Cadê minhas novelas?
Socorro, preciso urgentemente de uma novela boa para acompanhar. Mesmo porque assisto até às que não são boas, pelo hábito e pelo amor e respeito que tenho pelo formato. E pelos autores, atores e todos os envolvidos nessa imensa rede de ficção tão necessária, que isso fique claro.
De que adianta ter tantos filmes incríveis, seriados, talk shows e tantas coisas mais na TV se faz tempo que não tem uma novela sequer que valha a pena? Desculpe o exagero, tudo isso acima é muito bom, assisto e gosto muito e serve para ampliar o nosso repertório e ser tema de boas conversas e textos interessantes.
Mas não tenho palavras para explicar a falta que uma boa novela, de verdade, me faz. Não devo ser a única, com certeza, mas confesso que muita gente ainda se surpreende, nesses tempos de liberdade ampla, geral e irrestrita de comportamento, quando eu digo o quanto eu sou noveleira e o quanto que para mim é importante ter uma história pra acompanhar todos os dias, naquele horário prefixado quando eu sei que eu vou conseguir voar, que minha cabeça vai desanuviar e que eu vou sair da realidade sem tomar droga alguma.
Acho que é bem compreensível querer desligar do mundo. Não preciso explicar como as questões humanas nos consomem e como a realidade não é fácil de ser assimilada. E também não adianta dizer que é só pegar um bom livro, porque nessa hora, o que a gente precisa realmente é sonho, é fuga, usando para isso vários de nossos sentidos. Sair pelo menos uns 30 cm acima do chão, se é que eu me faço entender. Usar óculos escuros para não ser ofuscado pela realidade nua e crua. Para isso que eu uso a novela. Sim, sou dependente.
E sinto realmente muita falta, quase uma abstinência quando não tem uma boa para eu acompanhar
Acho que a última vez que eu gostei de uma de verdade era uma das sete, "Vai na Fé", de Rosane Svartman. Foi a primeira novela evangélica na Globo e eu confesso que aquelas pregações que apareciam entre um diálogo e outro me agradavam muito. Gosto de religião em geral e de manifestações religiosas. A novela tinha bons atores, ótimo roteiro. O enredo realmente me pegou. Era uma alegria?
Sinto muita falta de Gilberto Braga dos bons tempos, de Bráulio Pedroso, que foi o primeiro autor de novela que eu gostei de verdade, que escreveu "Beto Rockfeller", minha primeira experiência de dependência nesse tema. Como eu amava? lembro da trilha sonora até hoje, Adamo cantando "F... Comme Femme". Covardia também falar em "Avenida Brasil", quem não amava? Só se falava nisso naquela época e como era bom.
Acho sinceramente que a novela tem uma função social neste país, de trazer um conteúdo que possa não só aliviar o dia a dia, mas ensinar práticas necessárias, trazer também algo de útil, algo de construtivo. É um ótimo veículo, de uma abrangência única. Neste país, maior celeiro de boas novelas do mundo, é triste perceber que o gênero desandou que anda meio desacreditado. Quando assisti ao primeiro capítulo dessa que está no ar no horário mais nobre, "Mania de Você", fiquei assustada e senti que aquilo não iria longe. Nunca vi um primeiro capítulo tão escuro, sombrio, equivocado. Foi brochante para mim, que esperava tanto do autor, João Emanuel Carneiro.
Mas nem tudo é desilusão pois sempre tem aquelas exceções, como "Pantanal", que levantou até defunto. Mas quando eu digo que nem o streaming concorre com novela é porque acho que tem uma coisa de rotina, de todo dia no mesmo horário, de ficar esperando o que só as novelas têm para entregar. Sou tão devota do tema que cheguei a mergulhar nas mexicanas nos canais de streaming para tentar aliviar minha carência. Amei "Betty em Nova York", assim como fiquei viciada em "Cem Dias para Enamorarnos", ambas da Telemundo.
Recomendo muito, entretenimento puro, uma delícia. Gosto demais do veículo televisão e acho que ele ainda tem muito a oferecer. Gosto demais do streaming também, mas acho que os dois podem conviver harmoniosamente bem.
Quanto aos remakes, não tenho essa rejeição que muitos têm. Lembro aqui, além de "Renascer" e do próprio "Pantanal", mais recentes, mas lembro também de "O Astro", de Janete Clair, e "O Rebu", de Bráulio Pedroso: essas duas me pegaram de jeito. Acho que a grande diferença da novela é a gente saber que todos os dias, naquele mesmo horário, a gente vai ver a continuação de uma história que não é a nossa, mas, que de certa maneira, muito nos interessa. E essa rotina é uma coisa que traz muita segurança, traz um bem-estar e uma sensação gostosa de que tem algo nos esperando lá, na hora marcada.
Lembro muito bem de quando "O Clone", de Gloria Perez, terminou. Nem foi uma das minhas preferidas, mas todas as expressões e os clichês que a autora trouxe nos diálogos diários me acompanharam e me acompanham até hoje. "Arder no mármore do inferno" como praga rogada é perfeita. E confesso que me senti meio órfã quando aqueles diálogos carregados pararam de fazer parte do meu dia a dia com o final da novela.
Temo sinceramente por essa próxima "Vale Tudo" politicamente correta, mas trago aqui o benefício da dúvida. Gilberto Braga era um gênio ao retratar esse mundo real contemporâneo brasileiro. Cheguei a conhecê-lo pessoalmente e esse seu olhar sofisticado e ao mesmo tempo cínico e crítico fazia toda a diferença.
Celebro todos os autores por quem abdiquei de conversas em família ou leituras interessantes: eles foram muito necessários na formação do meu repertório também. Reitero aqui a necessidade de trazermos à tona, darmos espaço a novos talentos enquanto resgatamos sucessos que merecem ser eternizados.
A vida é feita de altos e baixos, de claro e escuro, do bom e do mau. E ninguém melhor do que um bom autor de novelas para nos mostrar isso. Além, é claro de escritores, cineastas, do teatro, da pintura, da música, do balé.