Marcado como a "voz do patrão" da família Marinho, Cid Moreira protagonizou um momento icônico da TV brasileira ao ler no Jornal Nacional um direito de resposta concedido a Leonel Brizola, então governador do Rio de Janeiro, com duras críticas à Globo, relembrou o colunista Leonardo Sakamoto no UOL News desta quinta (3).
Cid Moreira morreu aos 97 anos nesta manhã. Fátima Sampaio, esposa do apresentador, contou que ele estava internado havia um mês em um hospital no Rio de Janeiro. Segundo a TV Globo, Cid teve falência múltipla de órgãos após enfrentar um quadro de pneumonia.
Cid Moreira se torna locutor do Jornal Nacional no meio da ditadura militar. A própria Globo apoiou o golpe de 64 e depois pediu desculpas, mas é cobrada sistematicamente até hoje por isso. Querendo ou não, Cid foi durante muito tempo uma voz que também era vinculada a um período muito difícil do país.
Em 96, a troca [de apresentadores do Jornal Nacional] tem uma dupla função naquele momento ao trazer para a bancada jornalistas que produzem. Depois que se aposentou, Cid continuou como a voz da família Marinho. Ele voltou ao Jornal Nacional para ler a opinião do patrão, com a qual ele sempre foi muito vinculado.
Um episódio interessante aconteceu em 94, talvez um dos mais constrangedores para o próprio Cid e para as organizações Globo. Ele foi obrigado a ler um direito de resposta do então governador Leonel Brizola no ar, ao vivo, porque a Globo o havia chamado de 'senil'. Cid leu por três longos minutos. Isso é estudado até hoje na ciência política como uma questão da relação entre a mídia e o poder. Leonardo Sakamoto, colunista do UOL
Para Sakamoto, a TV brasileira vê uma era simbólica se encerrar com as mortes de Cid Moreira e do apresentador Silvio Santos.
Cid Moreira é exatamente exemplar e referência e o simbólico de um momento em que uma emissora construía junto com o poder, ou por conta de seus próprios interesses, também o simbólico na sociedade. Esse tempo não existe mais, e Cid representou esse momento.
[A morte de Cid Moreira] Mostra uma era que está passando. Há uma era do Silvio Santos, que foi contemporâneo do Cid, e que também está passando. Outras pessoas também nos deixaram, e com elas uma época que mudou radicalmente. Leonardo Sakamoto, colunista do UOL
Josias: Com Cid, qualquer bula de remédio ganhava tonalidade lírica
A voz inconfundível de Cid Moreira era capaz de transformar o texto mais simples em uma obra poética, comentou o colunista Josias de Souza.
É preciso fazer uma distinção muito importante entre o Cid Moreira e o personagem que ele representava. Ele não era o apresentador do jornal; fingia apresentar um jornal que lhe era entregue pronto.
Há um antes do Cid e um depois do Cid. Essa fórmula se mostrou vencida e aí foi muito interessante: ele foi ler texto da Bíblia, fazia a voz do [quadro do] Mister M no Fantástico... Foi para uma área do entretenimento que marcou muito nitidamente a transição. Com a voz dele, qualquer bula de remédio ganha uma tonalidade lírica.
Era uma voz impressionantemente potente, que foi usada para a transmissão de notícias. Essa era acabou. A própria Globo sentiu a necessidade de se modernizar. Junto com o Cid Moreira, foi também o Sérgio Chapelin. Isso marcou a mudança do formato: sai o leitor de notícia e entra o jornalista, que também participa da edição. Josias de Souza, colunista do UOL
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