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'Ilha de ciclopes' teria inspirado história de viagem mais antiga do mundo

Vista aérea da praia de Cala Turqueta, na ilha de Minorca, na Espanha - Matteo Colombo/Getty Images
Vista aérea da praia de Cala Turqueta, na ilha de Minorca, na Espanha Imagem: Matteo Colombo/Getty Images
do UOL

Colaboração para Nossa

02/08/2024 19h00

Minorca, uma das ilhas do arquipélago das Baleares, no sul da Espanha, pode ter sido um dos destinos que inspiraram Homero em seu clássico épico Odisseia. Ao menos, é o que acredita a jornalista de viagem e pesquisadora Laura Coffey, autora do recém-lançado livro "Enchanted Islands: A Mediterranean Odyssey" (Ilhas Encantadas: Uma Odisseia Mediterrânea, em tradução livre).

Considerada a história de viagem mais antiga do mundo, a obra narra as aventuras de Ulisses na tentativa de retornar para casa após a Guerra de Troia.

No entanto, reconstituir o mapa que guiou o mitológico herói em um mundo bastante diferente do nosso não é tarefa simples, o que torna a questão sensível e polêmica entre estudiosos.

Vista da Cala Macarelleta no verão de Minorca, na Espanha - Matteo Colombo/Getty Images - Matteo Colombo/Getty Images
Vista da Cala Macarelleta no verão de Minorca, na Espanha
Imagem: Matteo Colombo/Getty Images

Nas páginas da Odisseia, Ulisses é nativo da ilha grega de Ítaca. No entanto, há pesquisadores que acreditam que a localização a que ele se refere seria não a da Ítaca contemporânea, mas, na verdade, da ilha de Lêucade.

Já outros, como o especialista em estudos clássicos e economista Robert Bittlestone (autor de 'Odysseus Unbound', de 2005), apostam que a terra natal do protagonista é, na verdade, outra ilha grega: Cefalônia.

Porto histórico e prefeitura de Ciutadella de Menorca, na ilha de Minorca, na Espanha - Matteo Colombo/Getty Images - Matteo Colombo/Getty Images
Porto histórico e prefeitura de Ciutadella de Menorca, na ilha de Minorca, na Espanha
Imagem: Matteo Colombo/Getty Images

Em entrevista à revista Condé Nast Traveler, Laura admitiu que o ponto de partida de seu livro pode ser controverso.

Há todas essas teorias loucas em torno da geografia da 'Odisseia'. Alguns estudiosos ao longo do tempo pensaram quais ilhas pelo Mediterrâneo poderiam ter sido a terra do deus-sol. Qual ilha poderia ter sido a ilha de Calipso onde Ulisses ficou preso por sete anos basicamente como escravo sexual dela. Diferentes pesquisadores tinham diferentes teorias, por exemplo, Estrabão que foi um dos estudiosos gregos antigos que veio depois de Homero, ele achava que a Sicília era a ilha do deus-sol. E faz sentido quando olhamos para a Sicília moderna que tem algo como duas mil horas de luz solar por ano. Então é claro que poderia ser a ilha do deus-sol. Palpita a autora Laura Coffey.

A ilha dos ciclopes

Já no caso de Minorca, a teoria em que Laura se baseou é a do historiador Mauricio Obregón de que a ilha espanhola teria sido a real morada do ciclope Polifemo, filho do deus Posêidon com a ninfa Teosa que foi cegado pelo herói.

Torralba d'en Salort, sítio pré-histórico com misteriosas rochas em Minorca, na Espanha - Atlantide Phototravel/Getty Images - Atlantide Phototravel/Getty Images
Torralba d'en Salort, sítio pré-histórico com misteriosas rochas em Minorca, na Espanha
Imagem: Atlantide Phototravel/Getty Images

Atualmente, o próprio governo espanhol reconhece os laços entre a arquitetura e a cultura de Minorca e a Odisseia, já que inscreveu a candidatura do sítio arqueológico talaiótico ao título de Patrimônio da Humanidade reconhecido pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) sob a alcunha de "Minorca Talaiótica: Uma Odisseia Ciclopeana".

Os monumentos, incluindo cemitérios, santuários e locais sagrados que datam desde a Idade do Bronze, do Ferro até a ocupação romana, revelam uma ligação estreita do meio de vida e da arquitetura na ilha com a cultura do Mediterrâneo.

Há quem especule, por exemplo, que as colunas dos palácios minóicos de Cnossos, na antiga Creta, teriam inspirado os povos ancestrais de Minorca.

A influência grega, assim como de outros países mediterrâneos, perdura na paisagem de Minorca. Na foto, a Aldeia de Binibeca, no sul da ilha espanhola - Jorg Greuel/Getty Images - Jorg Greuel/Getty Images
A influência grega, assim como de outros países mediterrâneos, perdura na paisagem de Minorca. Na foto, a Aldeia de Binibeca, no sul da ilha espanhola
Imagem: Jorg Greuel/Getty Images

Laura foi além dos mapas e explorou Minorca ao vivo e a cores, contudo, em um esforço de determinar quais locais da ilha poderiam ter servido a Homero como pano de fundo para a mitológica jornada de Ulisses.

Veja algumas paradas imperdíveis:

Torre d'en Galmés

Ruínas do Sítio Arqueológico de Torre d'en Galmés, em Minorca, na Espanha - silviacrisman/Getty Images/iStockphoto - silviacrisman/Getty Images/iStockphoto
Ruínas do Sítio Arqueológico de Torre d'en Galmés, em Minorca, na Espanha
Imagem: silviacrisman/Getty Images/iStockphoto

Minorca tem uma das maiores concentrações de sítios arqueológicos pré-históricos do mundo. Alguns dos mais populares, como é o caso de Torre d'en Galmés, possuem enormes formações rochosas em pé, ou outras em formato de "T", que lembram Stonehenge, na Inglaterra.

O mistério por trás das rochas deu à luz a lendas como a de que a ilha já foi um dia habitada por gigantes. Segundo Laura escreve em seu livro, "é fácil imaginar os ciclopes com apenas um olho perambulando pelo antigo sítio arqueológico" — embora fique difícil saber qual das histórias surgiu primeiro.

Camí de Cavalls

Na obra de Homero, pássaros são mensageiros dos deuses. Minorca, por sua vez, é um paraíso dos ornitólogos graças à sua localização privilegiada em que se encontram rotas de migração de diversas espécies rumo à África. Laura descreve em seu livro a experiência de dar a volta na ilha para observar lindos espécimes na companhia do expert Javier.

Camí de Cavalls (GR 223), trilha histórica que circunda Minorca e leva a Cap de Cavalleria, extremo norte da ilha na Espanha - © Nina Dietzel/Getty Images - © Nina Dietzel/Getty Images
Camí de Cavalls (GR 223), trilha histórica que circunda Minorca e leva a Cap de Cavalleria, extremo norte da ilha na Espanha
Imagem: © Nina Dietzel/Getty Images

Nos meus passeios [de bike], vi pássaros por toda parte, movendo-se pelo ar como notas musicais, dobrando suas asas em pleno voo para baixar e saltar. Brancos pássaros nas alturas das nuvens voavam em círculos sobre mim enquanto eu pedalava rumo ao mar, pássaros negros e brancos com longas caudas pulavam ao longo das pistas, voando na hora certa em que eu rodava passando por eles. Passarinhos pequenos se movimentavam entre os galhos baixos das oliveiras, com suas cabeças empinadas, olhos piscando olhando uns para os outros e para mim. Fiquei fascinada, obcecada, quase. Era uma linguagem que eu queria aprender.

Quem quiser explorar o tráfego dos céus ou outras belezas da costa de Minorca pode colocar o pé na estrada no Camí de Cavalls (Caminho dos Cavalos, em catalão), uma antiga trilha de 186 km ao redor da ilha que não só conecta entre si algumas das praias mais remotas dali, como também torres, fortalezas e canhões.

Há diferentes teorias para a origem do Camí de Cavalls. A mais aceita delas, segundo a autoridade de turismo local, é de que o percurso tivesse sido criado no século 18 pelos invasores franceses que viveram na ilha, para ligar as paradas de tropas e artilharias. No entanto, moradores acreditam que partes do caminho já existisse no século 14.

Praias-santuários

Praia de Cala Mitjana, em Minorca, na Espanha - Gaizka Portillo Benito/Getty Images - Gaizka Portillo Benito/Getty Images
Praia de Cala Mitjana, em Minorca, na Espanha
Imagem: Gaizka Portillo Benito/Getty Images

"Eu pedalei ao redor da ilha e, livre novamente, encontrei cavernas rochosas em que podia nadar", maravilha-se Laura em certa altura do livro. Ela relata que, em Minorca, as praias são "selvagens" em sua beleza — e que não só inspirariam, mas seriam ideais para as mitológicas deusas gregas.

Ela indica, especialmente, a visita a duas praias mais queridas pelos moradores: Cala Mijtana e Cala Mitjaneta, com suas águas cristalinas, areias brancas fininhas e vista para os barcos que passeiam pelo seu litoral.

Paredões costeiros rochosos

Cala Macarella, em Minorca, na Espanha - Marco Govel/Getty Images/Westend61 - Marco Govel/Getty Images/Westend61
Cala Macarella, em Minorca, na Espanha
Imagem: Marco Govel/Getty Images/Westend61

E por falar em cavernas, a 'Odisseia' narra o momento em que Ulisses invade aquela em que vivia Polifemo em busca de comida e bebida, mas acaba preso pelo ciclope, que até se alimenta de parte dos companheiros de viagem. Eventualmente, ele consegue embebedar e, com uma vara, cegar a criatura.

O herói escapa e, uma vez de volta ao seu barco, provoca Polifemo, revelando a ele sua identidade. O ciclope cego não consegue atingir Ulisses, mas ele pede ao pai, Posêidon, que amaldiçoe o invasor e impeça que ele volte para casa por 10 anos. O deus dos mares então demonstra sua ira e joga ventos e a força das águas contra a embarcação de Ulisses.

Enormes paredões rochosos e cavernas circundados de água de intenso azul são parte do irregular litoral de Minorca e servem de cenário ideal à luta do herói contra os deuses. Uma das paradas imperdíveis por lá é a praia Cala Macarella, digna de Posêidon.

Paraíso disputado

Baía próxima à fortaleza La Mola, em Maó, na ilha de Minorca, na Espanha - Cristian Baitg Schreiweis/Getty Images/iStockphoto - Cristian Baitg Schreiweis/Getty Images/iStockphoto
Baía próxima à fortaleza La Mola, em Maó, na ilha de Minorca, na Espanha
Imagem: Cristian Baitg Schreiweis/Getty Images/iStockphoto

Mas Minorca não possui apenas um passado interessante na Antiguidade. No século 18, por exemplo, a ilha foi capturada pelos franceses durante a Guerra dos Sete Anos. Mais de 20 anos depois, os espanhóis juntariam forças com os ex-inimigos para apoiar os americanos em sua Guerra de Independência contra os britânicos — e a Espanha retomou o controle da ilha que agora estava nas mãos da coroa do Reino Unido.

Remanescentes desta fase da história das Baleares podem ser vistas nas fortalezas e no porto de Maó, que ainda serviu de base no Mediterrâneo da Marinha dos EUA no século 19.

Fortaleza La Mola, do século 19, no porto de Maó, em Minorca, na Espanha - Gonzalo Azumendi/Getty Images - Gonzalo Azumendi/Getty Images
Fortaleza La Mola, do século 19, no porto de Maó, em Minorca, na Espanha
Imagem: Gonzalo Azumendi/Getty Images

Quem quer planejar embarcar na aventura de Ulisses ou explorar a história mais recente da ilha pode obter mais informações sobre experiências turísticas locais no site da associação hoteleira e turística local, o visitmenorca.com.

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