Topo
Entretenimento

Nem sempre 6/9: Dia do Sexo teve outra data criada por 'hater' de camisinha

José de Albuquerque, médico carioca que propôs Dia do Sexo na década de 1930 - Cedida por Sérgio Carrara
José de Albuquerque, médico carioca que propôs Dia do Sexo na década de 1930 Imagem: Cedida por Sérgio Carrara
do UOL

De Universa, em São Paulo

06/09/2024 05h30

O dia 6 de setembro entrou para o calendário popular como o Dia do Sexo graças a uma campanha publicitária de 2008. Naquele ano, a agência Age desenvolveu o projeto para a marca Olla, que pertencia ao empresário José Araujo, dono de uma fábrica de camisinhas.

Mas, em 1935, outro José já tinha sugerido uma data para a comemoração. O médico carioca José de Albuquerque, considerado um dos precursores da educação sexual no Brasil, propôs 20 de novembro.

Porém, diferentemente do Zé das Camisinhas, como Araujo ficou conhecido no mercado, Albuquerque era contra os preservativos.

"Ele dizia que a camisinha era uma teia contra o perigo e uma couraça contra o prazer", comenta Sérgio Carrara, professor e pesquisador na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) que organizou com Marcos Carvalho um livro de memórias de Albuquerque, publicado em 2016 pela Editora Fiocruz.

Uma teia porque, segundo o médico, era frágil e ineficiente contra doenças venéreas, como eram chamadas as infecções sexualmente transmissíveis na época.

Couraça porque bloqueava o prazer, que ele considerava importante para a regulação do sistema nervoso —mas apenas durante a idade reprodutiva.

Apesar do pensamento controverso, o médico promoveu discussões avançadas para a época, quando falar de sexo era motivo de reprovação.

Nota à imprensa sobre a criação do Dia do Sexo na década de 1930 - Jornal Correio Paulistano, edição 24416, de 25 de outubro de 1935 - Jornal Correio Paulistano, edição 24416, de 25 de outubro de 1935
Nota à imprensa sobre a criação do Dia do Sexo na década de 1930
Imagem: Jornal Correio Paulistano, edição 24416, de 25 de outubro de 1935

Educação e cultura sexual

O grande projeto de Albuquerque foi o CBES (Círculo Brasileiro de Educação Sexual), um grupo formado em 1933 por advogados, médicos, professores, jornalistas e profissionais de outras áreas. As atividades duraram até 1945.

Eles queriam fazer uma reforma na educação e cultura sexual da população brasileira por meio de campanhas de conscientização divulgadas na mídia, em panfletos e palestras em todo o país.

cerimonia - Cedida por Sérgio Carrara - Cedida por Sérgio Carrara
Cerimônia de inauguração do Círculo Brasileiro de Educação Sexual
Imagem: Cedida por Sérgio Carrara

Semanalmente, realizavam sessões públicas de conferências e inauguraram um museu da educação sexual com peças anatômicas humanas.

Ele teve programas no rádio sobre educação sexual, tinha ações muito amplas, muito contemporâneo num certo sentido. Era um paladino da educação sexual, um mobilizador impressionante.
Sérgio Carrara, pesquisador na Uerj

O médico chegou a compor o Hino da Educação Sexual e o poema sinfônico Ode ao Sexo, ambos transformados em música pelo maestro Assis Republicano.

O hino dizia: "Nossa arma é o Argumento, / O projectil (sic) é a Verdade, / Nosso alvo é o Preconceito / Que visamos destruir / Na era actual (sic) / Nenhuma campanha / É mais necessária / Que a sexual".

hino - Cedida por Sérgio Carrara - Cedida por Sérgio Carrara
Letra do Hino da Educação Sexual, escrito por José de Albuquerque
Imagem: Cedida por Sérgio Carrara

As canções eram tocadas na abertura das sessões públicas ou conferências e nas comemorações do Dia do Sexo. Em certa ocasião, o hino foi apresentado pela banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro.

ode - Jornal Vida Carioca, edição 117, de janeiro de 1936 - Jornal Vida Carioca, edição 117, de janeiro de 1936
Ode ao Sexo, escrito por José de Albuquerque
Imagem: Jornal Vida Carioca, edição 117, de janeiro de 1936

As discussões que Albuquerque propôs na época envolviam cuidados com a saúde física e mental do homem, higiene, moral, a importância da educação sexual sob a perspectiva da sociologia, psicologia, criminologia e pedagogia.

Para tornar a discussão aprofundada e popular, o CBES criou o Boletim de Educação Sexual, que circulou entre 1933 e 1939. Era um tabloide de oito páginas com artigos e notas informativas e tiragem de cem mil exemplares por edição.

Outra estratégia eram cartazes distribuídos em vários estabelecimentos, que traziam ilustrações da fisiologia humana para melhor compreensão das infecções sexuais.

Entre os assuntos abordados nos folhetos, estavam:

  • Educação sexual da criança;
  • O que há de verdadeiro e de falso a respeito da masturbação;
  • Como evitar as doenças venéreas (termo usado na época);
  • Conselhos à mulher grávida;
  • O que todos devem saber sobre a blenorragia;
  • Considerações sobre o controle da natalidade;
  • Doenças sexuais da virgem (ainda não se falava em infecções sexuais);
  • O problema da ejaculação precoce e da impotência sexual do homem.

Visão médica e higienista

Albuquerque queria que os temas fossem discutidos em casa, nas escolas, longe de tabus e da imoralidade. Mas ele falava de uma perspectiva médica, higienista e heterossexual, tratando da preservação da "raça" brasileira. E embora o prazer sexual fosse pautado, ficava em segundo plano e só na idade reprodutiva.

Enquanto colocava em evidência a saúde sexual masculina, um tabu na época, ele defendia que o tratamento da impotência só fosse feito entre os moços, porque na velhice seria um problema normal.

Ascensão e queda

Carrara conta que as ideias do médico encontraram apoio do governo na figura do prefeito do Rio Pedro Ernesto, que agitou as primeiras comemorações do Dia do Sexo, em meados da década de 1930.

O espaço de publicidade dos jornais também alavancou o trabalho dele, pois ali divulgava os projetos de educação sexual e os tratamentos que oferecia em clínica particular.

Mas uma sequência de fatos fizeram o trabalho do médico se dissipar.

Segundo Carrara, ele era marginal ao meio médico e ridicularizado pelos pares, nunca pertenceu à Academia Nacional de Medicina e nem foi ligado a universidades. Mal visto pela igreja católica, foi alvo de ataques explícitos em sermões e nos jornais conservadores.

Também perdeu apoio de Pedro Ernesto, quando este foi preso acusado de ser comunista. "Ironicamente, José de Albuquerque não conseguiu se reproduzir", diz o pesquisador.

Sem reconhecimento e nem alunos que pudessem replicar suas ideias, a proposta foi se desorganizando, o Dia do Sexo foi esquecido e o que sobrou foram os textos do médico e os impressos usados pelo CBES. O material guardado pelo filho de Albuquerque foi, mais tarde, transformado no livro "Meu Encontro com os Outros: memórias de José de Albuquerque, pioneiro da sexologia no Brasil".

Referências

Bedin, Regina Celia. A institucionalização do conhecimento sexual enquanto tema de investigação e ensino em universidades brasileiras a partir das ações de grupos de pesquisa. Araraquara, 2010.

Carrara, Sérgio; Carvalho, Marcos (organizadores). Meu Encontro com os Outros: memórias de José de Albuquerque, pioneiro da sexologia no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2016.

Chucailo, Vanessa Cristina. "Ou o Brasil acaba com o preconceito ou o preconceito acabará com o Brasil": José de Albuquerque e a campanha pela educação sexual nos anos de 1930 no Brasil. Rio de Janeiro, 2021.

Felicio, Leandro Alves. Um projeto de Educação sexual para o Brasil: O Circulo Brasileiro de Educação Sexual (1933 -1945). Anais do XXVI Simpósio Nacional de História - ANPUH - São Paulo, julho 2011.

Reis, Giselle Volpato dos. Sexologia e educação sexual no Brasil nas décadas de 1920-1950: um estudo sobre a obra de José de Albuquerque. Araraquara, 2006

Entretenimento