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O que a trajetória do rap nos EUA ensina sobre o futuro do funk

O MC IG conheceu a Roc Nation, gravadora de Jay-Z, em Nova York - Reprodução
O MC IG conheceu a Roc Nation, gravadora de Jay-Z, em Nova York Imagem: Reprodução
do UOL

De Splash, em São Paulo

23/07/2024 04h00Atualizada em 23/07/2024 13h37

Em abril, MC IG recebeu um convite exclusivo do rapper Jay-Z para visitar a gravadora Roc Nation, em Nova York — a empresa é responsável por gerenciar as carreiras de nomes como Rihanna, Alicia Keys e A$AP Rocky.

Para o MC, essa foi uma oportunidade de se reconhecer nessas referências. "As origens dos criadores ali da empresa são muito parecidas com as nossas", reflete o funkeiro em entrevista a Splash após a visita.

As semelhanças entre o funk e o rap vão além de MC IG e Jay-Z. A trajetória do ritmo estadunidense, que no ano passado completou 50 anos, pode ser um mapa para os próximos passos do funk brasileiro.

Eu só quero é ser feliz

Os críticos do rap e do funk tentam associar a música ao crime. O argumento é que, por narrarem cenas envolvendo drogas e violência, as letras das músicas fariam apologia desses crimes - lógica que não é aplicada, por exemplo, a filmes que retratam cenas semelhantes.

Essa associação já causou problemas na Justiça para os artistas. MCs como Cabelinho, Maneirinho, Ryan SP e Hariel já foram alvos de investigações da polícia — os dois primeiros, pelo conteúdo de suas letras, e os dois últimos, por se apresentarem em uma casa de shows cujo proprietário estaria associado ao PCC.

Para falar a verdade, nem acredito que isso seja real. A polícia vai investigar o Wagner Moura por interpretar o Pablo Escobar? Vai ir atrás dos playboys que sobem o morro para retratar o que acontece na favela nos documentários? Eu sou MC, eu retrato o que acontece nas comunidades, essa é a minha arte. MC Maneirinho em entrevista ao UOL em 2020

Projetos de lei já tentaram institucionalizar a criminalização do funk. No PL 5194/2019, o deputado federal Charlles Evangelista (PSL/MG) propôs "tipificar como crime qualquer estilo musical que contenha expressões pejorativas ou ofensivas". Depois, o mesmo deputado retirou a proposta.

As leis da Califórnia seguiram o caminho contrário. Desde 2022, o estado americano restringe o uso de letras de músicas como prova nos tribunais. A legislação agora exige que um juiz, antes de aceitar uma composição como evidência de um caso, analise se há provas suficientes de que a canção esteja diretamente ligada ao crime.

Segundo o Washington Post, nos últimos 30 anos, mais de 500 rappers tiveram suas composições citadas contra réus durante julgamentos. "Artistas de todos os tipos devem poder criar sem medo de perseguição injusta e preconceituosa", disse Gavin Newsom, então governador da Califórnia, na época.

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André Morrissy, diretor da GR6 Music
Imagem: Reprodução/UOL

Na ausência de leis, a indústria do funk vê o sucesso comercial como sinal de maior aceitação do funk. André Morrissy é diretor da GR6 Music, uma das maiores produtoras de funk do mundo. Ele aponta que, há cinco anos, procurava marcas para parcerias com os MCs, e recebia negativas. "Hoje em dia, o caminho é inverso. Elas estão procurando a gente", relata em conversa com Splash.

Quando toca, ninguém fica parado

O mercado brasileiro é o que mais consome o seu próprio produto, diz Morrissy. E há potencial para esse consumo crescer ainda mais com o aumento do acesso à internet. "O consumo na Europa, por exemplo, nos Estados Unidos, já alcançou praticamente o teto. Todo mundo assina [streamings], todo mundo tem internet de qualidade. Aqui no Brasil, a gente está trabalhando com 20%, 30% do nosso potencial."

Além do crescimento interno, há uma expansão global do consumo de funk e de música latina. "A gente entende que a batida do funk atrai, independentemente do entendimento da letra, assim como aconteceu com o reggaeton".

O reggaeton tem praticamente as mesmas origens: periférica, das comunidades, tem uma batida peculiar também, atraente, independentemente da letra. A gente entende que estão acontecendo resultados semelhantes, com uma abrangência, um consumo global. André Morrissy

Para exemplificar o potencial do funk, Morrissy usa a música "Baile de Favela", de MC João e DJ R7, lançada em 2016. O funk foi trilha da novela "A Força do Querer" (Globo) e embalou a conquista da medalha de prata de Rebeca Andrade nas Olimpíadas de Tóquio.

"'Baile de Favela', por exemplo, foi muito consumida no exterior. Eu mesmo presenciei negociações em torno do uso, para fazer mix com diversos outros estilos musicais, utilização nas Olimpíadas, em dezenas de publicidades, em nível global".

O interesse no ritmo se traduz em dinheiro na área. IG avalia o funk como uma "máquina de gerar emprego" atualmente.

É uma opinião parecida com a de MC Ryan. Em maio, ele falou ao UOL que recebeu críticas após mostrar um pix de R$ 1 milhão de MC Daniel. "Os MCs hoje são milionários, têm casa, carrão. Por ser funk os caras marginalizam? Sai dessa".

Nem o tráfico tá fazendo o tanto de dinheiro que o funk faz hoje em dia, meu querido. MC Ryan

Tá tudo dominado

Nos últimos anos, a GR6 intensificou a realização de shows fora do Brasil. "A gente vem trabalhando em parcerias musicais, com conexões para poder evoluir fora do Brasil também, aproveitando esse interesse pelo ritmo, que é notório", diz Morrissy.

Anitta é um dos principais destaques desse processo, com a turnê do álbum "Funk Generation". A ideia da artista é justamente ensinar para os gringos como fazer um funk de qualidade.

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Anitta lançou o álbum "Funk Generation" em maio
Imagem: Divulgação

Em todo lugar que toca [funk], a gente vê a galera, mesmo sem entender a letra, consumindo e curtindo. Enfim, querendo mais. André Morrissy

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