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Queria plot twist em 'Adolescência'? Pode ser um vício em reviravoltas

Stephen Graham e Owen Cooper em "Adolescência" - Divulgação
Stephen Graham e Owen Cooper em 'Adolescência' Imagem: Divulgação
do UOL

De Splash, em São Paulo

02/04/2025 05h30

À primeira vista, a maior peculiaridade de "Adolescência", a minissérie mais assistida da história da Netflix, é a ideia de gravar os episódios sem cortes. No entanto, outra característica chamou atenção do público nas redes sociais: muita gente ficou a série toda esperando um plot twist que nunca chegou.

Parte do público se frustrou com a ausência de reviravoltas em 'Adolescência' - Reprodução/x - Reprodução/x
Parte do público se frustrou com a ausência de reviravoltas em 'Adolescência'
Imagem: Reprodução/x
Parte do público se frustrou com a ausência de reviravoltas em 'Adolescência' - Reprodução/X - Reprodução/X
Parte do público se frustrou com a ausência de reviravoltas em 'Adolescência'
Imagem: Reprodução/X

O que é um plot twist?

Plot twist é um recurso narrativo que consiste em uma reviravolta na trama, mudando o rumo dos acontecimentos. Por definição, essa reviravolta tem que mudar totalmente o rumo da trama. É uma técnica muito utilizada para surpreender o público e manter o seu interesse. É um recurso usado em filmes, séries, livros, videogames.

Alguns exemplos clássicos: o amigo inofensivo que se revela o vilão; o personagem que parecia ser o protagonista é assassinado; a vítima do assassinato que, na verdade, está viva.

O plot twist aumenta a tensão da história e estimula o interesse do público. Quando acontece perto do fim de uma história, é geralmente conhecido como um final surpresa. Revelar uma reviravolta para leitores ou espectadores com antecedência é comumente considerado um spoiler.

Filme 'O Sexto Sentido' é um dos principais quando o assunto é plot twist - Divulgação - Divulgação
Filme 'O Sexto Sentido' é um dos principais quando o assunto é plot twist
Imagem: Divulgação

Vício?

Para a escritora Claudia Lemes, finalista do Prêmio Jabuti em 2022 e vencedora do Prêmio ABERST de Literatura com o thriller "Quando os Mortos Falam", os leitores estão "mal-acostumados" e sempre precisam de uma surpresa; caso contrário, ficam entediados com facilidade. "Sempre precisa estar acontecendo alguma coisa."

Principalmente neste gênero, relacionado a thriller, suspense, horror, o público está cada vez mais esperando um grande plot twist, sendo que o plot twist é um recurso de narrativa que nunca foi obrigatório. Você pega os maiores filmes de suspense, por exemplo, dos anos 1980 e 1990, eles são lineares. Não era uma coisa intrínseca ao gênero, e hoje em dia já é. Hoje, se você se atreve a escrever uma obra desse gênero sem um super plot twist, as pessoas sentem que você cometeu um erro.
Claudia Lemes, em entrevista a Splash

Para a autora, o público está viciado e, não entende não se tratar de um recurso obrigatório para uma história de qualidade. Lemes exemplifica o caso do livro "A Paciente Silenciosa". "Ele é muito comentado, mas o autor [Alex Michaelides] usa recursos desonestos com o leito para conseguir o plot twist. Ele usa recurso de voz narrativa para colocar o leitor na cabeça de um personagem, mas não dá acesso a todos os pensamentos, só alguns."

Livro "A Paciente Silenciosa" - Karoline Conchal Martins da Silva/ Reprodução/ Amazon - Karoline Conchal Martins da Silva/ Reprodução/ Amazon
Livro 'A Paciente Silenciosa'
Imagem: Karoline Conchal Martins da Silva/ Reprodução/ Amazon

Autores nacionais ecoam a opinião de Claudia Lemes.

Acho que a internet fez com que ficássemos acostumados com narrativas mais rápidas, mas narrativas mais rápidas podem pecar no desenvolvimento de personagens. Na série 'Adolescência', podemos considerar a cena em que ele aparece matando a menina como um plot twist, já que não esperamos aquilo e nossa percepção sobre o protagonista muda depois deste acontecimento. Um segundo plot twist pode ser a cena dele com a psicóloga em que vemos uma nova faceta do protagonista de novo. Ou seja, o plot twist também pode acontecer mostrando uma nova face de alguma personagem importante para a trama, mas que sempre esteve lá, nós só não sabíamos. Plot twist é importante porque esperamos uma transformação da personagem ou um acontecimento modificador na trama, mas ele não precisa ser óbvio.
Paula Febbe, autora de 'Vermelho'

Para mim, o plot twist funciona como um vício. Quando ele é bem executado, o efeito é arrebatador, aquela euforia de sentir que puxaram o tapete de debaixo dos seus pés. Mas como todo vício, acho que faz com que o leitor queira sempre mais, plot twists mais surpreendentes, mais insanos. Para suprir isso, sinto que algumas histórias desvirtuam a própria trama só em função do plot twist. Ou então você se depara com situações como essa da série 'Adolescência', que parece que bate a dependência e o espectador fica ansiando pelo twist sem dar o devido valor à história sendo contada.
Victor Bonini, autor de 'Quando Ela Desaparecer'

Essa não é a única maneira de contar boas histórias, mas eu acho que realmente isso acaba acostumando um pouco o público e também tem vários escritores mais comerciais que também tentam fazer o mesmo, tentam fidelizar o público com essas viradas o tempo todo e essas surpresas. Isso não necessariamente é uma coisa ruim, eu nunca usaria a palavra vício nem nada, mas é algo que está na moda, algo que o público meio que espera e não é o que qualifica uma história boa. O próprio sucesso da série 'Adolescência' prova de que não é necessário ter plot twist o tempo todo para a série ser interessante e relevante. Eu, pelo menos, só estou ouvindo elogios, todo mundo está amando e isso é uma prova de que não é obrigatório.
Isabella Lubrano, YouTube especializada em livros, do canal Leia Antes de Morrer

Por que amamos plot twists?

Vera Tobin, cientista cognitiva e autora do livro "Elementos da Surpresa: Nossos Limites Mentais e a Satisfação do Enredo" (tradução livre) aponta duas explicações para o público amar plot twists. A primeira é a satisfação de ser surpreendido: "Quando uma história entrega uma surpresa convincente, temos uma epifania fabricada de uma interpretação mais profunda e mais verdadeira do que aconteceu antes", escreveu Tobin no artigo "A arte dos plot twists", publicado em 2021 na revista Aeon.

Essa satisfação tem motivos biológicos. Um estudo publicado na revista Scientific American em 2001 mostrou que as vias neurais associadas à sensação de recompensa respondem mais a estímulos prazerosos inesperados do que aos esperados. Ou seja: as reviravoltas aumentam o prazer que sentimos assistindo à história, aumentando (e facilitando) o engajamento com a obra.

Para Tobin, a outra explicação é que os plot twists nos enganam em um ambiente seguro. "O benefício menos óbvio [dos plot twists] é a oportunidade de nos vermos como a pessoa enganada sem sentir vergonha", diz a autora no artigo de 2021. A revelação da reviravolta vem acompanhada do que a ciência cognitiva chama de "a maldição do conhecimento": uma vez que descobrimos a verdade, ela parece ter sido óbvio o tempo todo. Na vida real, isso pode gerar vergonha, mas na ficção vemos a capacidade de nos enganar como um mérito do roteiro.

Jaime (Owen Cooper) e a psicóloga Briony Ariston (Erin Doherty) em cena de 'Adolescência' - Ben Blackall/Netflix - Ben Blackall/Netflix
Jaime (Owen Cooper) e a psicóloga Briony Ariston (Erin Doherty) em cena de 'Adolescência'
Imagem: Ben Blackall/Netflix

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