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'Mãe e irmã romperam comigo quando comecei tratamento para câncer de mama'

Não é raro que mulheres com diagnóstico de câncer se vejam sozinhas quando precisam ser acolhidas e cuidada Imagem: Getty Images

Hysa Conrado

Colaboração para Universa

25/10/2024 05h30

O diagnóstico de câncer de mama vem acompanhado de um turbilhão emocional e físico que impacta não só a vida da paciente, mas também das pessoas ao seu redor. Não é raro que essas mulheres se vejam sozinhas quando precisam ser acolhidas e cuidadas, tendo de lidar com o abandono afetivo como mais um obstáculo na jornada oncológica.

A autônoma Cinthia Pergola, de 47 anos, viu o desamparo chegar de onde menos esperava: a mãe e a irmã cortaram laços com ela logo no início do seu tratamento. Junto com os dois filhos, ela se mudou para a casa da família após a descoberta do câncer em fevereiro de 2023 e não demorou para que a nova rotina se revelasse um pesadelo.

Eu pensei que elas iriam acolher as crianças enquanto eu cuidava de mim. Mas já nas primeiras semanas eu comecei a sentir que não ia dar certo, minha mãe colocava empecilho em tudo, não sei se ela estava entendendo a gravidade. Ela falava que a casa era dela e que as coisas tinham que ser como ela quisesse.Cinthia Pergola

Os atritos com os filhos não foram os únicos problemas, Cinthia lembra que a mãe também tratava mal as amigas que iam visitá-la e se incomodava com o fato de ela não usar peruca após perder os cabelos durante o tratamento.

"Também perdi a sobrancelha e ela queria que eu pintasse, porém eu estava muito livre e isso não me incomodava, mas ela me criticava porque eu saía sem lenço", afirma. "À noite eu tinha que entrar no chuveiro para aliviar o corpo que pinicava por conta da quimio e ela ficava muito incomodada", afirma.

O estopim foi quando a mãe procurou a polícia e pediu que Cinthia fosse notificada para sair da casa. Em meio a uma crise financeira por não conseguir trabalhar durante o tratamento, ela teve um final de semana para reorganizar a vida e se mudar. Graças ao apoio do namorado e dos amigos que reuniram doações, ela conseguiu se estabelecer em uma nova casa.

Desde então a gente nunca mais se falou. É uma dor meio inexplicável, me senti desamparada, sozinha e abandonada. Eu sei que elas tentaram, só que não foi possível, foi difícil lidar com as emoções. Hoje entendo que foi melhor assim.Cinthia Pergola

Ela também conta com o apoio da Rede do Câncer, ONG que acolhe pessoas em tratamento oncológico, onde tem o auxílio de uma psicóloga para tratar as questões emocionais que a envolveram nesse período.

Causas do abandono afetivo

O abandono afetivo pode levar a piora de sintomas de depressão e ansiedade, além de dificultar a aderência da paciente ao tratamento Imagem: Getty Images

É comum associar as mulheres a uma ideia de disponibilidade emocional constante quando se pensa em cuidado, mas Rita Calegari, psicóloga do Hospital Nove de Julho, destaca que este é um atributo cultural e não está inerente à personalidade feminina. Crenças como essas costumam ser determinantes para que o abandono afetivo aconteça, principalmente por parte dos maridos e namorados das pacientes oncológicas.

"Muitas vezes a mulher é abandonada afetivamente já no início do tratamento, porque precisa de alguém com disponibilidade para acompanhá-la durante os exames e nem sempre ela vai ter um parceiro disposto, capaz de colocá-la em um nível de prioridade. Algumas relações se dão nisso: estou envolvido com você, mas enquanto você está bem, cuidando de mim e da casa, enquanto você está bonita, com desejo e com libido", afirma a psicóloga.

Além disso, muitas vezes o entorno da mulher diagnosticada com câncer não sabe lidar com a mudança de rotina que sua nova condição provoca, seja na carreira ou mesmo na vida social, o que acaba causando o afastamento.

O câncer pode mudar o papel que a pessoa desempenha na família e entre os amigos. O abandono afetivo pode levar a piora de sintomas de depressão e ansiedade, além de dificultar a aderência da paciente ao tratamento.Anezka Ferrar, oncologista do Hospital Santa Paula.

Segundo a psicóloga Rita Calegari, estudos mostram que a paciente passa pelo tratamento com mais chances de recuperação quando está positiva e é amparada por uma rede de apoio. "Em uma situação de abandono é como ir para a guerra sem munição, e ainda passando pelo sentimento de ser rejeitada e abandonada, o que é muito frustrante. Isso faz com que ela fique muito mais insegura, solitária, temerosa e fragilizada", afirma.

Como superar o abandono afetivo

Para esta mulher que foi abandonada, a melhor forma de superação, segundo a psicóloga, é ser amparada por outras pessoas que entendam seu momento e acolham a frustração e a tristeza que esse contexto pode causar a ela.

Às vezes, o câncer vai ser curado e a dor dessa desilusão não. Então, é muito importante que essa mulher faça o ciclo completo: identifique que está infeliz por esse abandono, faça o luto, lamente a perda, para que depois ela possa entrar em um ciclo de verdadeira recuperação e recomeçar sua história.Rita Calegari, psicóloga do Hospital Nove de Julho

Mas é importante entender que nem todas as pessoas conseguem passar por essa sequência de elaboração da dor, sobretudo em um momento delicado como a jornada oncológica. Não é raro que algumas mulheres deixem de lado o sofrimento afetivo e foquem no tratamento, o que não significa que a dor foi silenciada.

"Às vezes, depois de anos, com o tratamento concluído, é que essa mulher vai entrar em contato com essa perda afetiva. As nossas emoções não têm uma lógica, então é importante que ela seja amparada e tenha seus sentimentos acolhidos", afirma a psicóloga.

A oncologista Anezka Ferrar também destaca a importância de buscar atividades que promovam o bem-estar, como exercícios físicos, yoga e meditação. Além de psicoterapia e grupos de apoio, onde a paciente pode encontrar acolhimento e força em outras mulheres que estejam passando por situação parecida.

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