Indígena e influencer, ela virou Barbie: 'Nas redes, espalho nossa cultura'
A indígena Maira Gomez, 25, se tornou uma influencer conhecidíssima desde que passou a dividir na internet um pouco de como é a vida em sua aldeia, no interior do Amazonas. "O primeiro vídeo que viralizou era um em que mostrava que comemos as larvas da palmeira de babaçu com farinha", conta a Universa.
Com quase sete milhões de seguidores só no TikTok, a Mattel —empresa de brinquedos— decidiu homenageá-la dentro do seu projeto Barbie Role Model, criando uma boneca igualzinha a ela —que, infelizmente, não será vendida.
Para a reportagem, Maira contou um pouco do que já conquistou com seu trabalho com a internet e o peso que sente de representar tantas mulheres indígenas.
Universa: Para você, qual a importância de ser homenageada pela Barbie? Isso ajuda sua comunidade de alguma forma?
Maira Gomez: Com certeza, porque dá uma grande visibilidade para uma mulher indígena. E poder fazer essa representação é, de certa forma, incentivar meninas e mulheres a não desistirem dos seus sonhos.
É uma maneira de mostrar que você é capaz de alcançar todos os seus objetivos e usar sua representatividade para isso. Acredito que mais pessoas vão conhecer e valorizar os povos indígenas e suas culturas.
O uso da internet melhorou a vida na aldeia? Trouxe mais turismo, por exemplo?
Sim, ganhou mais visibilidade para o turismo. As pessoas perguntam mais como podem fazer para chegar na aldeia e ter as nossas vivências.
Foi também por causa do uso das redes que consegui construir um poço artesiano na nossa comunidade. Antes, precisávamos andar até dois quilômetros para conseguir pegar água no igarapé ou ir remando até outra aldeia. Agora temos água encanada, que dá para beber e cozinhar. É uma conquista importante.
Como foi o processo de criação da sua Barbie? Você participou?
Fiz um trabalho com a Mattel e depois de um tempo recebi a notícia de que eles queriam me homenagear fazendo essa boneca. Foi uma surpresa e um choque muito grande, fiquei pensando na representatividade daquilo. Em como era importante usar meu trabalho para dar voz à cultura indígena. Foi uma alegria imensa.
Cada detalhe foi feito comigo, mandei as referências para eles. O que mais tem significado para mim são os grafismos, que cada povo tem o seu. Olhando para eles, você consegue identificar o povo a que você pertence. Essa pintura que faço é oficial dos povos tatuyos e significa sagrada proteção.
Você sente o peso da responsabilidade de ser uma referência para meninas e mulheres indígenas que não sentem que sua voz é ouvida?
Com certeza. Quando comecei, percebi que nas redes sociais tinham poucas indígenas contando suas histórias. Com o aumento da minha visibilidade, recebi mensagens de pessoas me elogiando e me incentivando a continuar com meu trabalho. Agradecendo aquilo que eu fazia, porque estava mostrando um pouco do que acontece na comunidade. Isso mexeu comigo.
Os vídeos que posto, de alguma forma, também ajudam as pessoas com ansiedade, porque elas me mandam mensagem dizendo que eu torno suas vidas melhores e isso é muito bom de ouvir. Quero continuar esse trabalho, mostrar nossa cultura e motivar as pessoas a fazerem o mesmo, a não desistirem.
Agora que você vai ser uma Barbie superexclusiva, que não tem para vender, me conta: você já teve alguma boneca dessas?
Sim, tive uma quando era bem pequena, que tinha um vestido rosa e usava uma coroa. Lembro que eu a guardava bem, mas acabei perdendo depois de um tempo.
Com o que as meninas brincam na sua aldeia?
Existem várias brincadeiras, mas, na verdade, elas se misturam com os meninos. Tem pega-pega na terra, dentro do rio, sobem em árvores, jogam futebol, vôlei... Várias brincadeiras. Tem também boneca e carrinho. Tem um pouco de tudo.
O que despertou em você a vontade de mostrar sua vida na internet?
Acompanhar meus pais. Comecei a postar com o objetivo de mostrar nossa cultura para as pessoas. Eram algumas fotos dos artesanatos, do ritual de apresentação cultural para os turistas. Um dia, meus pais acharam uma palmeira de babaçu e nós temos o costume de consumir as larvas que estão dentro dela. Gravei e mostrei que comíamos com farinha. O vídeo viralizou. A partir daquele momento, como as pessoas pediam muito, passei a postar mais sobre a nossa história e vida cotidiana.
O que seus pais acham da sua fama na internet?
Hoje eles apoiam e gostam, porque estou mostrando nossa cultura e dando visibilidade para a comunidade. Mas no começo eles ficaram com um pouco de medo. Achavam que se eu começasse a mexer muito no celular acabaria me viciando e deixando nossa cultura de lado.
Com o passar do tempo, eles perceberam que não era assim. Uso o celular, mas faço artesanato, vou para o roçado com a minha mãe. Eles notaram que foi uma decisão importante me dar um celular, porque uso as redes para espalhar conhecimento sobre a nossa cultura.
Você acredita que faz um trabalho que ajuda a conscientizar o público sobre a cultura indígena e a quebrar preconceitos?
Sim, pois acabo respondendo algumas curiosidades e mostrando o nosso modo de vida atual. O que incentiva as pessoas a entenderem melhor como é a vivência de um povo indígena e quebrando tabus sobre a aldeia.
Tem alguma pergunta que você não aguenta mais responder?
Não, mas o que mais recebo são perguntas querendo saber se sou realmente indígena de verdade ou se estou fazendo um personagem. Mesmo constantemente postando sobre o nosso modo de vida, tem gente que não acredita. Acham que é uma farsa, que só quero ganhar seguidores.
Outra pergunta que recebo bastante também é se recebemos ajuda financeira do governo. E, ah, perguntam também se a gente vive como antigamente.