A Sagrada Família não fica pronta nunca? Há igrejas que demoraram bem mais
Quando as obras do Templo Expiatório da Sagrada Família começaram, em 1882, a Espanha ainda era um império colonial. Em franca decadência, é verdade, mas que ainda controlava Filipinas, Porto Rico, alguns territórios e arquipélagos espalhados pela África, como Canárias, Saara Ocidental e Guiné Equatorial, além da joia da Coroa, Cuba.
A obra da catedral seguiria o estilo neogótico, em voga na época, mas quando o arquiteto catalão Antoni Gaudí a assumiu, ele deu uma guinada modernista. Gaudí trabalhou a maior parte da vida no projeto. Porém, quando ele morreu, em 1926, a igreja só tinha quatro torres, e inacabadas, das 18 previstas.
A Espanha virou república, viveu uma guerra civil que foi um dos grandes traumas do mundo no século 20, passou décadas sob um regime ditatorial, voltou a ser uma monarquia com eleições democráticas e viveu altos e baixos com suas regiões autônomas, como a Catalunha, onde fica a Sagrada Família. Barcelona, por sua vez, viveu a maior parte desse tempo meio isolada do resto do mundo, esperando ser descoberta.
Até que ela sediou uma das mais bem-sucedidas Olimpíadas da história, em 1992, e virou uma campeã do turismo global. Hoje, já se fala em turistas em excesso na cidade, que a descaracterizaram e a transformaram em um parque temático.
Isso tudo antes de a Sagrada Família ficar pronta, o que deve acontecer em 2026, 144 anos após o início dos trabalhos. É a grande obra há mais tempo em andamento no mundo.
Mas ela ainda está muito atrás de outros famosos templos europeus nesse quesito. Enquanto a obra-prima de Gaudí atravessa seu segundo século de construção, algumas das igrejas mais fotografadas e veneradas do continente precisaram de um punhado de séculos para ficar prontas. Conheça essas histórias.
Notre-Dame
Paris (França) - 182 anos
Quando uma igreja está, de fato, pronta? É uma pergunta capciosa, que rende longos debates até em fóruns online. Em termos religiosos, isso acontece no ritual de dedicação, com orações, oferendas, aspersão de água benta e unção do altar e das paredes.
Mas, para não esperar tanto tempo, era comum concluir o altar primeiro, para que a missa pudesse ser realizada, ainda que a igreja fosse um canteiro de obras. Até hoje isso é comum em comunidades em que faltam recursos para terminar a construção. E na Notre-Dame de Paris também foi assim.
A mais célebre das igrejas francesas começou a ser construída em 1163. O altar-mor foi consagrado 19 anos depois, mas a nave só foi concluída em meados do século seguinte. A Notre-Dame só foi tida como pronta quase 200 anos depois, em 1345.
Mas essa catedral da Idade Média seria irreconhecível para nós. Uma série de implementações e mudanças se seguiriam. Além disso, ela foi atacada na Revolução Francesa, e só no século 19 ganhou as feições atuais, com uma grande reforma que incluiu a construção de seu famoso pináculo — sim, aquele destruído pelo incêndio de 2019.
Desde então, Notre-Dame está em obras. Como há 800 anos.
Catedral de São Vito
Praga (República Tcheca) - 585 anos
A Catedral Metropolitana dos Santos Vito, Venceslau e Adalberto é a terceira, maior e mais longeva versão de um templo católico nos domínios do monumental Castelo de Praga. As duas primeiras, dos séculos 10º e 11, eram igrejas românicas mais simples, que preservavam uma relíquia importante para os cristãos da Idade Média, o suposto braço de São Vito.
Em 1344, uma nova catedral gótica começou a ser construída no lugar. As obras seguiram até o século 15, quando estouraram as Guerras Hussitas, um conflito religioso entre católicos e os seguidores do reformador protestante João Huss. A fúria dos hussitas e um incêndio em 1541 atrasaram a execução do projeto.
No século 15, as obras foram retomadas a conta-gotas. A catedral ganhou elementos renascentistas, barrocos, neogóticos e até art nouveau. Esse era o estilo em voga quando a São Vito finalmente foi concluída, em 1929. Entre os últimos artistas que contribuíram com a obra estava o pintor tcheco Alfons Mucha, que desenhou os vitrais da ala norte da nave. Quase 600 anos depois, uma das mais importantes construções góticas da Europa Central estava pronta.
Catedral de Colônia
Colônia (Alemanha) - 632 anos
É uma história parecida com a da catedral tcheca. Um impressionante templo gótico erguido no lugar onde havia uma igreja romanesca mais simples, também erguida para preservar relíquias cristãs — no caso, dos Três Reis Magos.
A pedra fundamental foi instalada em 1248. Em 1473, os trabalhos na torre sul foram suspensos, mas seguiram a passos lerdos na estrutura da nave. Por quatro séculos, Colônia teve uma presença constante na paisagem, a grua deixada do alto da torre. Fotografias de meados do século 19 mostram a enorme peça medieval em evidência.
No século 16, as obras estagnaram de vez. Faltavam recursos e vontade de seguir tocando uma igreja em um estilo que já não estava em voga. Somente em 1842, quando o romantismo alemão resgatou os encantos do gótico, a catedral voltou a ser uma prioridade — e empolgou: quando ela foi inaugurada, em 1880, era o edifício mais alto do mundo, com 157 metros.
Bombardeada na Segunda Guerra, ela passou por um um longo período de restauro e de escavações arqueológicas, que só foi concluído um ano depois de a catedral ter sido incluída na lista de patrimônios culturais da humanidade, em 1996. Foram mais de 600 anos de construção, apenas dez como edifício mais alto do mundo, mas tudo bem: ainda é um dos templos mais bonitos da Alemanha.
Catedral de Milão
Mião (Itália) - 579 anos
Obra-prima peculiar gótica, o Duomo de Milão demorou seis séculos, mas ela não chegou a ser dada como pronta nesse tempo. Foram quase 600 anos de trabalho, mesmo que em boa parte as obras ficassem pausadas.
As obras começaram em 1386 e seguiram firmes até 1402, quando o ritmo diminuiu e quase parou, por falta de dinheiro e ideias. Entre 1488 e 1510, a cúpula central foi projetada e construída. Nas décadas seguintes, as missas já eram frequentes, mas a catedral ainda estava longe de uma conclusão.
Em 1571, o arcebispo de Milão, Carlos Borromeo, nomeou o arquiteto Pellegrino Pellegrini para comandar a obra. A dupla quis dar ao templo uma feição mais renascentista e italiana, em detrimento do gótico, um estilo estrangeiro e fora de moda. No começo dos 1600, uma nova fachada começou a sair do papel, mas em meados do século uma nova guinada em direção ao gótico lhe deu as feições particulares.
A elaborada fachada representa uma mistura confusa do gótico tardio com elementos clássicos e permanece como um símbolo da decadência do estilo gótico", explicou a historiadora da arte Helen Gardner no clássico "Art Through the Ages" ("Arte Através do Tempo").
Em 1805, com Milão sob domínio francês, Napoleão Bonaparte ordenou que a obra da fachada fosse apressada e concluída. Ele foi coroado rei da Itália na catedral.
Mas ainda houve a inclusão de mais arcos, vitrais e outros detalhes. Com 135 pináculos e mais de 3.300 estátuas, o Duomo só foi concluído em 1965, após uma última pausa na obra,, mais que justificável: a Segunda Guerra Mundial.
Abadia de Westminster
Londres (Reino Unido) - ~307 anos
Eis um templo que viveu algumas encarnações e que, entre obras e grandes acréscimos à construção, somou cerca de 300 anos, espaçados ao longo de sete séculos. A primeira versão, concluída em 1065, foi encomendada pelo rei e santo Eduardo, o Confessor. Construída em estilo romanesco, ela levou cerca de duas décadas para ficar pronta.
Mais tarde, com a ascensão do estilo gótico na França, Henrique III desejou um novo templo para venerar Eduardo. As obras começaram em 1245, mas, em 1272, com a morte do rei, elas ficaram paralisadas por quase um século. A antiga igreja românica permaneceu grudada à nova.
Em 1376, com um novo aporte financeiro, os operários voltaram à labuta, puseram abaixo a antiga nave e trabalharam por todo o século seguinte, até 1495. Mas ainda faltavam as torres, que só foram erguidas no século 18.
Entre esses dois períodos de obras, Henrique VIII rompeu com a Igreja de Roma. A Abadia de Westminster, concebida para ser um templo católico, passou a ser uma das mais importantes igrejas anglicanas.
Hoje, ela é um importante ponto turístico de Londres, onde estão enterrados dezenas de reis, rainhas e membros da realeza, além de britânicos geniais como Isaac Newton, Charles Darwin e Stephen Hawking. Palco da coroação de 40 monarcas, incluindo a de rei Charles III, no último 6 de maio.