Mergulhada em caos turístico, Bali agora cobra taxa. Ilha ainda é paraíso?
É sempre hora do rush na região de Canggu, na ilha de Bali. De dia ou à noite, as estreitas ruas ficam sobrecarregadas de motos e carros cheios de turistas que tentam passar pelas vielas que antes eram chamadas de shortcuts (atalhos, em português). O que antes funcionava como corta-caminho - de bicicleta - em meio aos arrozais, hoje virou uma pista abarrotada de motocicletas.
Perto dos centenários templos hindus que colocaram Bali na vitrine do mundo, é quase impossível encontrar silêncio.
Canggu é o principal reflexo do overtourism (ou turismo em excesso, em inglês) que tem tomado conta da Ilha dos Deuses. Bali recebeu, só em 2023, mais de 5,2 milhões de turistas. O número representa cerca de metade de todas as visitas à Indonésia no ano todo. A expectativa do Ministério do Turismo e Economia Criativa para 2024 é atrair em torno de 7 milhões de pessoas.
A marca significa dinheiro e preocupação: enquanto o número de turistas eleva a arrecadação do país, cresce também a dificuldade em preservar a ilha, sua natureza e sua cultura.
Taxa de entrada
Pensando nisso, desde fevereiro o governo da Indonésia passou a cobrar de turistas uma taxa de IDR 150.000,00 (o equivalente a cerca de R$ 50) para entrar na ilha. Um comunicado afirma que o valor será usado para preservar a cultura e o meio-ambiente.
"A taxa de entrada será usada para conservar a natureza de Bali, para que ela permaneça limpa, sustentável e confortável para todos", diz o anúncio do programa "We love Bali".
Além da taxa, outra medida que o governo de Bali quer adotar é a descentralização do turismo na ilha - atualmente concentrado no sul. Isso ajudaria a desafogar o trânsito pesado que afeta as regiões de Canggu, Kuta, Ubud e Uluwatu.
Mas quem dera que a única preocupação do governo fosse com o trânsito; o mau comportamento de visitantes também têm estampado manchetes por todo o mundo. Turistas têm sido punidos e até deportados por casos de nudez pública, desrespeito a locais sagrados e violência.
Nas ruas, os Canang Sari - pequenas oferendas feitas pelos balineses diariamente como forma de agradecer os deuses pela paz e o equilíbrio no mundo - são pisoteados como se fossem lixo. Para tentar contornar o problema, o governo de Bali teve de publicar cartilhas sobre como os turistas devem (e não devem) se comportar. Dentre as regras: não escalar árvores sagradas e faltar com educação.
Isso sem falar dos impactos ambientais causados pelos visitantes em excesso. Em meio ao crescimento desordenado, a falta de estrutura para descartar lixo e esgoto é outro problema que afeta a ilha. Na praia de Batu Bolong, em Canggu, por exemplo, conhecida como um dos paraísos dos surfistas, o mar está repleto de sacos e garrafas de plástico boiando.
Os impactos do overtourism preocupam a brasileira Susiane Conte Ghesla, que vive na região de Uluwatu há cerca de seis anos. Ela se encantou pela ilha pela primeira vez em 2011. De lá pra cá, muita coisa mudou.
Bali perdeu um pouco de sua essência energética e cultural. Antes você passava pela rua e sentia cheiro de incenso, de árvores. Agora você passa e infelizmente sente um cheiro de esgoto. Realmente mudou.
Fora o descarte inapropriado de lixo, entulhos de construções também têm causado acúmulo de lixo nas calçadas já apertadas da ilha. Por todos os lados, Bali mais parece um canteiro de obra.
Todo dia é inaugurado algum novo hotel, spa, centro de ioga, academia de crossfit, café para trabalhadores digitais, restaurante inflacionado ou outro estabelecimento "disruptivo" que logo logo aparecerá nos feeds dos influenciadores de viagens.
Ainda assim, há aqueles que vem para ficar. Estrangeiros que buscam maneiras de driblar o ramo imobiliário da região, apesar das leis que limitam a compra de terra aos balineses. Na região de Ubud, investidores russos preparam um imenso complexo chamado de Hidden City Ubud. Serão mais de 17,000 m2 de áreas residenciais, 4,000 m2 de áreas comerciais e mais de 2,000 m2 de áreas para trabalhar.
No site do empreendimento os responsáveis afirmam que o local contará com escritórios, restaurantes, shopping center, palco para shows, dentre outros prédios - todos dignos de uma cidade por si só.
Vale a visita?
O fato é que o paraíso ainda está lá. Bali tem uma cultura única, além de uma geografia que dispõe mar e vulcão a uma curta distância um do outro.
Em meio a um turismo cada vez mais perigoso, balineses e expatriados lutam para manter vivas as tradições, a natureza e a harmonia - o que mais se buscou na ilha dos Deuses em outros tempos. Susiane diz que, no que depender dela, gostaria de morar lá até o fim da vida, mas tem medo de como será o futuro.
Corta o coração de pensar em como vai ser Bali em 20 anos. Se eu vi toda essa mudança em 5 anos, não sei o que vai ser.
Aliás, por falar em tradição, o complexo Hidden City Ubud (citado acima no texto) está sendo construído onde antes havia uma floresta de importância espiritual para os nativos. O condomínio praticamente divide muro com a casa de Ketut Liyer, guru espiritual que ajudou Julia Roberts na interpretação de Elizabeth Gilbert no filme "Comer, rezar e amar", obra que transformou Bali em um destino ainda mais popular.
Ketut já morreu e foi sucedido por seu filho, Nyoman Latra. Nyoman mora e atende seguidores espirituais no mesmo lugar que o pai, uma propriedade com cheiro de incenso e "cara" de Bali, repleta de altares e mini-templos.
Mestre hinduísta, Latra continua o legado do pai e espalha a mensagem do Karma a todos os seus visitantes: "Faça o bem para receber o bem". É essa a principal filosofia que durante séculos regeu Bali e que o turismo em massa está ignorando.