Jout Jout saiu do automático e quer que você saia também
Jout Jout voltou! Após mais de quatro anos ausente da internet, a ex-Youtuber que foi uma verdadeira sensação da plataforma de vídeos volta a trabalhar, mas de um jeito bem diferente: falando olhando no olho de quem quer a ouvir. E ouvindo também.
Splash conversou com Júlia Tolezano (nome de registro de Jout Jout) numa pousada em que ela estava hospedada em Ouro Preto, um dia antes da estreia de seus encontros conversativos. A ideia é viajar o Brasil, conversando com as pessoas, com o celular desligado.
A entrevista contou com a presença do filho da influenciadora, que de vez em quando entrava segurando um carrinho com duas bonecas dentro. No papo, Júlia detalhou os porquês de sair do YouTube, como decidiu retornar e o que quer com isso.
Ela saiu do automático e quer despertar a esperança de um futuro diferente, com menos distração e mais sentido.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
Por que abandonar a internet e escolher um estilo de vida diferente?
Abandonar é uma expressão muito forte. Eu não sinto que abandonei, até por que eu fiz um encerramento, eu tive um momento de entender o que eu tava fazendo, que era sair desse emprego de falar as coisas na internet. Aí eu tive um tempo para entender se era isso mesmo, porque primeiro eu tava fazendo uma pausa, e aí na pausa eu fui vendo que não tinha como voltar. Não tinha. Eu tinha 450 mil motivos para não voltar e eu não conseguia encontrar um bom motivo para estar lá de novo.
Então, quando eu admiti isso absolutamente, completamente para mim mesma, aí eu consegui fazer um encerramento e aí eu gravei o vídeo do encerramento. [...] Eu tive muito essa necessidade de fazer um encerramento massa, de encerrar uma coisa que foi tão uma fase tão maravilhosa. Aí eu encontrei com o Caião e a gente encerrou.
Mas você falou que foram vários motivos. Quais? Você fala no podcast que mudou de cidade querendo um pouco ser mais anônima ou talvez não ter uma pressão que eu acho que a sua profissão tinha?
Na verdade, eu fui para essa cidade que eu moro hoje para parir o meu filho, né? Foi essa a intenção, porque era um lugar que eu ia me sentir mais confortável para parir mesmo, tinha mais estrutura e esse foi o motivo para eu ir para lá, mas os motivos para eu sair da internet? Foram muitos motivos, assim, tem uns motivos até que nem sei como botar em palavra, sabe?
Eu ainda tenho coisas para falar, que eu gostaria de compartilhar com as pessoas, né? Porque o canal era muito esse lugar que eu compartilhava coisas que eu achava dignas de serem compartilhadas. E aí teve um momento que eu fui percebendo que as coisas que eu achava que eram dignas de ser compartilhadas, não dava muito para falar para muita gente ao mesmo tempo. Tem umas coisas que você fala, "cara, isso daqui faz muito sentido", mas só dá para eu falar com cinco pessoas ao mesmo tempo.
Tem coisas que dá para falar para 280 pessoas, que são coisas que eu vou falar amanhã. Tem coisas que dá para falar para mil pessoas, tem coisas que dá para falar para 1 milhão de pessoas. "Amai-vos uns aos outros", sabe? Aí você pode falar para todo mundo. Mas certas coisas, se você fala para pessoas que estão em outro contexto, a coisa se perde. E eu comecei a acessar muito esse tipo de conteúdo internamente, que eu achava que não ia ser bem compreendido em multidão, totalmente aberto numa internet inteira.
Eu passei por essa fase que eu tava a super a vontade de falar um monte de coisa para um monte de gente. E agora eu sinto que eu preciso falar coisas mais específicas para menos gente de cada vez, para grupos menores e que eu consiga ver essas pessoas, que a gente consiga se olhar, se perceber e saber com quem você tá falando. Eu comecei a ficar um pouco desconfortável de não saber com quem que eu tava falando [...] Não dava mais. Eu precisava realmente dar uma paradinha para me organizar internamente.
A coisa tava muito 'carreira, sucesso'. Se você se desconcentra um segundo, você entra no automático e vai na corrente, e não é o ideal, né? Entrar no automático é um perigo quando você trabalha na internet.
Uma coisa muito interessante que eu fazia: esse exercício de me relembrar porque que eu tava fazendo o que eu tava fazendo, porque você se perde. Você começa assim: "Eu tô fazendo esses vídeos para que as mulheres se sintam à vontade com seus corpos", "para que os homens se sintam à vontade para sentir as coisas". Cheia de missões internamente. Só que quando você entra no automático, os seus propósitos voam pela janela.
Você tinha se afastado um pouco e aí você voltou para fazer o encerramento. Você teve algum estalo para gravar esse vídeo?
Eu tava muito vivendo a minha vida, né? E aí quando eu sentei no sofá na frente de Caio que eu fiquei tipo, caraca, é isso mesmo. A gente tentou gravar 50 mil vezes e não tava rolando e aí teve uma hora que baixou a coisa, saiu. Quando eu terminei foi aquela sensação maravilhosa de concluir uma coisa, porque quando você não conclui, parece que você não consegue seguir direito, fica sempre com aquele rabo amarrado.
Quando a gente concluiu, foi um alívio misturado com muita emoção, era um Airbnb alugado, tinha uma lareira. Sentei na frente da lareira, acendi um fogo e tchá! (onomatopeia de choro). E aí pronto. Senti tudo, fui para casa e fiz um filho. Assim, desse jeito.
E nesse período que você está fora da internet, o que você aprendeu de mais valioso?
Nossa, muita coisa valiosa. Eu acho que a coisa mais valiosa que eu aprendi, não por sair da internet, mas sair daquele automático, daquele modo de vida que eu tava, foi aprender a viver bem, cuidar do meu corpo, beber muita água, comer muito bem, dormir bem, fazer um bom cocô, fazer um bom xixi. Me movimentar. Eu dancei muito. Nossa, esses 4 anos foram anos que eu dancei. Uma coisa que eu fiz foi dançar. Na pandemia eu fiz muito isso: eu colocava uma playlist, colocava o celular na pochete, fone de ouvido e ia para o quintal dançar uma música que só eu tava ouvindo. E eu passava 4 horas fazendo isso assim no dia. Então foi um momento que eu conectei com o meu corpo.
Quando eu morava em São Paulo e trabalhava, foi uma fase muito gloriosa de expressão do meu ser, porque ali no canal eu dava o meu melhor e expressava muito o que estava dentro de mim. Mas a parte de cuidados com o corpo, do uso do corpo, de se movimentar, de ter pique, de subir uma ladeira e chegar lá em cima e apreciar a vista e não chegar lá em cima e cair no chão sem ar, essa parte quase não existia em São Paulo. Meu exercício era dar uma volta no quarteirão com as cachorras.
Então isso foi muito valioso, porque o corpo é como a gente existe aqui. A gente precisa do avatar. Foi um momento de dedicação ao avatar. Não sei como que você vai colocar isso aí.
Você acha que isso ajudou na sua saúde mental?
Foi um período também muito de olhar para as sombras, sabe? Quando você tá muito na internet, muito trabalhando, muito se doando, você fica meio sem tempo para olhar para dentro. E aí [ao se afastar] eu tinha o tempo e o espaço necessário para olhar para as coisas que eu fui deixando para depois. E aí é aquele momento de encarar e eu tava lá bem sadia de corpo para encarar as profundezas da alma.
Aí são encontros desafiadores muitas vezes. [...] É um momento de saúde mental, porque você pega aquelas feridas que você tá deixando ali em putrefação, você cata um bisturi, abre de volta e deixa sair todo o pus para depois passar um açafrão e cicatrizar. Então não foi um momento fácil mentalmente, sabe? Foi um momento demandante, mas com um salto de maturidade que eu recomendo.
Como você concluiu que você gostaria de voltar desse jeito: olhando as pessoas no olho, conversando e sem celular? Como foi toda essa idealização do encontro?
Cara, foi muito natural. Se você não se distrair toda hora, as respostas que você busca estão na tua cara [...] Eu quero falar com as pessoas, isso é uma coisa que eu gosto de fazer, falar com as pessoas, trocar, saber como as pessoas estão se sentindo, ouvir, falar as coisas que eu tenho percebido, porque eu já percebi que essa é uma facilidade e um dom, né? O seu dom vai ser fácil para você exercer, então, para mim, o que é fácil para mim e o que é o meu dom é isso, de simplificar as coisas, trazer o óbvio. E eu sabia que não queria que fosse online. Ou seja, presencial.
Não é uma palestra, porque eu não quero só falar, eu quero ouvir também. Eu quero que seja uma conversa, então vamos fazer um encontro conversativo. Não acho que muita gente vai ser bom, [quero] uma coisa mais íntima. Então no máximo 300 pessoas. São perguntas com respostas fáceis.
O primeiro [encontro] vai ser neste sábado [21 de dezembro]. Quais são as suas expectativas?
Que seja uma brisa boa [risos]. Eu acho que eu não tenho muitas expectativas, eu tenho mais intenções, eu acho que a grande intenção é que seja um momento de verdadeira conexão entre humanos. Por isso, offline. Para que as pessoas estejam ali. Acho que a grande intenção é a presença, que cada um que tá ali esteja ali de verdade, ALI com letra maiúscula.
Uma diferença dos encontros conversativos é que o público vai ser menor. Para o público ser menor, tem que ter o ingresso, porque se não, ia ter superlotação. Mas o YouTube é de graça, já o encontro vai ter um custo?
Esse encontro, né? Esse encontro de amanhã vai ser desse jeito. Eu não sei como vão ser os próximos encontros. Esse de amanhã é um primeiro despertar, começar a começar de novo, o início do início. Mas não é que todos vão ser da mesma forma, até porque rigidez no mundo da fluidez não é a boa, né? Mas não tem uma coisa assim fechada. São muitas possibilidades ainda a surgirem. A gente tá se concentrando em amanhã e aí depois a gente vai se concentrar em passar o Natal e o ano novo e aí depois a gente vai fazer uma reunião para decidir o ano que vem.
Você usou a palavra "óbvio" para as coisas que você falava. Algumas pessoas falavam que você falava o óbvio. O que você acha disso?
Mas é verdade, né?
Que você falava o óbvio?
Eu acho. O óbvio é muito importante ser falado, conte comigo para falar o óbvio. Eu tô aqui para isso. Eu não acho ruim, não. Acho necessário. De certa forma, quando alguém vê sentido no que eu falo, é porque aquilo tá naquela pessoa também, né? Quando alguém me elogia, aquela pessoa tá se elogiando, porque ela tem nela aquilo que ela tá vendo em mim. Uma das minhas missões é simplificar. Simples e óbvio andam juntíssimos. Não é muito a minha praia ir para o complexo demais.
As pessoas falam muito assim: "Esperta foi a Jout Jout, que fez o pé de meia dela com a internet e foi embora". Deu para fazer mesmo?
Quanto é um pé de meia, né? Algo que daria para viver para sempre? Isso é uma grande ilusão, porque você pode fazer um pé de meia e aí o Collor pegar tudo. Essa garantia não existe de fato. Mas o que eu trabalhei e o dinheiro que eu juntei nesse tempo de trabalho e remuneração foi um dinheiro que me permitiu ficar dois anos sem gerar renda e vivendo bem. Não passei perrengue de grana nesses dois anos.
Agora há pouco encontramos um fã e ele ficou muito animado em te ver. Em algum momento você se sentiu pressionada por isso?
Tinham muitos encontros positivos, que tinham momentos bonitos e tal. Mas quando era muito recorrente, quando eu morava em São Paulo, que eu tava sempre pegando avião, que eu tava muito ali disponível, às vezes era bem era demandante, eu não dava muito conta não, [...] era uma demanda emocional bem forte.
Hoje em dia, a pessoa já sabe que eu sumi, que eu tô mais reservada. Aí super respeitam. Antes, às vezes, as pessoas já vinham com a câmera na mão, quando eu ia ver, a foto já tinha sido tirada. Hoje eu sinto que as pessoas têm um respeito muito maior.
Quando a gente estava vindo a para cá, você falou "agora, vou voltar a trabalhar". Você está em uma nova fase da carreira, né?
Sim. Eu tenho falado que a gente tá reinventando uma forma de trabalhar. É uma forma de trabalhar que é focada na saúde e no bem-estar de quem tá trabalhando. Se uma começou a se estressar, estamos indo para o caminho errado.
Eu tô num momento da minha carreira e quem tá participando também tá, que é um momento que a gente pode reinventar a coisa. A gente não precisa se submeter a como as coisas são feitas, porque essa é a regra.
[...] Se a gente fosse entrar no automático, a gente faria estaria fazendo as coisas de outro jeito. A blusinha que elas vão usar lá talvez estaria sendo feita numa gráfica, porque esse é o jeito. Não, a gente pode fazer com tinta para tecido. Não precisa se estressar. É meio que esse lugar assim de trabalhar com sentido.
É um privilégio, né? Porque trabalho tá sendo causador de doença nas pessoas. Então você falar em trabalho respeitando limites virou algo raro, numa época em que as pessoas estão burnoutadas.
É. E não é difícil fazer isso. Eu acho que é mais fácil trabalhar respeitando os seres, mais fácil para todos, tanto para os seres que estão respeitando quanto para os seres que estão sendo respeitados. As coisas ficam mais bem feitas, são feitas com mais calma.
[Júlia decide trocar a luz. Menciona que ficou um tempo vivendo a base de luz de velas e ironiza que não está romantizando a pobreza, se referindo a críticas que surgiram após a entrevista para o podcast "De Saída"]. E as críticas, te afetam?
Cara, quando você sai dali [internet], e começa a viver mais aqui, [...] você tem um momento de contraste. A única coisa que passa por mim quando eu vejo alguma crítica a mim, é essa preocupação de fechar um canal que eu tenho aberto, que eu abri cuidadosamente com as pessoas por anos.
De tudo que falamos, inclusive da idealização do encontro, penso que vai num movimento contrário à tecnologia, sem uso de máquinas, de inteligência artificial, de telas. Parece um momento de valorização das pessoas. Você concorda?
Essa é a glória dos robôs. Esse é o presente que eles estão nos dando. Os robôs, a internet, a IA? Isso não é uma coisa consciente, mas eu vejo essa curva acontecendo, de artificialização de tudo [...] e vai começar a busca pela verdade.
E aí você vai buscar alguém que fez uma coisa à mão? Eu vi uma conversa entre dois amigos músicos. Um cara falando assim: "Cara, o chat GPT. E eu botei samba e ele fez um samba incrível. Caraca, e o que vai ser de nós músicos?' Aí o outro falou: "Cara, a gente vai fazer a arte pela arte". A arte é pela arte, não é para nada. [...] Esse é o presente que os robôs nos dão, sabe? Eles vão tirar tanto de nós que a gente vai começar a fazer as coisas porque a gente quer, e não porque precisa fazer.
É uma visão otimista até, né?
A tendência é o equilíbrio, né? Vem uma grande merda, vem uma grande glória. Então, se você se sente numa grande merda, já jázinho tá vindo numa grande glória.
[Júlia recusou tirar foto com o fã que a parou mais cedo] Você não vai tirar foto amanhã, ou nunca mais?
Não sei se nunca mais, mas eu não tenho muito a intenção de tirar foto não. Eu não tenho muito a intenção de ficar entrando na internet, sabe? A foto não é [só] uma foto, é uma postagem geralmente. Quando você tá afundado num celular, você liberando dopamina, que é o hormônio do vício [...] O que tá acontecendo hoje globalmente é uma pandemia de dopamina. Tem muita gente viciada, viciada em celular, viciado em pornografia, viciado em açúcar, sei lá, viciado em alguma coisa. E tirar uma fotinho e colocar num feed, é mais uma gotinha de dopamina. Eu acho que eu já contribui muito para liberação de dopamina nos corpos, agora eu queria liberar endorfina, serotonina, oxitocina, outros hormônios, que são hormônios de estar aqui, ter uma conexão com uma pessoa, se sentir bem, sabe?
Você influenciou pessoas por muito tempo e claramente ainda influencia. Amanhã, qual influência gostaria de ter?
Eu acho que o despertar da esperança. Eu percebo um movimento de entregar os pontos, sabe? "Tá tudo uma merda mesmo". Uma coisa meio de desesperança, de ver a merda acontecendo e não conseguir fazer nada a respeito, porque "ah, não tem o que fazer, o mundo já tá cagado", sabe? Talvez a grande influência que leva à esperança é disseminar o incentivo a sair do automático. É isso.