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Ela foi torturada pelo ex por 3 dias: 'Menti que o perdoei e saí correndo'

Ana Luiza ficou três dias em cárcere privado na casa de ex - Reprodução/Whatsapp
Ana Luiza ficou três dias em cárcere privado na casa de ex Imagem: Reprodução/Whatsapp
do UOL

De Universa, em São Paulo

23/10/2024 05h30

A jornalista Ana Luiza Dias, 39, foi torturada e mantida em cárcere privado por três dias no apartamento de um homem com quem ela se relacionava em 2022. Passados dois anos, o autor do crime, Fred Henrique Lima Moreira, foi condenado a mais de 17 anos de prisão por tortura e tentativa de feminicídio.

Hoje, Ana Luiza ainda se recupera das cicatrizes deixadas pelos três dias de terror, mas celebra a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Ela acredita que sua história serve de exemplo para que mulheres vítimas de violência se sintam encorajadas a denunciar seus agressores. Procurada, a defesa de Moreira não comentou. Veja o relato dela a Universa.

'Não consegui mais trabalhar'

"Em 2022, tinha uma marca de roupa, era modelo tatuada internacional, fazia várias capas de revistas, até que o Fred apareceu na minha vida e eu não consegui mais trabalhar. Na época, pela marca de roupas, participava de muitos eventos, que ele começou a me impedir de ir. Como um ciumento possessivo, ele destruiu tudo. O Fred conseguiu aos poucos destruir minha vida.

Ele chegava a destruir até os meus bens materiais: quebrou meus celulares, esfaqueou um dos aparelhos, roubou meu latptop e roubava meus cordões de prata, que eu adoro, porque sempre fui muito ligada à moda. O prejuízo também foi material —e enorme.

Ele fazia isso durante ataques de raiva, de ciúmes. Se eu tentasse intervir, ele era extremamente agressivo.

'Fugi dele'

Nós nunca namoramos de fato. Se totalizar toda a nossa relação, deu cerca de 9 meses. Mas ficamos juntos de verdade só um mês porque eu fugi dele depois que vi tamanha violência. Só que ele sempre voltava atrás.

Eu era extremamente apaixonada por uma cachorrinha que ele tinha e ela foi o real motivo para eu ter ido à casa dele naquele dia.

Isso porque, dias antes, ele tinha mandado uma mensagem dizendo que havia matado ela e, depois, mandou outra mensagem dizendo para eu ir lá ver como ela estava.

Fui correndo, porque sabia que ela estaria toda machucada. Ele a maltratou muito, mas ela ainda estava viva.

Naquele dia, ele tinha um amigo em casa e me senti tranquila. A gente conversou e acabei dormindo lá. No dia seguinte, ele falou que tinha pareado meu telefone [para ver as mensagens privadas de Ana Luiza]. E eu não duvido.

A partir disso, começou a falar sobre traição, sendo que eu não era namorada dele, mas, na cabeça dele, não poderia ficar com mais ninguém. E aí começaram as agressões. Todo tipo de terror.
Ana Luiza Dias

'Partiu meu maxilar ao meio'

A primeira delas foi atingindo meu maxilar e o partindo ao meio. Os três dias em que fiquei em cárcere na casa dele não tinha noção nenhuma da gravidade dos meus machucados. Não olhava no espelho, não me via.

Passei três dias sem comer, estava muito fraca, mas pensei que aquele filho da p* não ia me matar. Pensava em fazer de tudo para sobreviver —e eu fiz.

Tentava me acalmar, mas nas três vezes em que pedi socorro ele me deu um mata-leão. Em um desses momentos, chegou a falar que achava que tinha me matado.

Foi como viver um pesadelo na realidade. Meu corpo estava muito machucado.
Ana Luiza Dias

Um dia, me deu um negócio e menti para ele, dizendo que ele tinha sido perdoado e para ele cuidar de mim. Estava tentando sair dali.

Quando ele deixou o apartamento, saí correndo. Desci 9 andares de escada toda machucada e não consegui levar a cachorrinha comigo, porque estava muito fraca.

Me escondi na portaria e disse para o porteiro me avisar quando o Fred tivesse voltado. Acho que o porteiro entrou em estado de choque quando me viu porque eu estava muito machucada, mas até então eu não sabia o quanto.

Ele me avisou quando o Fred já estava chegando e saí correndo: me enfiei em uma loja de móveis e fiquei ali por um bom tempo pedindo ajuda. Depois, fui para casa: meu estado era de sobrevivência.

Morava com uns amigos e eles começaram a chorar muito quando me viram. De lá, fui para o hospital, onde fiquei 10 dias no CTI e mais outros no quarto.

Nesse tempo, o Fred me ligou para me ameaçar. Primeiro, disse que cuidaria de mim. Depois, quando neguei, me falou que o hospital não era eterno. Logo depois, ele foi preso.

'Não saía de casa'

Ainda tive de morar um tempo no mesmo bairro onde tudo aconteceu e foi horrível. Meu psicológico estava muito abalado: não saia de casa e adotei um pitbull que servia como animal de apoio emocional.

Precisava sair do bairro porque me fazia lembrar dele e também porque ele sabia onde eu morava.

Ele chegou a me ligar do presídio falando que tinha um cara que estava vindo atrás de mim. Ligou com voz robotizada para pedir para eu retirar as queixas.

Depois dele, namorei duas pessoas, e não sei como ele descobriu, mas conseguiu me ameaçar e ameaçá-los também. Tive de terminar os relacionamentos pelo bem deles.

Ana Luiza - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Ana Luiza acredita que história sirva de inspiração para mostrar que denúncia contra agressores são ouvidas
Imagem: Arquivo pessoal

Quando fomos falar sobre o caso no tribunal, ele estava lá com uma ex-namorada, que ia testemunhar a favor dele. Entrei em estado de choque. Não fiquei até o final. Depois que meu pai falou em meu favor, fomos embora. Não queria escutar nada do que tinham para dizer.

'Perdi ligamento da mandíbula'

Comecei a recuperar minha vida faz um ano e meio. Consegui comprar um computador, os colares de prata de que gosto, e os bens materiais que ele destruiu.

Ainda terei de passar por algumas cirurgias: perdi o ligamento da minha mandíbula e de praticamente todos os dentes de baixo. Tenho uma barreira de contenção para que eles não caiam e precisarei refazer os ligamentos deles. Como trabalho como modelo, isso tudo mexe muito com a autoestima.

'É possível denunciar'

Quando recebi a notícia da condenação do Fred, fiquei chocada porque na hora você não quer acreditar que foi parte daquilo que estão descrevendo, mas estou feliz que a justiça foi feita e minha história virou um grande exemplo de que a justiça pode ser feita para todas as mulheres.

A minha vitória é a de todas as mulheres. Isso mostra que é possível denunciar e condenar quem agride e violenta uma mulher. Agora posso finalmente viver sem medo, ter uma vida normal, voltar a me relacionar com outras pessoas. Agora posso viver em paz.
Ana Luiza Dias

Em caso de violência, denuncie

Ao presenciar um episódio de agressão contra mulheres, ligue para 190 e denuncie.

Casos de violência doméstica são, na maior parte das vezes, cometidos por parceiros ou ex-companheiros das mulheres, mas a Lei Maria da Penha também pode ser aplicada em agressões cometidas por familiares.

Também é possível realizar denúncias pelo número 180 — Central de Atendimento à Mulher — e do Disque 100, que apura violações aos direitos humanos.

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