'7 pessoas no ouvido': como comandante Hamilton pilota e faz TV ao vivo?
Pioneiro na cobertura jornalística com helicóptero, José Hamilton Alves da Rocha, popularmente conhecido como Comandante Hamilton, 69, está há 22 anos sobrevoando os quatro cantos da cidade de São Paulo com a missão de levar as principais notícias da capital paulistana ao telespectador. De origem humilde, o mineiro se diz feliz em ter conseguido superar as dificuldades da criação na favela e realizado o sonho de se tornar piloto de helicóptero.
Sempre quis voar e foi uma série de dificuldades pra vencer, mas o mais legal é hoje voar de helicóptero na TV. Fui o primeiro piloto jornalista no Brasil, o que me abriu uma janela de oportunidades como, por exemplo, no SBT. O Gugu era um cara muito inovador e teve a ideia de trazer o helicóptero para o programa. Ele não tinha a verba para pagar o helicóptero. Eu tinha que correr atrás de verba, me virei e consegui. Hoje, o helicóptero se tornou essencial na TV.
Comandante Hamilton, em entrevista exclusiva para Splash
Hamilton se tornou piloto, mas o objetivo não era comandar um avião e, sim, buscar experiências diferentes nos ares. Graças à chance com Gugu, ele se tornou um dos nomes mais queridos do público, trabalhou nas principais emissoras do país e se diverte ao dizer que faz um "malabarismo" para pilotar e fazer TV ao vivo.
Eu voo com um auxiliar, mas é trabalho. Tenho sete pessoas no ouvido. Você tem o áudio da TV, tem o apresentador que fala com você, tem a técnica que fica falando se o sinal está ruim ou está bom, tem o pessoal da escuta dando as notícias, tem o pessoal da produção, tem o sinal do ar e tem o rádio da aviação. São sete rádios ao mesmo tempo. Tem que lidar com tudo.
Origem humilde
Nascido em julho de 1958, Hamilton é natural de São Francisco, cidade do interior de Minas Gerais. Filho único, ele se mudou para São Paulo aos cinco anos. Na época, sua mãe tinha sido picada por um inseto barbeiro e buscava tratamento para a doença de Chagas.
"Morava numa casinha de taipa, aquelas casinhas bem humildes, e um barbeiro acabou picado a minha mãe", recorda ele. "Viemos para São Paulo e fomos morar na favela do Vergueiro, onde hoje é a Chácara Klabin. Eu, desde pequeno, sonhava em voar. Olhava para o céu, mesmo lá em Minas Gerais, e tinha aquela vontade de voar, só que eu queria voar com as mãos mesmo."
Enquanto o pai saia para trabalhar e a mãe estava internada em tratamento médico, Hamilton encarou a barra de ser levado para pedir dinheiro nas ruas de São Paulo. "Tinha muita vergonha e muito medo. O que meu tio fazia? Quando meu pai trancava o barraco para ir trabalhar, meu tio me pegava no barraco e me levava para pedir dinheiro nas casas ali na Vila Mariana."
Eu tinha seis aninhos e meu tio falava: 'vai lá que você tem o dentinho mais branco, olhinho verde e essa carinha sua que consegue mais dinheiro'. Todo mundo me dava lanchinho e dinheiro. Tinha medo do meu pai descobrir porque ele era aquele mineiro que gostava de honrar a palavra e, se soubesse que o filho pedia esmola, eu iria apanhar. Também tinha medo de apanhar do meu tio, né? Ele ficava na esquina fumando.
O sonho de voar fez o jovem mineiro focar nos estudos para vencer a vida humilde. "Quando eu cheguei em São Paulo, foi um choque muito grande. Eu desci na rodoviária e aquele barulho foi um susto. Na favela, foi um choque grande aquele cheiro do esgoto e as crianças fazendo as necessidades no chão. Decidi que não queria que meus filhos passassem pelo que eu passei, mas não trocaria essa vivência por nada porque aprendi muita coisa."
"A TV aconteceu por acaso"
Foco foi o segredo para Hamilton embarcar no desejo de se tornar um piloto. Ele guardou o dinheiro do trabalho e os bicos que fazia para conseguir completar as horas de voo para conquistar a sua licença para pilotar. "Tem momento em que parece impossível, mas você vai lutando. Eu pegava de tudo no começo. Por exemplo, um voo para o interior, eu pegava o voo junto com o piloto e depois voltava com um ônibus".
O piloto, hoje em dia, precisa ter no mínimo 100 horas de voo para ser um piloto profissional. Uma hora de voo está quase R$ 3.000 num helicóptero pequeno. Era difícil. No começo, eu já fui trabalhando, fazendo principalmente voos panorâmicos e passei 25 mil horas de voo. Hoje, sou piloto de avião, também de helicóptero, embora nem voe com avião. Só helicóptero.
Com a rodagem no universo da aviação, Hamilton descobriu em viagem aos Estados Unidos a possibilidade unir uma cobertura jornalística ao helicóptero. "Minha inspiração foi na Califórnia, nos Estados Unidos, com as aeronaves fazendo rádio naquelas grandes avenidas. Nessa época, estava fazendo comerciais e tinha um amigo que trabalhava para cinema, lá nos Estados Unidos. Eu ia lá, via ele trabalhando, o que ele fazia, via as produções americanas e pegava ideias para usar aqui nos comerciais".
Falei: 'vamos fazer isso na TV', mas era muito difícil, porque a câmera era na mão, chacoalhava. Convencer o pessoal de televisão era uma barreira difícil de ser quebrada. A TV aconteceu por um acaso. Eu estava no mercado publicitário, fazia mais comerciais para a TV e institucional para empresas porque pagava muito bem.
Gugu Liberato estreou o Domingo Legal em janeiro de 1993 no SBT. Pouco antes, o apresentador procurou Hamilton com a ideia de colocar o helicóptero como grande novidade em sua atração. "Gugu é uma pessoa muito cativante. Ele mostrou as ideias, como jogar um paraquedinha sobre a cidade, gostei demais e fui envolvido no Domingo Legal. O helicóptero começou a dar muita audiência e isso fez com que eu me envolvesse cada vez mais. O Gugu que fez com que o helicóptero se tornasse um personagem na televisão brasileira."
Sucesso da inclusão da aeronave na TV fez Hamilton migrar para o campo das notícias e trabalhar em mais de uma emissora ao mesmo tempo. "Trabalhei em quatro programas ao mesmo tempo. Eu fazia Domingo Legal no domingo. Já de segunda a sexta, às 14h, eu fazia Sônia Abrão no SBT; às 16h, eu fazia Repórter Cidadão, na RedeTV, com o Marcelo Rezende. Lá pelas 18h eu entrava com o Datena na Band para o Brasil Urgente. Era uma rotina maluca. Só descia enquanto abastecia para ir no banheiro. Tomava água, pulava no helicóptero e ia embora de novo."
Perrengues no ar
Atualmente, Hamilton está trabalhando no Tá na Hora (SBT) ao lado de José Luiz Datena. Ele classifica o apresentador como um dos maiores parceiros na TV, por entender as dificuldades de fazer jornalismo ao vivo. "Ele realmente é um cara que entende de helicóptero na televisão e faz com que a gente consiga soltar e realmente fazer o trabalho. Ele está ali ligado em tudo que está acontecendo, tem sacadas e sabe entender o tempo que levo para entrar ao vivo".
Já ouviu dizer que quem sabe faz ao vivo? Ao todo, o jornalista e piloto de helicóptero tem com sete pessoas no ouvido enquanto pilota e reporta o vê ao vivo na TV. "Você tem o áudio da TV, tem o apresentador que fala com você, tem a técnica que fica falando se o sinal tá ruim ou bom, tem o pessoal da escuta dando as notícias, tem o pessoal da produção, tem o sinal do ar e tem o rádio da aviação. São sete rádios ao mesmo tempo. Às vezes, tem que lidar com tudo."
Sinais do "universo" para não colocar o helicóptero no ar são respeitados à risca por Hamilton. "No dia que você não estiver bem, não voe. Teve uma gravação com o Gugu que eu falei: 'não vou fazer o voo', o Gugu perguntou: 'por que você não vai?', eu: 'não sei, mas não estou me sentindo legal', e ele: 'eu que não vou também'. Outra vez, o Gugu queria gravar na casa do Clodovil [Hernandes], no litoral. Entrei no helicóptero, dei partida, mas quando fui sair senti que algo estava errado. Então, não fizemos o voo. Eu pedi pra checar, e a estávamos com um problema na aeronave."
Sabe aquele filme "Avatar"? Eu sinto que me conecto com a aeronave. Eu vejo a aeronave como uma pessoa que tem deficiência física de andar. Eu sinto que eu tenho deficiência física de voar e faz parte do meu corpo.
Trabalho voluntário
Quando não está ao vivo com Datena, no SBT, Comandante Hamilton gosta de aproveitar o tempo livre ao lado da família e para ler e buscar conhecimento. Ele também tem um trabalho voluntário em escolas de São Paulo com objetivo de orientar jovens a buscar seus sonhos e não entrar para o mundo do crime.
Faço um trabalho nas escolas de educação. Tem revistas que eu mesmo fiz, histórias que escrevi que são revistas educacionais. Essas revistas são muito legais. Eu vou nas escolas e molecada fica louca. É uma coisa muito bacana. Eu vou lá, entrego, converso com as crianças. Quando a gente é de periferia, eu saio de lá com a sensação de despertar algum Hamiltinho pro futuro. Eu mostro pra eles que é possível. É possível chegar onde eu cheguei, mantendo uma linha boa. Às vezes, o pessoal fala: 'quem faz as coisas direito, quem trabalha, nunca ganha. Não é assim. Você é aquilo que você quer. Ensino as crianças a olharem o que elas querem e elas conseguem chegar lá. É muito legal esse trabalho nas escolas.
Outra forma de compartilhar sua história para inspirar pessoas foi através de seu livro autobiográfico. Hamilton decidiu escrever por conta própria o livro "A Corrida de 50 milhões que eu venci". "Muita gente queria contar minha história e falei: 'pô, o livro é meu e tenho que escrever'. Não foi fácil porque você falar de si mesmo. Tem um momento que eu fiquei triste, algumas situações com meu pai, mesmo essa que eu ficava lá pedindo esmola, a gente fica um pouco emocionado, um pouco triste, mas faz parte da nossa vida."
O livro é um bem legal. O livro foi programado. A cor que eu usei aqui é a cor da lua e aqui dentro tem muita coisa de física quântica que eu fui colocando pra despertar nas pessoas durante a leitura. Tem uma sequência de palavras que faz com que as pessoas sempre se sintam bem. Eu coloquei e usei isso também. Por quê? Porque você, por exemplo, nunca deve dizer palavras negativas na sua casa, nem pras suas crianças. Sempre atraia coisas positivas pra você!