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OPINIÃO

'Renascer' tem até 'FIM' patrocinado: publicidade anuncia troca de novelas

José Inocêncio (Marcos Palmeira) e Maria Santa (Duda Santos) em "Renascer" - Divulgação/Globo
José Inocêncio (Marcos Palmeira) e Maria Santa (Duda Santos) em 'Renascer' Imagem: Divulgação/Globo
do UOL

Cristina Padiglione

Especial para Splash

07/09/2024 07h06

As três letrinhas que normalmente selam o desfecho de uma novela não deram as caras na cena final de "Renascer", que terminou nesta sexta- feira (6) na Globo. O telespectador certamente percebeu que a sequência em que Inácia (Edvana Carvalho) abre os braços e, num sorriso largo, celebra a paz daquele cenário paradisíaco, prenunciava o encerramento da história de Benedito Ruy Barbosa, reescrita pelo neto Bruno Luperi 30 anos após a trama original.

Mas o propósito não era deixar a interpretação aberta à imaginação da plateia, que novela não é filme francês, cujo final normalmente só é notado quando sobem os créditos na tela. Enquanto o nosso cérebro ainda assimilava se a trama havia de fato acabado, outra marca rapidamente ocupou a tela e alguém saudou a beleza do fim de "Renascer" e a expectativa para a próxima novela, "Mania de Você".

Foi uma espécie de FIM patrocinado pela Vivo. A propaganda customizada anunciava então vantagens de serviço de internet e uma promoção para acessar tantos filmes e séries da Prime Video. Ou seja, o comercial divulgava ali os vilões modernos das novelas, serviços que têm roubado cada vez mais o foco de atenção de um público antigamente hipnotizado pela TV em tempo real.

A Globo fatura até com quem lhe faz concorrência. Dita a regra da sobrevivência que quando você não pode com seus adversários, deve juntar-se a eles ou, nesse caso, tirar o devido proveito do negócio.

O fim de "Renascer" não fugiu muito da narrativa original, mas teve seu capítulo derradeiro fatiado em função do futebol. Como havia jogo da seleção brasileira agendado para esta noite de sexta, não seria possível esticar o último capítulo ao gosto do suspense que domina os finais de novela, quando a duração dos episódios normalmente ultrapassa uma hora. Este teve, sem intervalos, apenas 45 minutos.

Em vez de sacrificar a história, a Globo exibiu parte do final nos capítulos de quarta e quinta-feira, deixando para "beber a morte" do coronel Zé Inocêncio (Marcos Palmeira) na sexta mesmo.

É verdade que o tom festivo de "felizes para sempre" arrefeceu os ânimos do encerramento, já que o malvado favorito do público, Egídio (Vladimir Brichta) foi punido antes do episódio derradeiro.

Restaram os bonzinhos para cerrar cortinas, e mesmo quem não parecia tão bom, acabou ficando bacana. O egoísmo e individualismo de José Bento (Marcelo Mello Jr.) no início da trama, por exemplo, deram lugar a um altruísmo fora do comum.

As novelas têm o poder de redimir a índole da maioria dos personagens. A ficção opera como regra aquilo que é exceção na vida real, e é por isso que uma boa novela continua concentrando mais gente em torno de uma tela do que qualquer outro produto.

Se a releitura de "Renascer" não alcançou nem 30% do país, o que corresponde à metade do que um folhetim da emissora atingia há três décadas, hoje uma novela compensa parte da perda com os ecos nas redes sociais.

Mas ainda que seu poder de juntar gente em torno da TV já tenha sido duas vezes maior, nada tem hoje o potencial de unir 17 milhões de pessoas diante de uma mesma atração ao longo de seis meses, de segunda a sábado.

Com média de 26 pontos ao longo de sua trajetória, "Renascer" atingiu seu recorde com 28,3 pontos no capítulo de quarta-feira, quando Egídio foi espetacularmente enforcado. Sem grandes conflitos a solucionar no último dia, "Renascer" não superou seu recorde no episódio final.

Zinha (Samantha Jones) e Lilith (Lucy Alves) em 'Renascer' - Reprodução/Globo - Reprodução/Globo
Zinha (Samantha Jones) e Lilith (Lucy Alves) em 'Renascer'
Imagem: Reprodução/Globo

O último capítulo foi selado por beijos entre héteros e um beijo gay, protagonizado por Lucy Alves e Samantha Jones. Mas o beijo mais emocionante foi de outra dimensão, e ficou entre pai e filho - Inocêncio e João Pedro (Juan Paiva) -, endossando o DNA de um autor que costumeiramente gosta de explorar a delicadeza e os conflitos nas relações entre pais e filhos.

Ruy Barbosa também traz na sua obra elementos prontos para levantar discussões sobre reforma agrária - desde "Meu Pedacinho de Chão", toda trama sua apresenta um perrengue entre vizinhos, e em "Renascer" isso não foi diferente. A novela deu espaço ainda ao reflorestamento e ao trabalho análogo à escravidão, temas que ganharam estofo na releitura de Luperi.

No fim de tudo, Inocêncio reencontrou sua Maria Santa (Duda Santos) com direito a figurino branco à beira de uma cachoeira, quase como se fosse um outro remake, no caso, de "A Viagem".

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