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Arte do barro atravessa o tempo e traduz o NE pelas mãos de jovens artesãos

Peça produzida em barro que virou um dos símbolos do São João de Caruaru - Arquivo Pessoal
Peça produzida em barro que virou um dos símbolos do São João de Caruaru Imagem: Arquivo Pessoal
do UOL

Adriana Amâncio

Colaboração para Splash, em Caruaru (PE)

13/06/2024 13h27

O São João de Caruaru deste ano traz o tema "A evolução do barro", que reflete a evolução artística da cidade até ganhar destaque na cultura nacional. O tema também faz menção à arte, que tem o barro como principal matéria-prima e é uma das grandes tradições locais.

Séculos da música, culinária, fauna e flora da cidade estão eternizados em peças de barro, construídas pelas mãos de sábios discípulos do Mestre Vitalino. Essa arte vem se renovando e contando com mãos cada vez mais jovens.

Meio século de história da arte do barro em Caruaru foi construído e testemunhado pelo Mestre Ademilson Eudócio, filho de Manoel Eudócio, primeiro discípulo do Mestre Vitalino, um dos maiores artistas do barro no Brasil. Eudócio lembra que, quando Mestre Vitalino chegou ao Alto do Moura, em 1948, o seu pai já produzia utensílios em barro.

"Foi com o Mestre Vitalino, que ele passou a produzir figuras como vaqueiro, carro de boi, cavalo", recorda.

Em 1972, quando tinha oito anos, o então garoto Eudócio ficou curioso com o trabalho do pai e começou a produzir as primeiras peças. "Comecei a fazer brinquedos em barro e o meu pai levava para a feira para vender. Pronto! Eu nunca mais trabalhei com outra coisa."

Mestre Eudócio dedicou-se a eternizar no barro a rotina de Caruaru. As bandas de pífano, os trios de forró pé de serra, o cavalo-marinho, o reisado. A paisagem rural com bois, cavalos e bodes. E a paisagem urbana representada pelas vendas, os retirantes e a feira, manifestação cultural eternizada na música Feira de Caruaru, composta por Onildo Almeida e interpretada pelo Rei do Baião, Luiz Gonzaga.

Foi com essa obra que o Mestre Eudócio venceu o Prêmio Salão das Artes Populares da Feira Nacional de Negócios de Artesanato (Fenearte), em 2003. Fazendo jus as proporções gigantes do município, a Feira de Caruaru, que foi reconhecida Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, é a maior feira de rua do país.

Além do amor pelo ofício passado pelo pai, a arte do barro foi a única fonte de sustento de Mestre Eudócio, hoje casado e pai de três filhos. Ele avalia que, com o tempo, a arte do barro passou a ser mais valorizada. "Antes, o nosso trabalho era considerado artesanato e só era conhecido aqui. Agora, somos considerados artistas", comenta.

Junto com o reconhecimento, vieram novos mercados, afirma o mestre. "Hoje o meu trabalho é vendido a colecionadores, galerias e museus. Eu já mostrei o meu trabalho em Recife, Salvador, Belo Horizonte, Porto Alegre, Nova Orleans, nos Estados Unidos, e na Espanha", orgulha-se.

Mestre Eudócio avalia que a tecnologia e a modernidade são atrativos que despertam o maior interesse dos jovens de Caruaru. Por isso, acredita que a arte do barro pode acabar, caso não se faça nada para preservá-la.

Ele resolveu fazer a sua parte e acaba de inaugurar o Museu Manoel Eudócio, que será dedicado a conservar e expor a arte originária do pai, discípulo de Vitalino. Ao lado do museu, ele criou o Ateliê Mestre Ademilson Eudócio, onde pretende seguir criando as suas peças até o último suspiro de vida.

Arte é vida! Ver uma peça minha pronta me traz paz. Os colecionadores, as crianças ficam encantados. A minha arte é importante para retratar a nossa cultura

A nova geração do barro

Mãos de Rafael Costa, que há 15 anos compõe a nova geração de mestre do barro de Caruaru - Arquivo Pessoal/Rafael Costa - Arquivo Pessoal/Rafael Costa
Mãos de Rafael Costa, que há 15 anos compõe a nova geração de mestre do barro de Caruaru
Imagem: Arquivo Pessoal/Rafael Costa

Rafael Costa Pereira, hoje com 38 anos, conheceu a arte do barro, ainda na infância, aos nove anos. "Levei os cavalos do meu tio para comer capim no Alto do Moura e vi o Mestre Severino Vitalino queimando o barro. Fiquei impressionado", recorda. A queima da peça de barro no fogo é a etapa responsável por transformar o barro em cerâmica. Quando a peça esfria, é o momento de pintar a obra.

Ao longo da infância e adolescência, ele seguiu acompanhando os mestres até que, aos 20 anos, teve o primeiro contato com a arte. "Eu fui convidado pela grande mestra Terezinha, esposa do mestre Ademilson Eudócio, a aprender a mexer com o barro."

Através do contato com os mestres, Rafael descobriu que a arte do barro era uma das tradições mais importantes da cidade. Já adulto, ele achou estranho que na escola esse assunto não tivesse abordado. "Eu estudei em escola pública e nunca ouvi falar sobre a arte do barro", observa.

Após três anos de aprendizado, o jovem artista começou a produzir as próprias peças. A sua especialidade é produzir anjos para serem colocados nas casas como um símbolo de proteção. Com o aumento do número de clientes, ele mudou-se para o Alto do Moura, onde ficou conhecido como Mestre Ratinho das Artes.

Com 15 anos de carreira dedicados exclusivamente à arte do barro, o artista já assinou uma exposição na Galeria Dom Brasil, em Belo Horizonte. Consciente da importância do seu trabalho para a história do município, conhecido pelo maior São João do Mundo, Rafael dedica-se a perpetuar o legado do barro. "Eu faço oficinas para jovens interessados em aprender o ofício", explica.

Se depender do otimismo e da dedicação de Ratinho das Artes, o barro terá um futuro longevo em Caruaru. "Tem muitos novos mestres vindo morar no Alto do Moura inspirados pelo barro: Humberto Betão, Chivo, Aldo Souza, Iris Marcolino?A arte do barro tem um futuro longo pela frente", imagina.

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