Malásia tem cidade-fantasma de R$ 500 bilhões onde ninguém quer morar
Forest City, na costa do estado de Johor, na Malásia, era uma promessa de paraíso exclusivo quando foi anunciada em 2006, há quase 20 anos. Mas mesmo um investimento de US$ 100 bilhões — pouco mais de R$ 500 bilhões — em estrutura de lojas, hotéis, imóveis e deques à beira-mar não foi capaz de atrair muitos moradores à "cidade-fantasma", como o megaempreendimento vem sendo chamado pela imprensa internacional.
Segundo a rede de tevê Al Jazeera, apenas 9.000 pessoas habitam hoje os mais de 2.800 hectares de Forest City. Comparativamente, a cidade artificial tem finalizados 28 mil imóveis. Quando foi inaugurada, em 2016, a expectativa era que ela alcançasse 700 mil moradores até 2035, mas este número parece uma realidade distante — talvez inatingível — nos últimos anos.
"Eu não ligava para o meu caução, não ligava para o meu dinheiro. Eu só precisava sair. É solitário aqui — é só você e seus pensamentos. Para ser honesto, é assustador. Eu tinha altas expectativas para este lugar, mas foi uma experiência tão ruim. Não tem nada para fazer aqui", reclamou à BBC o engenheiro de tecnologia de informação Nazmi Hanafiah, de 30 anos.
Nazmi deixou Forest City há seis meses, após outros seis meses como morador. Para se encontrar com a reportagem da rede de tevê britânica, ele teve que voltar ao quarteirão onde viveu — "tenho arrepios de estar de volta", queixou-se. A "cidade-fantasma" ainda é descrita como um local de estranha atmosfera. "Parece um resort de férias abandonado."
Praias desertas, playground de crianças gasto, lojas e restaurantes fechados, construções abandonadas, um trenzinho de crianças dando voltas vazio, e escadarias que dão em lugar nenhum dividem espaço com carros vintage se enferrujando nas ruas e placas que alertam contra o perigo de mergulho em águas infestadas de crocodilos, de acordo com o veículo.
Ambiciosa, a cidade-fantasma deveria ter belos campos de golfe, parque aquático, escritórios, bares e restaurantes. No entanto, segundo a BBC, apenas 15% do projeto inteiro foi construído até o momento. A gigante chinesa do ramo de propriedades Country Garden, responsável por Forest City, informou à rede britânica que permanece "otimista" de que o plano irá se completar — mesmo possuindo atualmente US$ 200 bilhões (R$ 1 trilhão) em dívidas.
Existem diversos obstáculos para o povoamento de Forest City. O primeiro deles é a geografia, já que a cidade está espalhada sobre quatro ilhas, apesar de se encontrar a apenas 20 minutos de carro da fronteira com Singapura.
O segundo aspecto tem a ver com distância, sim, mas também burocracias de imigração e vistos, já que o empreendimento tinha como público-alvo não os malaios, mas os chineses de classe média alta ou classe alta. Se antes eles teriam a entrada facilitada no país, a mudança de governo na Malásia causou instabilidade ao projeto em 2018, quando o primeiro-ministro Mahathir Mohamad anunciou que não seriam emitidos vistos para estrangeiros viverem ali.
Eventualmente, o governo malaio voltou atrás e criou brechas legais para permitir o estabelecimento dos estrangeiros, segundo reportagem do jornal local The Straits Times. Para fisgar o interesse deste tipo de investidor, as autoridades garantiram à área o status de "duty free", ou seja, lojas, comércios e imóveis foram isentos de impostos para tornar a compra mais atraente. Seu centro comercial, não à toa, conta com free shops como um aeroporto.
A pandemia impôs, logo em seguida, novos desafios a Forest City, já que o fechamento de fronteiras e as políticas sanitárias tão diferentes — a China, primeiro epicentro, entrou em lockdown completo — nos países asiáticos dificultaram a circulação de pessoas de uma nação a outra. Ainda há um descompasso entre as pretensões da empresa e a realidade da cidade: a maior parte de seus poucos moradores são inquilinos que trabalham na vizinha Singapura.
Ainda à Al Jazeera, o consultor de propriedades da KGV International, Samuel Tan, comentou que a alta proporção de proprietários estrangeiros "atrofiou" as chances de sucesso do projeto. "Qualquer projeto onde a maioria [dos moradores] é de mais de 40% de estrangeiros está condenada ao fracasso, porque eles não vêm aqui, não ocupam os espaços aqui, não gastam dinheiro aqui".
Enquanto isso, na China, o mercado imobiliário passa por dificuldades. Além disso, bancos têm sido obrigados pelo governo a fornecer relatórios diários de transações internacionais de chineses que ultrapassem 1.000 yuans ou R$ 720, o que gera entraves burocráticos para o comércio e a vida fora do país. Ou seja, descartar os malaios foi uma má ideia.
Segundo informações da Bloomberg, um apartamento de dois dormitórios em Forest City pode sair por 1,2 milhão de yuans ou cerca de R$ 860 mil. Com alto investimento e incertezas em relação à finalização dos apartamentos e casas, investidores seguem fugindo dos fantasmas de Forest City. Ao menos, por enquanto.