Topo
Entretenimento

Manual de Sobrevivência na Maternidade: como ficar segura com tanto cansaço

Carolina Damião passou a compartilhar críticas à maternidade romantizada, e hoje tem peça e livro para ajudar outras mães - Divulgação
Carolina Damião passou a compartilhar críticas à maternidade romantizada, e hoje tem peça e livro para ajudar outras mães Imagem: Divulgação
do UOL

Beatriz Zogaib

14/10/2024 05h30

Não seria incrível receber um manual completo de como sobreviver na maternidade? Se você pensar bem, quando compramos uma televisão, por exemplo, ela vem com manual, você ganha um caderninho de apoio para tirar qualquer dúvida. Como é que uma tv vem com dicas e um ser humano não? Brincadeiras à parte, uma mãe bem informada e amparada lida melhor com os desafios da gestação a educação dos filhos e a escritora Carolina Damião pode provar.

Carolina escreveu o "Manual de Sobrevivência na Maternidade - Vida para Além da Maternidade", idealizado e recém-lançado por ela, depois de passar por uma gravidez delicada, um puerpério solo em plena pandemia, e muitas reflexões compartilhadas nas redes sociais.

Íntima da maternidade e de todas as demandas, julgamentos e culpas que vêm com ela, a autora pauta seu trabalho na desconstrução da maternidade romantizada e na busca da 'aldeia prometida', como gosta de brincar sobre o ditado que diz ser preciso uma aldeia inteira para cuidar de uma criança.

Hoje, mãe de um menino de quatro anos, conta de onde saiu a vontade de criar algo focado em ajudar outras mães. "Eu estava tentando gritar um pouco, sabe? Fiquei trancada na pandemia, sozinha, com um bebê em casa. E todas as vezes que eu tinha uma dor, todas as vezes que tinha alguma coisa, não era escutada", confessa.

Carolina começou postando algumas críticas em seu perfil no Instagram, o que acabou atraindo outras mulheres que se enxergavam ali ou sentiam empatia. "Talvez o que tenha facilitado foi o fato de que eu tinha todos os privilégios de ter os direitos básicos garantidos, eu tinha a possibilidade de me preocupar com algumas coisas que passam batido para outras mães. São dores que muitas mulheres não têm nem a chance de estarem sentindo, porque estão mais sobrecarregadas, sem dinheiro, sem comida", pondera.

Falando das dores da maternidade eu escutei as coisas mais absurdas, como 'na hora de fazer foi bom, né?'. As pessoas falavam isso rindo, num almoço, sabendo o que eu estava passando por um esgotamento, sabe? Depois, fiquei trancada com ele e aí comecei a sentir essas frases. Carolina Damião, atriz, escritora, mãe

Existe um espaço seguro para as mães

Se tenho a chance de estar num lugar mais acolhedor, foi porque falei. A Sarah Carolina, que escreveu a orelha do livro, me falava do espaço seguro. Da gente construir esse espaço seguro onde se sente bem na maternidade. Talvez possamos ajudar outras mães a encontrarem esse lugar, a entenderem que também podem ter um espaço seguro. Quando a gente fala, a gente amplia o espaço seguro das outras.Carolina Damião, atriz, escritora, mãe

Quer saber como encontrar ou ampliar o seu própria espaço seguro? Veja os conselhos dados por Carolina:

  • Entender que romantização e culpabilização são violências, mas não estão elencadas em lugar nenhum, afinal você não vai chegar numa delegacia e falar que foi culpabilizada, por exemplo. É essencial perceber como essas violências funcionam e operam; nomear e enquadrar o que você está vivendo, de onde vem cada sentimento. Quando a gente pontua e nomeia vai aprendendo se defender, argumentar ou se afastar de onde sofre a violência;
  • Se coloque na própria agenda. É comum focar no bebê quando grávida e, depois que o filho nasce, é quase como se existisse só seu filho. Mas e você/ Vamos entrando nessa rotina de que não pode falhar na alimentação, na calma, no cuidado, de que deve que estar lá, perfeita, o tempo todo. Mas, nenhuma mulher tem superpoderes ou é um polvo. Entenda e viva a vida como um ser potente, com cuidados, pausas, vontades e sonhos seus;
  • Não seja personagem de uma história de superação. Quando falamos em superação, pensamos em superar limites, que são nada mais nada menos do que desafios impostos pela sociedade. Mas, se ultrapassamos nossos limites e nossas barreiras, chegamos lá destruídas, quebradas, pela metade, faltando pedaço. Existem histórias de superação, mas não ache que você precisa vivê-las para ser boa mãe, essa ideia é cruel. Preocupe-se mais em compreender e respeitar os seus próprios limites.

Será que funciona?

"Me fiz muito essa pergunta. Mas adianta? Por que eu tô fazendo isso? Vai mudar lá na frente?", admite Carolina. Em seguida, conta que, esses dias, sentiu que a bolha em que vive (com menos julgamento e mais acolhimento) estourou, e que se viu sugada de novo para onde as pessoas são "horríveis".

Segundo ela, isso acontece em ambientes onde as pessoas culpam as mães e as responsabilizam por tudo. "Escutei a frase 'quem pariu é quem cuida mesmo'. Mas não tem como ser feliz escutando e se conformando com isso. Tem um outro espaço onde as pessoas desconstruíram a romantização ou culpabilização e nele a gente consegue se desenvolver...", observa.

Foi através do eco de comentários desse tipo que Carol concluiu: encontrar um lugar de fala - com rede de apoio e acolhimento (o tal do espaço seguro) - é o que possibilita às mães passarem mais tempo longe dessa "outra realidade". O manual, inclusive, é uma ação de contrapartida social (compromisso de Carolina com a sociedade, firmado após sua peça de teatro ser contemplada em um edital) para ajudar essas mulheres a se manterem "seguras".

Para cumprir ao que se propõe, o livro reúne instruções com ferramentas práticas para auxiliar na construção de uma vida para além da maternidade (sem o peso da culpa), um Manifesto e um Código de Ética da Mãe Possível, indicações de leitura, ferramentas de organização e planejamento para se libertar da culpa, mapeamento de contatos úteis e de apoio, além de um glossário.

Mas por que contatos úteis? Será que já não a agenda do celular? Por incrível que pareça, as pessoas mais queridas que estão nos seus contatos podem não te ajudar - e ter uma listinha só com as que estão abertas a isso é ideal. "Perdi várias amizades, pessoas que se afastaram." Na ocasião, a autora do Manual, que estava no puerpério, comentava sobre sua exaustão com amigas próximas e percebia nitidamente que elas não se ofereciam para ajudar. "Era final de Pandemia, estava muito sozinha com o Miguel e lembro que sonhava com alguém cuidando dele por três ou quatro horas."

Hoje, Carol entende que as necessidades de algumas pessoas naquele momento eram simplesmente diferentes das suas. Segundo ela, é necessário buscar entender até onde cada pessoa pode ir na ajuda, respeitando os limites de cada um, mas não aceitar ter por perto pessoas que não estão dispostas a se responsabilizarem também.

Respeitar os próprios limites é algo que toda mãe precisa aprender, só assim é possível encontrar pessoas que fazem a diferença na vida dela e na dos seus filhos. "Isso que mudou minha vida... Não manter por perto quem entendia que ajuda era dar uma olhadinha ou ficar vendo eu me arrebentar sem assumir nenhuma responsabilidade, mesmo por alguns instantes", conclui.

Entretenimento