Tão raro quanto ganhar loteria: como são gerados gêmeos de pais diferentes?
É raro, mas mulheres podem, sim, gerar gêmeos de pais diferentes, como acontece com outros seres do reino animal.
Embora sejam casos incomuns, vez ou outra ficamos sabendo de situações do tipo por causa tanto da popularização dos exames de DNA quanto dos avanços na medicina reprodutiva.
A chamada superfecundação heteropaternal pode ocorrer na fertilização in vitro, mas também de forma natural.
No ano passado, uma mulher contou que deu à luz gêmeos de pais diferentes em Mineiros (GO). As dúvidas sobre a paternidade dos meninos começaram quando as crianças tinham apenas oito meses. Um exame de DNA comprovou o caso.
Em 2016, um casal vietnamita descobriu que os filhos gêmeos tinham pais diferentes quando as crianças já tinham dois anos de idade, após a família desconfiar que um deles havia sido trocado na maternidade, dada a diferença entre eles.
Em 2009, uma mulher norte-americana contou com detalhes, na TV, como descobriu que os filhos gêmeos não tinham o mesmo pai. Surpresa com a diferença entre eles, ela decidiu fazer um exame de DNA e descobriu que as chances de os irmãos serem do mesmo pai era nula. Ela admitiu que estava tendo um caso na época em que engravidou, mas o marido acabou assumindo o filho do amante como dele.
Há poucos casos como esses registrados na literatura médica (até o ano passado, eram apenas 20 em todo o mundo) principalmente porque eles dependem de uma conjunção de fatores para ocorrer naturalmente:
- É preciso que a mulher libere dois óvulos no mesmo ciclo menstrual.
- Ela deve ter relações com pelo menos dois homens diferentes durante o período fértil (que dura mais ou menos cinco dias).
- É preciso que os espermatozoides de ambos consigam realizar a proeza de fecundar os óvulos e que ambos os embriões se desenvolvam adequadamente.
É tipo ganhar na loteria
É difícil estimar as probabilidades da ocorrência de uma superfecundação heteropaternal.
A liberação de mais de um gameta por ciclo menstrual não é algo incomum, dada a quantidade de gestações de gêmeos não idênticos, ou seja, dizigóticos que vemos por aí.
A incidência de gêmeos de qualquer tipo na população geral é de um a cada 80 partos. Já as chances de os gêmeos serem dizigóticos (bivitelinos ou "fraternos") dependem da idade da mãe (quanto mais velha, maiores as chances), do número de partos anteriores e de eventuais tratamentos para fertilidade.
No entanto, há apenas 10% de chance de um óvulo ser fecundado no período fértil e só uma parte desses embriões consegue se implantar e se desenvolver. Ou seja: ter gêmeos de pais diferentes é quase como ganhar na loteria.
Dá para engravidar já estando grávida?
Além de existir a possibilidade de que uma mulher gere dois bebês de pais diferentes em um único período fértil, há casos descritos na literatura de mães que tiveram um óvulo fecundado mesmo já tendo um embrião em desenvolvimento no útero, o que faz com que os gêmeos tenham semanas de diferença gestacional.
Casos como esse, chamados de superfetação, são tão raros que alguns especialistas até questionam sua existência. Após a fecundação, os hormônios femininos protagonizam uma verdadeira ação orquestrada para evitar uma nova gestação e proteger a que está em andamento.
Os casos de superfetação, portanto, seriam uma anomalia. O fenômeno já foi reportado em diversos animais, como texugos, panteras e alguns cangurus. Entre humanos, o mais famoso caso de superfetação é o da americana Julia Grovenburg, que em 2009 deu à luz duas crianças com duas semanas e meia de diferença.
O fenômeno pode ter relação com tratamentos para estimular a ovulação, capazes de interferir na fisiologia feminina, segundo pesquisadores que estudam o tema. Também pode ocorrer quando a mulher nasce com dois úteros.
Independentemente do caso, ele envolve risco para os fetos e para a mãe, especialmente se uma das gestações ocorrer fora do útero, a chamada gravidez ectópica.
Fontes: Arnaldo Cambiaghi, ginecologista obstetra; Jerry Borges, professor e especialista em embriologia.
*Com informações de reportagem publicada em 2021.