Com as mãos, os pés ou a boca: ONG adapta controles de games para PCDs
Os eventos de games são a oportunidade perfeita para curtir títulos inéditos, antes do lançamento, ou apenas se encontrar com outros fãs. Infelizmente, a experiência das pessoas com deficiência nem sempre é a ideal, especialmente daquelas com dificuldade de usar um controle convencional ou teclado e mouse para jogar. É para esses casos que existe a AbleGamers.
"A AbleGamers é uma ONG que tem como missão combater o isolamento social das pessoas com deficiência através dos jogos em geral", explicou Felipe Negrão, coordenador de operações, em papo com Splash durante a CCXP 24, onde a organização atuava nos estandes da Xbox e Nintendo, com controles especiais para pessoas com deficiência.
"Basicamente, o trabalho que a gente faz no Brasil é doar controles para a pessoa com deficiência", explicou. "A pessoa com deficiência tem uma plataforma para jogar, seja ela qual for, aí ela vem e conversa com a gente, e nós trabalhamos em um sentido de customização, vendo o que ela quer jogar e como ela pode jogar, dependendo da condição dela. Aí encontramos a solução, seja com controles ou ferramentas que ela vai usar, e doamos. Nós recebemos e vivemos totalmente de doações."
Os controles em questão podem ser feitos do zero, ou então versões acessíveis oficiais, lançadas tanto pela Xbox quanto pela PlayStation. Em todos os casos, a ideia é a mesma: dispositivos que permitem que a disposição e tamanho dos botões sejam totalmente adaptados. Dessa forma, é possível controlar o game com apenas uma mão, com o auxílio dos pés, ou até mesmo conectando sensores para dar comandos com a boca.
Nos eventos, o trabalho da AbleGamers é de disponibilizar estações de jogos adaptadas, espaços de descompressão, para evitar a sobrecarga dos vários estímulos visuais e sonoros em pessoas neuro divergentes, e também de conscientizar o público geral. Como explica Negrão, a questão de acessibilidade deveria ser uma preocupação de todos, e não só das pessoas com deficiência.
Acessibilidade, quando é muito boa, atende todo mundo, afirma Negrão. "Um exemplo de jogo em que acontece isso é Fortnite, que tem opções focadas para o deficiente auditivo —um "anel" que mostra a simbologia e proximidade de sons. Se alguém está andando ou atirando perto de você, há essa opção que indica [visualmente] de qual lado isso está acontecendo. Hoje, todo mundo usa isso para não ficar dependendo só do som, e ajuda todos a terem um jogo mais divertido."
A outra coisa que sempre falamos é que o jogador, em geral, é uma pessoa adulta, que já passou dos 30 anos, segundo várias estatísticas. A gente gosta de lembrar que, eventualmente, conforme a idade avança, nós vamos nos tornando pessoas com deficiências, com dificuldades de visão ou de audição. Quanto mais cedo trabalharmos a acessibilidade, vamos poder jogar por mais tempo. Para que continuemos jogando no futuro e tenhamos um tempo de jogo e de passeio garantidos.
AbleGamers no Brasil e no mundo
Por mais que a organização seja recente no Brasil, a AbleGamers já tem 20 anos de história, tendo surgido nos EUA, por conta de soldados da Guerra do Iraque. "Eram veteranos [do Exército] que começaram a perder contato depois que foram dispensados. Alguns eram PCDs por causa da guerra, começaram a ter problemas com controles e não puderam mais jogar, e não havia soluções há 20 anos, então resolveram pegar pelas próprias mãos e trabalhar com isso", explicou Negrão.
A chegada ao Brasil se deu aos poucos quando, por volta de 2017, um grupo de redatores de um blog de games entrou em contato com a organização no exterior, e começou a fazer transmissões para divulgar e levantar dinheiro para a causa. Segundo o coordenador de operações, a AbleGamers Brasil é reconhecida oficialmente no país como uma ONG desde 2021: "Registrada, com associação, membros, diretoria, site e tudo que precisa ter para funcionar", garantiu.
Mesmo com a parte prática, de montar e doar controles para pessoas com deficiências, a ONG ainda mantém a parte das transmissões ao vivo para divulgar a causa. Foi a partir disso que surgiu a conexão com marcas como Xbox, PlayStation e Nintendo, ou então publicadoras, como a Devolver Digital e a GX Gameworks.
"Temos um evento próprio, que serve tanto para arrecadação quanto para divulgação de como é o nosso trabalho", afirmou Felipe Negrão. "Acontece todo mês de setembro, junto com o dia nacional da pessoa com deficiência, e geralmente é uma livestream. Para que funcionasse, começamos a abordar marcas e explicar o nosso trabalho, o que possibilitou a gente ter contatos, visitar eventos e conversar diretamente com as marcas."
Em geral, acessibilidade em eventos não é coisa simples. Os eventos não são muito acessíveis, mesmo em termos de mobilidade simples, mas para uma pessoa jogar era nulo. As marcas foram entendendo aos poucos, vendo que é um trabalho sério e que traz resultado e agradecimento das pessoas, e que a pessoa com deficiência é, antes de qualquer coisa, uma pessoa.
A partir de testes iniciais em eventos brasileiros, a AbleGamers logo se tornou presença recorrente em eventos brasileiros, como a CCXP, Brasil Game Show e gamescom latam. Mas o trabalho deles está apenas começando. Para 2025 e além, Negrão torce para que os eventos considerem a participação das pessoas com deficiência desde o início, para garantir que a experiência de todos seja divertida e memorável.
"Assim como uma empresa, queremos crescer e atender mais, mas mais importante é continuar atendendo com qualidade", reforçou. "Que os eventos tenham a acessibilidade como algo normal, natural, e que talvez não seja só a gente que atenda, mas que os eventos em si aprendam e comecem a tomar as liberdades de trabalhar nesse sentido. O sonho de toda ONG é ela não existir mais porque acabou o problema."