Muito além do sobrenome, Thomas Troisgros quer viver de 'comida gostosa'
Num primeiro contato, Thomas Troisgros parece ser aquele que não quer perder tempo. Prático (e no Rio), reage aos muxoxos da jornalista (em São Paulo) sobre não conseguir fazer a entrevista presencialmente com um direto "eu gosto por vídeo. Pelo menos não é por telefone".
E também não esconde o desejo de responder a novas perguntas, não só e sempre as (inevitáveis) relacionadas ao seu poderoso sobrenome.
Apesar da alma agilizada de quem comanda quase uma dezena de negócios entre sociedades e projetos autorais, nas esquinas da conversa demonstra que desacelerar não é uma opção, mas que hoje, como nunca, está feliz na cozinha. Em todos os lados, funções e camadas dela.
Ser ou não ser, não é uma questão
Nascido, crescido e formado entre os livros do avô Pierre (um dos precursores da Nouvelle Cuisine ao lado do irmão Jean) e sob influência do tio Michel (o três estrelas Michelin do Maison Troisgros na França) e do pai, Claude, radicado no Brasil desde 1979, Thomas já quis outros rumos na vida.
Entre o marketing cursado por seis meses e o futebol — paixão que desejava como profissão na adolescência. "Já quis ser algumas coisas", conta.
Houve também a vontade de nem sair do ambiente de restaurante, mas com o olhar da hotelaria — o que estaria lá tão longe do DNA, uma vez que a dinastia Troisgros começou com um hotel em Roanne, comandado por Jean-Baptiste e Marie, bisavôs de Thomas.
Para arrancar o band-aid das perguntas óbvias, Thomas não se esquiva de comentar o peso do sobrenome e do legado.
O 'Troisgros' abre e fecha portas. Aos 14 anos, já assinava documento com o presidente do Culinary Institute of America garantindo que eu estudaria lá. Aos 19 anos, fui estagiar com Daniel Boulud, relembra o cozinheiro, que fez seu primeiro estágio na cozinha aos 12 anos.
Além da experiência com o mestre francês que espalha estrelas Michelin pelo mundo, Thomas ainda passou pelos ícones bascos da alta-gastronomia Mugaritz e Arzak.
Ao mesmo tempo, sofria pela pressão de ser um Troisgros e com a rotina de um profissional de alta gastronomia.
Tinha problemas na faculdade, não conseguia nem sair com meus amigos. Até os 26 anos, eu não amava o que eu fazia, conta.
Negócios com "twist"
Chamado pelo pai, voltou ao Brasil em 2005, aos 23 anos, para comandar a cozinha do 66 Bistrô e, nove anos depois, passou a liderar a cozinha do famoso Olympe, fundado por Claude em 1984 e fechado na pandemia. A fama do restaurante, que levava o nome da avô italiana de Thomas, foi conquistada graças à mescla de técnicas francesas e produtos brasileiros — o que ditaria rumos do jovem chef em voo solo anos depois.
Em 2022, aos 40 anos, Thomas dá um tempo no posto de chef de cozinha e se torna também restauranteur. A lista de ideias e negócios é, sem dúvida, impressionante.
Hoje, Thomas lidera as operações dos do bistrô-boteco Le Blond e do carnívoro-chic CT Boucherie, e é sócio do grupo T.T. Burger — com hamburgueria do mesmo nome aberta em 2013, marca de ultra-smash Três Gordos (2020), a sanduicheria de pescados Marola Sanduicheria e de frango Tom Ticken, inauguradas em 2021.
Em setembro, com a esposa Diana Litewski, abriu o "boteco de verdades" Tijolada — nome inspirado no espírito do casal cuja história foi contada em um dos posts do Instagram do chef.
A gente sempre de pergunta qual vai ser o 'twist'. O primeiro sempre vai ser comida gostosa, crava.
Mas o que é a tal "comida gostosa"? Para Thomas, o norte está na trindade divina: acidez de vinagre e limão, crocância e manteiga.
É também sob esse imbatível trio que corre nas veias e sinapses de Thomas que ele voltou a pensar cozinha autoral e "sempre gostosa", como repete, insiste e bate no peito.
Finalmente, Thomas
Em outubro de 2023, o chef abriu seu primeiro negócio 100% próprio: o Toto — em referência ao apelido dado a Thomas pelo seu avô Pierre.
Num casarão de Ipanema, este "neobistrô" oferece boa comida, de variadas referências árabes, italianas, asiáticas e, claro, francesas. "A comida que eu gosto de comer, basicamente."
O passo seguinte, tomado em fevereiro deste ano, porém, é o que mais faz o sério Thomas se agitar do outro lado da tela: "A criatividade precisa ser exercida", afirma.
Na urgência de diferentes vazões e razões, surge o Oseille — em referência à azedinha, folha que, ao lado do salmão, se tornou a combinação mais famosa dos Troisgros desde os tempos de Pierre e Jean.
Queria fazer fine dining sem ser careta, ficar à vontade, conversar com os clientes, colocar minhas músicas, deixar que coloquem as deles, não queria ter toalha. Queria quebrar paradigmas, resume.
Em resumo: diante de toda experiência e conhecimento adquiridos até hoje, no 2º andar do casarão onde já funciona o Toto, Thomas quis voltar à própria cabeça levando na bagagem a sua escola e herança.
"De dia, penso cardápios todos, pesquiso, elaboro manteigas diferentes, me informo e me inspiro em chefs do mundo todo nas redes sociais, observo, aprendo. De noite, cozinho."
Um pouco de omakase daqui, um tanto de chef's table dali e surge o jantar oferecido a apenas 16 clientes com menu degustação de cinco a sete etapas. A fórmula de outros tempos resiste — técnicas francesas em mescla com ingredientes brasileiros —, mas com uma roupagem sem intelectualismos e apaixonada.
Tão apaixonada que Thomas não admite que falte sua essência — a manteiga — e um de seus combustíveis — a credibilidade de entregar aos comensais mais do que degustação, mas também confiança.
Apesar de já ter tido pedidos para isso, não me sinto bem com o menu vegano. Assim como não abriria um restaurante japonês ou árabe. Italiano poderia até ser né? Ninguém fala, mas sou neto de italiana. Ah, e também não espere chocolate e amêndoa. Porque não gosto, delimita.
Inspiração de passado e presente
E também não espere muito alarde com prêmios e estrelas — ainda que Thomas tenha visto o antigo Olympe conquistar 17º lugar em 2016, 13º lugar em 2017 e 35º lugar em 2019 pelo Latin America's 50 Best Restaurants e também uma estrela no Guia Michelin. E que seu Oseille já seja considerado uma das melhores novidades de 2024 pela Condé Nast Traveller.
"A maior premiação é cliente voltar e virar de casa. É atrair gente, principalmente, do seu bairro e da sua comunidade", acredita.
É claro que quero estar no guia, para que venham mais clientes. Mas não dou fã de ranking e de Michelin. Aqui é zero desespero com isso.
Se os prêmios não movem, a família que abriu e fechou portas lá no início ainda está entre as maiores inspirações para continuar "e conseguir ser inovador, disruptivo e evoluir na tradição."
Thomas conta que seu avô, o icônico Pierre Troisgros, morto em 2020 aos 92 anos, adorava quando jovens amigos e chefs o acompanhavam para encontrar o veterano chef na França. "Ele dizia que se renovava com eles".
Confiante nos rumos que o nome famoso não dita, na lembrança do avô "Toto" parece ter se encontrado a maior herança, a da liberdade de fazer comida gostosa.