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Com Marina Lima, Antonio Cicero instituiu 'pop poético' e colecionou hits

Antonio Cicero e a irmã, Marina Lima - Reprodução/Instagram
Antonio Cicero e a irmã, Marina Lima Imagem: Reprodução/Instagram
do UOL

Adriana Del Ré

Colaboração para Splash, em São Paulo

24/10/2024 05h30

A morte de Antonio Cicero, nesta quarta-feira (23), na Suíça, aos 79 anos, nos alerta, tristemente, que toda uma geração que foi fundamental para a construção da música brasileira como a conhecemos está desaparecendo. Na música, não haverá outra geração tão genial como a dele. Também não existem indícios de herdeiros diretos, pelo menos não a olho nu; talvez influências pulverizadas em trabalhos de artistas de gerações seguintes, mas não se ouve eles, pelo menos não com frequência, indicando Cicero como referência como compositor.

Para o pop rock brasileiro, em especial, a contribuição de Cicero, como letrista, foi ainda mais contundente. Mesmo sem premeditar, Cicero ajudou a consolidar, a partir dos anos 1980, o gênero no Brasil, que já engatilhava por aqui, mas não com uma identidade tão própria.

Ao lado da irmã, a cantora e também compositora Marina Lima, sua parceira musical mais importante, ele cunhou o que podemos chamar de "pop poético", que nasceu de forma furtiva, sob forte influência do que ele e Marina ouviam de pop quando viveram parte de suas vidas nos Estados Unidos.

Poeta, escritor, filósofo e, desde 2017, imortal da Academia Brasileira de Letras, Cicero viu uma poesia sua, que ele havia escrito na época da faculdade, ser musicada pela irmã mais nova, Marina, à sua revelia. Ficou bravo por ela ter mexido em suas coisas, mas depois gostou do resultado, como ele costumava lembrar em entrevistas que dava e nas quais, inevitavelmente, essa parceria entre os dois virava tema da conversa.

Para além do lado artístico de ambos, a parceria musical aproximou, de vez, os dois irmãos, que tinham uma diferença dez anos de idade. Quando começaram a compor juntos, ela estava com 16 anos e ele, com 26. Um abismo entre a então adolescente e o jovem adulto que se encerrou no fazer musical, como ofício e paixão.

Difícil falar de Cicero sem mencionar Marina, e vice-versa —por mais que os dois tenham construído, soberanos, suas próprias obras e histórias. A dupla Cicero & Marina equivale, em importância para seus respectivos segmentos, a outras históricas parcerias, como os também brasileiros Vinicius de Moraes e Tom Jobim; e Paulinho da Viola e Elton Medeiros; e os internacionais Simon e Garfunkel; Paul McCartney e John Lennon; Elton John e Bernie Taupin, para citar alguns exemplos.

Aliás, essa dupla foi tema do poema intitulado "Cicero e Marina", declamado por ambos no disco "Fullgás", lançado em 1984 e que foi um dos grandes sucessos da carreira de Marina Lima. Juntos, os irmãos compuseram hits como "Fullgás" (canção que deu nome ao álbum), "Pra Começar", "Virgem", "Charme do Mundo", "Acontecimentos", entre outros. Já "À Francesa", outro sucesso na voz de Marina, foi composta por ele em parceria com Cláudio Zoli.

Juntos, Cicero e Marina compuseram alguns dos maiores sucessos dos anos 1980 e 1990, com letras que transitavam entre amores profundos e odes à liberdade —e que, não raro, iam parar nas trilhas sonoras de novelas da Globo.

Antonio Cicero compôs também com outros parceiros, reforçando seu cancioneiro de sucessos, como "O Último Romântico", com Lulu Santos e Sergio Souza; "Inverno" e "Água Perrier", com Adriana Calcanhotto; "Logrador", com Orlando Morais, entre outros.

A obra de Antonio Cicero como letrista foi feita para atravessar décadas, porque também traz temas e abordagens inerentes ao ser humano, independentemente de seu tempo. Ela segue eternizada em célebres discos e grandes interpretações, e deveria servir como exemplo para compositores de uma nova geração da música brasileira de que é possível fazer música pop com poesia, excelência e rigor, sem necessariamente ser descartável. Ou fugaz.

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