherme marcasse um gol de pênalti no jogo de ida da semifinal do Brasileirão de 2002, contra o forte Fluminense de Romário, deu certo. Ou melhor, foi a justificativa espiritual inventada por Citadini para gerir o ambiente e manter o moral do centroavante para a volta. E, acredite, na opinião do cartola, deu certo.

"Eu fico com uma bronca medonha desses diretores aí, tudo frouxo, que somem quando o time perde e, quando o time ganha, eles vão disputar o lugar lá. Quando o time ganha, não precisa do diretor", introduziu Citadini, para tentar normalizar sua criação.

"Nós tivemos uma semifinal contra o timaço do Fluminense, no Rio de Janeiro. Não era só Romário, o time inteiro era bom. Estava 1 a 0 para o Fluminense e teve um pênalti para o Corinthians aos 42 minutos do segundo tempo. E quem foi bater esse pênalti foi o Guilherme, que era um bom, ótimo centroavante. E a bola quase saiu do Maracanã. Perdemos. Quando estou chegando no vestiário do Corinthians, tinha uma nuvem de jornalistas. Então, eu não podia dizer que ele chutou mal, que a bola quase saiu do estádio. Aí eu falei assim: 'olha, foi macumba. Só pode ser macumba do São Paulo e do Palmeiras. Eles estão fora de tudo e ficam fazendo mandinga contra nós'. Bom, os jornalistas não sabiam o que falar. Acabou a entrevista."

Saiu melhor que a encomenda. Se a ideia era só driblar a imprensa, a cascata espiritual convenceu Guilherme. No voo de volta, o centroavante agradeceu o dirigente. "Ele falou assim: 'doutor, o senhor tem razão. Foi mandinga dessa gente contra nós'."

Romário esteve perto do Corinthians

Anos antes de o pentacampeão Ronaldo revolucionar o Corinthians, o tetra Romário esteve perto de fazer a festa da Fiel. "A outra frustração que eu tive também foi o fracasso da vinda do Romário. O Romário estava voltando para o Brasil. O nosso superintendente era o Paulo Angione, que é muito ligado ao Romário, ligadíssimo. Ele falou: 'doutor, nós podemos trazer o Romário. Ele quer muito vir jogar no Corinthians'.

A verdade é que quem queria ele no Corinthians éramos nós. Encaminhamos a negociação; ele [Romário] colocou apenas uma condicionante: se o Vasco conseguisse pagar o que devia a ele, ele iria para o Vasco. Eu fiquei tranquilo, falei que o Vasco não tinha dinheiro para pagar. Só que o Eurico Miranda deu como garantia as cotas da TV Globo e o Romário foi para o Vasco. Foi uma coisa bastante triste para nós."

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