A voz inconfundível de Cid Moreira era capaz de transformar o texto mais simples em uma obra poética, comentou o colunista Josias de Souza no UOL News desta quinta (3).
Cid Moreira morreu aos 97 anos nesta manhã. Fátima Sampaio, esposa do apresentador, contou que ele estava internado há um mês em um hospital no Rio de Janeiro. Segundo a TV Globo, Cid teve falência múltipla de órgãos após enfrentar um quadro de pneumonia.
É preciso fazer uma distinção muito importante entre o Cid Moreira e o personagem que ele representava. Ele não era o apresentador do jornal; fingia apresentar um jornal que lhe era entregue pronto.
Há um antes do Cid e um depois do Cid. Essa fórmula se mostrou vencida e aí foi muito interessante: ele foi ler texto da Bíblia, fazia a voz do [quadro do] Mister M no Fantástico... Foi para uma área do entretenimento que marcou muito nitidamente a transição. Com a voz dele, qualquer bula de remédio ganha uma tonalidade lírica.
Era uma voz impressionantemente potente, que foi usada para a transmissão de notícias. Essa era acabou. A própria Globo sentiu a necessidade de se modernizar. Junto com o Cid Moreira, foi também o Sérgio Chapelin. Isso marcou a mudança do formato: sai o leitor de notícia e entra o jornalista, que também participa da edição. Josias de Souza, colunista do UOL
Josias ressaltou que muitos dos momentos mais marcantes da história recente do Brasil ficaram marcados pela voz de Cid Moreira, como as mortes de Tancredo Neves e de Ayrton Senna, além do processo de redemocratização do país após a ditadura militar.
Há quase três décadas, eu tive a impressão de que soaram trombetas dentro da alma dos brasileiros. Na época, Cid estava há tanto tempo na televisão que parecia que a sua saída [do Jornal Nacional] seria o juízo final. O mundo não acabou, mas restou aquela impressão de que a história da TV brasileira se dividiu em duas eras: AC e DC, antes de Cid e depois de Cid. O que morreu hoje não foi propriamente um ex-apresentador, mas uma espécie de um totem.
Ele simbolizou por muito tempo uma fase em que o brasileiro conviveu com a ditadura militar. Ele anunciou tudo quanto era notícia. Por exemplo, momentos em que o Brasil sofreu muito e chorou junto. Cid percorreu um trajeto muito grande da história brasileira como a voz das notícias. Havia um quê de teatral nessa participação dele na vida nacional.
O país perde um personagem que tem um relevo muito grande em sua história. Cid Moreira está na memória das pessoas. Josias de Souza, colunista do UOL
Sakamoto: Voz do patrão, Cid começou na ditadura e leu resposta de Brizola
Marcado como a 'voz do patrão' da família Marinho, Cid Moreira protagonizou um momento icônico da TV brasileira ao ler no Jornal Nacional um direito de resposta concedido a Leonel Brizola, então governador do Rio de Janeiro, com duras críticas à Globo, relembrou o colunista Leonardo Sakamoto.
Cid Moreira se torna locutor do Jornal Nacional no meio da ditadura militar. A própria Globo apoiou o golpe de 64 e depois pediu desculpas, mas é cobrada sistematicamente até hoje por isso. Querendo ou não, Cid foi durante muito tempo uma voz que também era vinculada a um período muito difícil do país.
Em 96, a troca [de apresentadores do Jornal Nacional] tem uma dupla função naquele momento ao trazer para a bancada jornalistas que produzem. Depois que se aposentou, Cid continuou como a voz da família Marinho. Ele voltou ao Jornal Nacional para ler a opinião do patrão, com a qual ele sempre foi muito vinculado.
Um episódio interessante aconteceu em 94, talvez um dos mais constrangedores para o próprio Cid e para as organizações Globo. Ele foi obrigado a ler um direito de resposta do então governador Leonel Brizola no ar, ao vivo, porque a Globo o havia chamado de 'senil'. Cid leu por três longos minutos. Isso é estudado até hoje na ciência política como uma questão da relação entre a mídia e o poder. Leonardo Sakamoto, colunista do UOL
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