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Para que serve o microRNA? Descoberta levou o Prêmio Nobel de medicina

Sistema composto por duas sequências de microRNA em uma estrutura, semelhante a uma rede, projetada para suprimir o desenvolvimento de tumores. Imagem foi obtida com a técnica da fluorescência por pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT) em 2017 - Reprodução/João Conde, Nuria Oliva e Natalie Artzi
Sistema composto por duas sequências de microRNA em uma estrutura, semelhante a uma rede, projetada para suprimir o desenvolvimento de tumores. Imagem foi obtida com a técnica da fluorescência por pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT) em 2017 Imagem: Reprodução/João Conde, Nuria Oliva e Natalie Artzi
do UOL

Colaboração para Tilt

08/10/2024 05h30

O Prêmio Nobel de Medicina de 2024 foi entregue nesta segunda (7) a dupla de cientistas americanos Victor Ambros e Gary Ruvkun pela descoberta em 1993 do microRNA, um tipo de molécula de ácido ribonucleico que tem um papel fundamental para a vida humana.

Mas o que é o microRNA?

Os microRNAs são pequenas moléculas de RNA que regulam a expressão gênica das células, explica um artigo do Hospital Israelita Albert Einstein. Elas "traduzem" proteínas que são essenciais para o funcionamento de diversos mecanismos do corpo humano.

A grosso modo, o DNA é um código que determina todas as nossas características. Já o RNA guarda as instruções do que cada célula, órgão e sistema deve fazer. Ele seria um manual especializado — o que quer dizer que, sem o RNA, todas as nossas células seriam idênticas e o corpo não sobreviveria.

MicroRNAs possuem entre 17 e 25 nucleotídeos, partes menores que são compostas por uma base nitrogenada, um ácido fosfórico e um açúcar. Essas pequenas moléculas reconhecem RNA mensageiro-alvo (porque as sequências são complementares — se encaixando como uma chave na fechadura correta).

O secretário-geral do Comitê Nobel, Thomas Perlmann, anuncia os vencedores do Nobel de Medicina 2024 - JONATHAN NACKSTRAND/AFP - JONATHAN NACKSTRAND/AFP
O secretário-geral do Comitê Nobel, Thomas Perlmann, anuncia os vencedores do Nobel de Medicina 2024
Imagem: JONATHAN NACKSTRAND/AFP

Cada célula humana possui diversos microRNAs. No total, existem mais de 2.500 microRNAs já encontrados em humanos que estão relacionados a diferentes processos biológicos. Isso é possível também porque eles costumam ser liberados para fora das células na comunicação intercelular.

Como RNAs têm funções específicas no corpo, eles podem servir como biomarcadores — ajudando a identificar problemas na "engrenagem" do corpo e detectando doenças.

Mas eles não são apenas pistas: células não se desenvolvem normalmente sem os microRNAs. Quando há alguma irregularidade nos microRNAs, você pode ter problemas como câncer, perda auditiva congênita e desordens da visão e do esqueleto. No primeiro caso, por exemplo, mutações em uma das proteínas necessárias para a produção dos microRNAs pode levar a DICER1, uma síndrome rara ligada ao câncer em diversos órgãos e tecidos.

Há microRNAs que são considerados "circulantes". Eles podem ser encontrados em fluidos corporais, por exemplo, e têm alta estabilidade. Ou seja, é mais fácil examiná-los e identificar doenças, além de possíveis tratamentos nestes casos.

Como os pesquisadores chegaram lá?

Tudo começou com um verme de 1 mm, o Caenorhabditis elegans. Ainda durante o pós-doutorado no MIT (Massachusetts Institute of Technology), os pesquisadores trabalhavam juntos no laboratório de Robert Horvitz, outro vencedor do prêmio Nobel. Eles estavam interessados como os genes controlavam células especializadas que o pequeno nemátodo tem em comum com animais mais complexos, como as nervosas e musculares.

Tempo era questão-chave. Para a dupla, era curioso como estes mecanismos se desenvolviam em momentos precisos na vida do verme. Por isso, eles separaram duas linhagens mutantes, com alterações nos genes lin-4 e lin-14, para investigação. Ambas possuíam "defeitos" no tempo de ativação de determinados processos no seu desenvolvimento, segundo a própria organização do prêmio Nobel.

Objetivo era encontrar os genes mutantes que prejudicava o desenvolvimento do verme. Ambros conseguiu descobrir primeiro que o gene lin-4 era um "regulador negativo" do gene lin-14. Mas eles não entendiam como o 14 teve seu desenvolvimento bloqueado.

Ambros levou a pesquisa para Harvard e fez um mapeamento extenso do gene lin-4. Ele descobriu que ele produzia uma molécula de RNA inesperadamente curta, em que faltava um código para produção de proteína. Ou seja, um pequeno pedaço de RNA do lin-4 era responsável pelo desenvolvimento incompleto do gene — e das características associadas a ele.

Ruvkun seguiu investigando o gene lin-14. Ele provou que não era a produção de microRNA do gene lin-14 que era inibida pelo lin-4. O erro acontecia em uma fase posterior, em um erro da produção de proteínas, e também conseguiu determinar qual parte do microRNA do lin-14 era necessária para inibir o gene lin-4.

Os ex-colegas de laboratório compararam suas descobertas e chegaram a uma conclusão revolucionária. A sequência curta do gene lin-4 correspondia a sequências complementares do microRNA do gene lin-14. Com experimentos, eles demonstraram que uma parte do microRNA do lin-4 se liga — como um cadarço de tênis ligando os dois lados das abas — com o microRNA do lin-14, o que impede que o lin-14 produza uma proteína. Ou seja, eles descobriram um novo princípio da regulação de genes e como eles se especializam para realizar uma função em vez de outra.

Comunidade científica ignorou os resultados no começo. Os resultados dos trabalhos, publicados no periódico Cell em 1993, foram considerados uma peculiaridade daquele verme, não um princípio que valesse para outros animais e para seres humanos. Até que em 2000, Ruvkun publicou descobertas de outro microRNA codificado pelo gene let-7, presente em todo o reino animal.

A medalha entregue aos vencedores do Nobel - Divulgação - Divulgação
A medalha entregue aos vencedores do Nobel
Imagem: Divulgação

Nos anos seguintes, centenas de microRNAs foram identificados. Diante do avanço de 2000, outros pesquisadores começaram a se interessar pelos microRNAs e a tentar encontrá-los. Assim, provou-se não só que ligações entre microRNAs inibem a síntese de determinadas proteínas (e levam à degradação de outros segmentos de microRNA), como também que um único gene pode ser regulado por diversos microRNAs para refinar funções e redes de genes.

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