Look de 'Faria Limer' está em alta entre homens; de onde veio essa moda?
Quem deu uma passadinha pelo TikTok nos últimos meses já deve ter ouvido a música-chiclete "Man in Finance", que nasceu de um vídeo do próprio aplicativo, em que uma usuária (@girl_on_couch) diz repetitivamente querer um "homem do mercado financeiro, com herança, 1,95 m e olhos azuis".
O sucesso da faixa é um sintoma de uma questão estética maior: o "finance bro" ou o nosso Faria Limer está na moda.
A expressão, que foi cunhada por uma reportagem da revista Veja de 2019, descreve os hábitos do típico paulistano que trabalha nos escritórios e multinacionais da avenida Brigadeiro Faria Lima, repleta de empresas de tecnologia, boutiques de luxo, start ups de mercado financeiro, entre outras. Mas ela acabou se tornando significado de um estilo mais amplo do homem de classe A ou B, com dinheiro e metrossexual. Ou seja, que não investe apenas na bolsa, mas no próprio visual com afinco.
O que o Faria Limer veste?
Se a autora de "Man in Finance" tivesse ido mais longe na descrição, ela certamente teria incluído calças de sarja (ou chino) beges ou azuis, camisas sociais, coletes puffer esportivos, tênis e smartwatch. Ternos, gravatas e suspensórios ficaram só no guarda-roupa de advogados e afins, o Faria Limer usa um visual aparentemente despretensioso, mas caro.
A chave para isso estão nas marcas. "Finance bros" adoram coletes e suéteres reforçados das marcas The North Face e Patagonia, que produzem peças para montanhistas e tênis da etiqueta suíça On Running, que também cria calçados de alto desempenho para corredores.
No pulso, só vale o Garmin, relógio americano que monitora a condição física de atletas. Não importa se vão passar o dia todo sentados, o que importa é a capacidade de performance — tire daí as conclusões que quiser.
Em fóruns da plataforma Reddit, homens trocam dicas sobre como se vestir como um Faria Limer, sobre quais peças valem o seu investimento. Já no TikTok, de onde a tendência se espalhou, as postagens se dividem entre aqueles que fazem graça com o estilo e aqueles que realmente querem informações de como adotá-lo.
O próprio mercado financeiro já entende que cultivar a estética e o estilo de vida associados a ele pode ser bom negócio. A empresa de investimentos XP já criou campanhas publicitárias com o humorista Fausto Carvalho, que ficou famoso no Instagram por imitar o jeito Faria Limer, além de peças com um colete puffer personalizado da XP promovendo os Jogos Panamericanos de Santiago em 2023.
Lá fora, outras marcas como a londrina Reiss também resolveram abraçar o "Finance Bro". A grife criou um flash mob no TikTok de homens vestidos como Faria Limers para promover as suas peças.
Resultado? O vídeo viralizou e a ação de marketing inspirou um flash mob real um mês depois na Liverpool Street Station, estação de metrô próxima à Faria Lima de lá, com uma série de funcionários dos escritórios vestidos à caráter.
Mas como surgiu o estilo Faria Limer?
Para entender o fascínio de trabalhadores de escritório com roupas esportivas, é preciso voltar à quebra de paradigma imposta pelo Vale do Silício. Durante o início dos anos 2000 e, com muito mais força na década seguinte, as maiores gigantes nas bolsas de valores tornaram-se justamente as empresas de tecnologia.
Logo, engravatados mundo afora estavam fazendo negócios (e recebendo lições de sucesso) de figuras como Steve Jobs e Mark Zuckerberg. Ambos se tornaram personalidades cultuadas pela suas inovações e conhecidas por looks minimalistas e casuais — Jobs com seu tricô de gola rolê, jeans e tênis, Zuckerberg com o mesmo combo, mas trocando a peça de cima por uma camiseta cinza. Todos incluíam elementos esportivos.
Wall Street então se atualizou. Em 2017, o site Business Insider dedicou uma matéria inteira aos tênis usados por Zuckerberg, Jack Dorsey, então CEO do Twitter, Elon Musk (apenas conhecido como o chefe da Tesla na época), Larry Page, do Google, entre outras figuras icônicas do mercado de tecnologia. Era um manual de como o homem do mercado de capitais podia incorporar o Vale do Silício.
E, se a Veja já enxergava um jeito Faria Limer em 2019, a transição parece ter se completado na pandemia.
Em 2021, o The Wall Street Journal publicou uma reportagem que relatava como homens muito ricos — sim, os "finance bros" — agora investiam pesado em athleisure, ou seja, moda esportiva. Entre itens de desejo recomendados estão os tênis On, as calças chino, entre outros. Algumas indicações vieram de Patrick Keane, CEO de uma empresa de apostas esportivas que trabalhou... no Google.
Em tempos em que muitos ainda trabalhavam remotamente ou em modalidade híbrida, o conforto se tornou uma prioridade e acentuou aquela que já era a tendência do mercado: sai o terno, entram os coletes. Além disso, a própria consultora de moda Glória Kalil admitiu em um vídeo de agosto que a peça pode ser conveniente e tem lá seu conforto.
O look que todo mundo ama odiar
Em um episódio da série "Succession" (HBO/Max), que retrata o universo de herdeiros milionários, o personagem Roman Roy tira sarro de Tom e seu coletinho puffer. "É tão fofo. Foi estofado com quê? Seus sonhos e esperanças?". Apesar de muita gente zombar do visual, a tendência corpcore — como ela é oficialmente chamada no mundo da moda — está em franco crescimento.
A marca de alfaiataria masculina Hackett, de Londres, registrou um aumento de 10% nas vendas do colete no último ano, segundo o jornal britânico The Guardian. Já em outra etiqueta do mesmo segmento, a William Crabtree & Sons, houve aumento de 20%.
"É um item bem específico de roupa que as pessoas realmente reconhecem e associam com a indústria do mercado financeiro", observou o editor de estilo e cultura do jornal, TJ Sidhu.
Para ele, neste tipo de área, as pessoas favorecem a uniformidade no vestir. "Acho que dá a eles um sentimento de pertencimento", acredita, como se vê, por exemplo, em um bar esportivo em que todo mundo veste a camisa do seu time.
Mas os Faria Limers britânicos defenderam a escolha ao jornal. "Quase se tornou um símbolo do estilo de banqueiro e agora é um pouco uma paródia", reclamou um jovem recém-formado que trabalha em finanças em Londres e preferiu não se identificar à reportagem do Guardian.
"Não somos parte da paródia. Isso era o que estávamos vestindo antes da tendência estourar e vamos continuar a vestir depois dela. Você pode manter seu corpo quente, mas não transpira muito. Pode tirar e colocar na sua mochila", defende. O colete, e seu poder sobre o "finance bro", parece que veio para ficar.