'Corpo estranho': livro sobre Marinho detalha Silvio Santos saindo da Globo
"Silvio Santos era um corpo estranho na estrutura da Globo." O livro "Roberto Marinho: A Globo na Ditadura - Dos Festivais às Bombas no Riocentro" será lançado no próximo dia 24 de abril com histórias da emissora durante o regime militar e traz também os bastidores da saída de Silvio Santos (1930-2024) para a criação de sua própria rede de televisão.
O livro, produzido pela editora Nova Fronteira e escrito por Leonencio Nossa, traz um recorte sobre como a Globo se tornou uma das principais emissoras do Brasil entre os anos 1967 a 1981. A obra conta a história da Globo desde o início, durante a ditadura militar, até o atentado no Riocentro, episódio que expôs as tensões internas do governo.
Splash teve acesso, com exclusividade, ao capítulo do livro que traz bastidores da relação entre Silvio Santos e Globo. O autor reúne depoimentos em que contam como Silvio Santos era visto dentro do canal, os cuidados de Roberto Marinho com o "líder de audiência dos domingos" e como se deu a ruptura do apresentador com a emissora carioca.
"Vão mandar o Silvio embora"
O capítulo 27 do livro se chama "O espólio da Tupi" e aborda como Silvio Santos era um "problema" para a Globo. O animador de auditório tinha um "contrato de aluguel" na grade dos domingos da emissora desde os tempos de Tupi e era querido por Roberto Marinho.
Silvio Santos era adorado por Marinho por colocar a Globo na liderança na chegada do canal em São Paulo —deixando até o programa de Roberto Carlos, na Record, em esquecimento. Os chefes do comercial da emissora, no entanto, queriam vê-lo longe.
Silvio era o rei absoluto dos domingos, mas chegou um momento em que ele teve de sair. Não que o gênero de seus programas fosse incompatível com o da Globo, embora algumas vezes fosse. Mas porque não tinha como ter venda dupla de domingo.
José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, em depoimento ao livro
Apresentador tomava espaço do departamento comercial do canal ao fazer publicidade negociada por ele mesmo e ofertar os carnês das lojas Baú da Felicidade. "Silvio Santos tinha a própria equipe de vendas de anúncios, e a Globo também. As duas equipes vendiam a mesma coisa. Era algo conflitante do ponto de vista comercial", explica Boni.
Silvio Santos era garantia de audiência que faltava à Globo e fazia com que Roberto Marinho tratasse diretamente dos papos de renovação. Em 1972, o apresentador deixou os executivos do comercial do canal enfurecidos ao bater o pé para o dono da Globo renovar seu contrato por cinco anos.
Doutor Roberto foi a pessoa mais pragmática que conheci na minha vida. Ele via o Silvio Santos como uma peça do esquema dele, que achava importante.
Boni
Mesmo sabendo que Silvio Santos negociava a concessão do canal 11, do Rio de Janeiro, Marinho demonstrou preocupação com a decisão dos executivos da Globo em romper o vínculo. "Vocês vão mandar o Silvio embora, mas vai ser complicado", disse ele, segundo registro do livro.
Os executivos da Globo nem esperaram Silvio Santos conseguir a concessão do canal para acionaram o departamento jurídico para suspender o programa de Silvio e cobrar-lhe uma multa por quebra de contrato. Só o desejo do apresentador em ter um sinal já confrontava com o contrato em vigor com a emissora carioca.
Em meio ao movimento de fúria na Globo, Roberto Marinho fez o caminho contrário e chamou Silvio Santos para um almoço com a intenção de estreitar a relação. "Agora somos colegas, não é? Quando você vai querer sair?", indagou o dono da Globo. "Não sei, doutor Roberto. Quando o senhor resolver para mim está bem", avisou o apresentador.
Marinho autorizou Silvio Santos a fazer seu último programa na emissora e deixou a discussão da multa para "conversar com calma" num futuro. A atitude do dono da Globo era ter um aliado mesmo na concorrência e afastar o discurso que a emissora buscava o monopólio.
Assim, Silvio Santos deixou a Globo em 1976 e passou a fazer a transmissão do Programa Silvio Santos na Record, após comprar parte das ações, e na Tupi —canal em processo de falência. No mesmo ano, ele inaugurou a TVS (Studio Silvio Santos Cinema e Televisão) para dar o pontapé no projeto que resultaria na formação do SBT cinco anos depois.