O Mickey parece finalmente ver a luz no fim do túnel após uma fase sombria. Em seu mais recente relatório financeiro trimestral, divulgado na última semana, The Walt Disney Company revelou números promissores —principalmente com o streaming e os filmes para cinema.
Um alívio que permitiu à companhia fazer algo raro: prever que nos próximos três anos haverá um substancial lucro-por-ação, o que é uma métrica importante para os investidores. Nada mal para quem, há um ano, estava com uma grande crise.
Agora é possível, realmente, dizer que a Disney fez a transição para se transformar em uma gigante do streaming, atrás apenas de Netflix e Amazon. Porém, nem tudo é perfeito —e o conglomerado ainda precisa lidar com muito do seu legado que não está mais funcionando.
Em termos contábeis, o trimestre encerrado em setembro representou o fim do ano fiscal de 2024 para a empresa. No geral, o resultado foi positivo para o segmento de entretenimento: um crescimento de 1%, alcançando US$ 41,2 bilhões (R$ 238 bilhões) de receita.
Porém, o que brilhou mesmo (e puxou tudo pra cima) foram justamente estes últimos três meses: crescimento de 14% no faturamento, com US$ 10,8 bilhões (R$ 62 bilhões). O lucro operacional (que é a receita menos a despesa) reverteu um prejuízo de US$ 387 milhões (R$ 1,3 bilhão) no mesmo período de 2023 para um lucro de US$ 321 milhões (R$ 1,8 bilhão). Em grande parte, resultado de cortes —incluindo demissões— que aconteceram no último ano. Tanto é que o investimento em conteúdo caiu de US$ 27 bilhões (R$ 155 bilhões) no ano passado para US$ 25 milhões (R$ 144 bilhões) neste.
Fim da guerra
A guerra do streaming pode ter acabado com a vitória da Netflix, mas Mickey e seus amigos não saíram derrotados. De acordo com o relatório, o Disney+ alcançou a marca de 122,7 milhões de assinantes, um aumento de 4,4 milhões. Somado ao Hulu, vídeo sob demanda que só opera nos EUA, o número chega a 174 milhões. Além disso, há ainda outros 35,9 milhões que acessam o Disney+ Hotstar, que existe apenas na Índia e tem outros sócios locais.
Isso coloca a plataforma como a segunda maior, em termos globais. A primeira é a Netflix, com 282 milhões de lares. Já a Amazon informa que o Prime Video tem "mais de 200 milhões de espectadores mensais", sem dar mais detalhes.
O serviço também ampliou a receita por usuário —tanto com reajuste dos pacotes quanto com a introdução de publicidade, por meio de um plano mais barato. "O preço que colocamos em prática recentemente, com um aumento, foi projetado para mover mais pessoas em direção ao AVOD [assinatura com anúncios]", contou Bob Iger, CEO da Disney, em uma conferência virtual com investidores.
O executivo, inclusive, passou por um momento que pode ser considerado constrangedor. Na mesma transmissão, realizada após a divulgação do informe trimestral, ele informou que 37% dos novos assinantes nos EUA e 30% no resto do globo vieram por meio do plano com propagandas. Pouco depois, pode-se ouvir Iger ao fundo, lamentando: "Não sei se eu deveria ter divulgado esses números". Resta saber se o CEO estava sendo sincero ou apenas "jogando para a torcida", como se diz no futebol.
Em média, cada assinatura (ARPU, sigla para "receita média por usuário" em inglês) rende US$ 7,30 (R$ 42,5) para a Disney, considerando mensalidades e a receita com anúncios.
Mesmo assim, não dá para dizer que tudo são flores. O Disney+, claramente, diminuiu o volume de estreias exclusivas, e mesmo aquelas que são lançadas entram menos no zeitgeist, ou seja, que realmente influenciam no comportamento das pessoas. A própria companhia informa que também está tendo menos gastos com o marketing da plataforma, o que pode ajudar a justificar essa percepção.
"Divertida Mente 2" e "Deadpool & Wolverine" são outras boas notícias. Lançados nos cinemas, os dois filmes somaram mais de US$ 3 bilhões (R$ 17 bilhões) em bilheteria, segundo o Box Office Mojo. Dessa forma, a empresa teve um lucro operacional de US$ 316 milhões (R$ 1,8 bilhão) com venda de conteúdo e licenciamento.
Isso sem mencionar que o sucesso na telona aumenta a atenção do público para a posterior estreia no Disney+, trazendo mais espectadores em um ciclo virtuoso para a empresa.
O outro lado da moeda
Enquanto streaming e cinema voltaram ao prumo, o mesmo não se pode dizer dos outros segmentos dentro da Disney.
O negócio de televisão tradicional, que inclui a emissora aberta ABC, teve uma queda de receita de 6%, enquanto o lucro caiu 38%, chegando a US$ 498 milhões (R$ 2,8 bilhões).
Dois fatores pesam aqui. O primeiro é um declínio cada vez mais acentuado da televisão por assinatura, onde o conglomerado sempre teve grandes iniciativas. Além disso, o cenário de mídia pulverizada —incluindo aí a própria canibalização com Hulu e Disney+, mas também a competição com Netflix e YouTube— leva a uma queda de audiência até mesmo na ABC.
Hoje, o negócio de vídeo sob demanda por assinatura já é muito maior que aquele dos canais lineares. A Disney fez a transição, por assim dizer, mas agora precisa saber como lidar com um negócio que, em parte, está morrendo.
Outro problema é o setor de experiências, que engloba os parques, cruzeiros e hotéis. Considerando todo o ano fiscal, o segmento cresceu 5%, alcançando uma receita de US$ 34 bilhões (R$ 196 bilhões) —um recorde, segundo a Disney. Contudo, os analistas acham pouco e estão preocupados com a competição com um novo parque da Universal, o Epic Universe, que será lançado em 2025.
"As reservas antecipadas que temos no próximo verão são realmente positivas, então isso é certamente um indicador positivo", disse o diretor financeiro Hugh Johnston na conferência com os investidores. "Também analisamos o histórico de outras atrações e parques abrindo na Flórida, e isso tem sido geralmente benéfico para nós".
Apesar dos pesares, o mercado está reagindo bem. Só no último um mês, o valor das ações da Disney subiu cerca de 17%. Além disso, detratores da atual gestão —incluindo o investidor-ativista Nelson Peltz— não se pronunciaram publicamente nos últimos meses.
E agora, Bob?
Bob Iger se mostrou confiante sobre os próximos passos da Disney. O CEO destacou, por exemplo, os lançamentos de "Moana 2" (originalmente previsto para o streaming), "Mufasa: O Rei Leão", ambos ainda em 2024, e de "Capitão América: Admirável Mundo Novo", em fevereiro —o que mostra o quanto o cinema continua importante.
Contudo, o futuro da ESPN segue em risco. Atualmente, a emissora está em apenas 66 milhões de lares nos EUA —enquanto a Netflix, com um único evento esportivo (com a luta entre Jake Paul e Mike Tyson como atração principal), diz ter alcançado uma audiência de 38 milhões de espectadores simultâneos no mesmo país. Em todo o mundo, o total de público da concorrente foi de 108 milhões de pessoas.
Por esse motivo, o canal esportivo passará a ter um bloco de conteúdo dentro do Disney+ norte-americano, em uma tentativa de manter a relevância e a audiência da marca.
Falando nisso, a própria importância da plataforma de VOD principal do grupo pode ficar em cheque caso o volume menor de lançamentos (e a qualidade deles) deixe o público insatisfeito —principalmente se ele sentir que está pagando muito caro ou vendo muitos anúncios.
Em relação aos parques, a administração do CEO anterior, Bob Chapek, foi duramente criticada por um aumento no valor dos ingressos e das comodidades. Buscar uma maior lucratividade com mais reajustes pode afugentar o público.
Por fim, há a própria questão da sucessão. Bob Iger comandou a Disney entre 2005 e 2020, quando foi substituído por Chapek. Nos bastidores, o executivo pavimentou o seu retorno em 2022, mas recebeu a missão de comandar um "mandato tampão" de dois anos enquanto formaria um substituto. O contrato já foi ampliado até 2026 e, até agora, Iger não apontou um sucessor claro.
Talvez seja hora de avisá-lo que a famosa frase "por enquanto é só, pessoal" não é exclusividade da concorrência.
Siga o colunista no Twitter, Instagram, TikTok e LinkedIn, ou faça parte do grupo do WhatsApp.