Em termos de arrecadação publicitária, o YouTube já possui, sozinho, praticamente o tamanho de toda a televisão aberta dos Estados Unidos. Essa realidade veio à tona no mais recente balanço trimestral do Google, dono da plataforma, divulgado no final de outubro.
De acordo com o documento, o serviço já faturou US$ 25,7 bilhões (R$ 157 bilhões, na cotação atual) nos nove primeiros meses de 2024, um aumento de US$ 3 bilhões (R$ 18 bilhões) quando comparado com o mesmo período de 2023. No ano passado, todas as emissoras estadunidenses com sinal aberto arrecadaram, juntas, US$ 33 bilhões (R$ 202 bilhões) com publicidade, de acordo com a S&P Global —enquanto o YouTube fez US$ 31,51 bi (R$ 193 bi). Considerando que um lado está em queda e o outro cresce, a inversão na liderança desse jogo é praticamente certa.
Obviamente, estamos comparando uma iniciativa mundial contra um mercado que, por mais que seja enorme, representa apenas um país. Ainda assim, demonstra a força daquilo que o Google constrói desde 2006, quando comprou o serviço gratuito de vídeos.
Gigante da publicidade
O YouTube tem um formato único: em vez de investir milhões em uma programação própria, baseia-se no conteúdo gerado pelos seus próprios usuários —com quem divide a receita dos anunciantes.
Tal tática coloca o Google em uma posição privilegiada, com menos riscos e capital investido em conteúdo. A estratégia, claro, não é perfeita: os youtubers, como são chamados os criadores na plataforma, reclamam constantemente da monetização de seus vídeos.
Seja como for, isso permitiu a criação de verdadeiros canais de TV sem a necessidade de toda a infraestrutura de transmissão ou a burocracia regulatória do passado. Surgiram novas estrelas, enquanto grupos recém-chegados conseguiram abocanhar relevantes direitos esportivos.
A realidade também mudou para agências e anunciantes. Em vez de grandes "tiros de canhão" massivos, agora é possível segmentar públicos de forma bastante precisa e com custo menor, além de possuírem métricas muito mais exatas da assertividade das campanhas.
Não é à toa que quase todos os streamings por assinatura estão caminhando também para a publicidade. Eles, porém, ainda engatinham no quesito. A Netflix, por exemplo, faturou apenas US$ 500 milhões (R$ 3 bilhões) no terceiro trimestre deste ano, segundo estimativas baseadas em seu balanço financeiro.
Há, no entanto, um detalhe importante. Os US$ 25,7 bilhões arrecadados pelo Google não vão totalmente para o bolso da gigante da internet. Um pouco menos da metade, pelo menos, vai para os criadores de conteúdo, dos minúsculos aos enormes —incluindo aí os próprios grupos de mídia tradicionais.
Outro ponto é que os canais de TV dos EUA possuem outras fontes de arrecadação, incluindo licenciamento de produtos e pagamentos por retransmissão. Com isso na conta, a S&P espera até um crescimento do setor, chegando a US$ 40 bilhões (R$ 245 bilhões) agora em 2024.
Envelhecimento dos espectadores
Um grande dilema enfrentado tanto pela televisão aberta quanto pela paga é o envelhecimento do público. Algumas emissoras de notícias norte-americanas possuem espectadores com uma média etária na casa dos 70 anos. É o caso da CNN, Fox News e MSNBC.
No mesmo período, a principal audiência do YouTube está na faixa entre 25 a 34 anos, que é muito desejada pelas marcas.
Essa demografia leva a algumas situações curiosas. O veículo de mídia norte-americano FastCompany, por exemplo, chama a atenção para o crescimento da publicidade de empresas farmacêuticas na antiga TV, ressaltando o perfil mais idoso de quem assiste.
Enquanto isso, no Brasil
Por não termos uma indústria tão madura quanto a dos Estados Unidos, fica difícil identificar uma métrica mais exata dessa mudança de forças dentro da indústria da mídia do Brasil. Pesa também o menor acesso à tecnologia, as grandes diferenças sociais e, claro, a pior cobertura de internet fora dos grandes centros urbanos.
Isso não impediu o Google de também tentar cantar vitória no nosso país. Em evento direcionado para o mercado publicitário, realizado em outubro, a big tech informou que o YouTube teria 75 milhões de espectadores por aqui, dentro de um universo de 164,5 milhões de brasileiros conectados na internet, informa o IBGE (o que dá cerca de 88% da população). Já as emissoras tradicionais estariam com um público de 73 milhões.
Contudo, o Kantar Ibope contestou os dados. De acordo com a companhia especializada em pesquisas, os seus números não foram interpretados corretamente. Eles seriam relacionados ao comportamento do consumidor, e não audiência.
A própria Globo entrou em campo, reforçando essa posição. Segundo o grupo brasileiro, as plataformas de vídeo online representam apenas 25,7% do consumo no Brasil, enquanto a TV linear tem 74,3%. A Globo, sozinha, possui um "share" de 35,4%. No total, o canal da família Marinho afirma ter um alcance semanal de 136 milhões.
O Google não divulga um recorte com o quanto arrecada em publicidade em cada região do mundo, então não é possível mensurar, em termos de faturamento, o seu tamanho no nosso país nesse quesito. Já a Globo, no balanço de 2023, informa ter tido uma receita líquida —o que inclui os valores recebidos dos anunciantes— de R$ 15 bilhões.
Um ponto importante nessa equação são as casas de apostas. Seja por aqui ou no resto do planeta, as bets estão investindo pesado em anúncios online e nas mídias tradicionais. Mesmo que não surja uma maior regulação, a tendência é que, com o tempo, haja uma consolidação dessas empresas, com fechamentos e fusões. Com o tempo, a necessidade de ficar no azul vai bater à porta, resultando em menos dinheiro para divulgação.
O que temos de concreto é uma gigantesca mudança de comportamento. O impacto real dela em um país em desenvolvimento, como o nosso, ainda está por vir. Daqui em diante, estamos navegando em território desconhecido.
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