Queijo mais velho do mundo é descoberto em 'colar' de múmia de 3.600 anos
Em 2014, arqueólogos chineses descobriram uma múmia de 3.600 anos no cemitério de Xhaohe, no meio do Deserto de Taklamakan, situado na Bacia de Tarim, no noroeste do país. Ao redor do seu pescoço, havia um "colar" de queijo. Uma década depois, no último dia 25, pesquisadores da Academia Chinesa de Ciências revelaram que descobriram a "receita" da iguaria milenar.
Este seria um queijo de kefir, um leite fermentado alcoólico produzido artesanalmente com grãos, de acordo com o artigo publicado no periódico Cell. Os grãos, neste caso, fermentaram tanto leite de cabra quanto de vaca em várias etapas, misturados para formar o queijo. O processo reduziria a lactose do queijo e teria contribuído para o consumo até mesmo dos intolerantes à lactose de Xiaohe, além de aumentar o prazo de validade do produto.
Já a análise das proteínas nas amostras retiradas do corpo detectou a presença do Lactobacillus kefiranofaciens, o microorganismo essencial para produzir este tipo de queijo fermentado.
"É incrível", comemorou Qiaomei Fu, paleogeneticista da Academia que estudou o DNA do micróbio, à revista National Geographic. "Mas extrair genomas de amostras tão antigas não é trivial", ponderou.
Para chegar às conclusões do artigo de setembro, Fu começou a criar em laboratório moléculas especiais que pudessem capturar o antiquíssimo DNA do micróbio do queijo há uma década. As conclusões foram alcançadas em 2024 com 92% do genoma completo.
O nível deste trabalho — e o significado da descoberta — não tem precedentes na comunidade arqueológica: cientistas já haviam encontrado resíduos gordurosos que poderiam ter pertencido a queijos em cerâmicas de 7.000 anos ou textos sumérios que mencionam a existência de queijo há 4.000 anos, mas nunca se encontrou um queijo preservado tão antigo quanto este.
Por isso, poder contar a sua "história", determinar como foi fabricado, representa um expressivo avanço.
Como kefir é geralmente produzido misturando leite com um pouco de kefir já pré-existente, da mesma maneira como alguns produtores de iogurte usam porções prontas para criar mais iogurte, o seu DNA ajudou a rastrear a jornada ou os ancestrais do queijo da múmia.
Os pesquisadores compararam o genoma do L. kefiranofaciens com outros da mesma família e encontraram semelhanças com uma primeira cepa já disseminada na Europa (região da Alemanha) e áreas costeiras do Pacífico como Taiwan, Singapura, Japão e Guangdong.
Como as origens do kefir conhecidas remontam à área do Cáucaso (Rússia, Azerbaijão, Albânia, Geórgia e etc.), esta cepa teria se espalhado em duas direções, rumo à Europa de um lado e ao sul da Ásia do outro. Já a segunda cepa encontrada existe na região em torno do Tibete — o que sugere que houve uma nova rota de popularização do kefir através da troca cultural de tecnologias entre os povos de Xinjiang e do leste da Ásia ou até a emigração deles.
O estudo ainda concluiu que bactéria do kefir evoluiu ao longo dos milênios, já que aquelas disponíveis em queijos modernos são menos prováveis de desencadear uma resposta imunológica no intestino humano do que as ancestrais. Assim, o kefir se tornou mais fácil de digerir.
Originalmente, este queijo teria uma textura mais macia, acreditam os pesquisadores, mas ainda não se sabe qual seria o seu gosto. Em 1942, arqueólogos que encontraram queijo em uma tumba egípcia nos anos 30 publicaram um artigo em que relatavam ter provado a tal iguaria e que ela teria "nenhum cheiro, mas um gosto empoeirado".
O time chinês não foi tão longe, mas já anunciaram que o próximo passo dos trabalhos é tentar recriar o queijo da múmia a partir das evidências encontradas na última década.