Grafites dão nova cara a pedreira comparada a Serra Pelada, na Paraíba
Na aridez daquele mundo pedra, entre ferramentas brutas e imensas ilhas de rochas que criam um cenário de terra devastada que já foi comparado ao de Serra Pelada, Tarciso Play fez arte.
Sem escadas nem guindaste, esse grafiteiro paraibano de 27 anos deixou estampada sua arte sertaneja em blocos de granito de uma pedreira ainda em funcionamento, inspirado nas histórias locais que ia ouvindo.
E assim, de causo em causo, Tarciso deu cara nova para Dona Inês, destino turístico a 145 quilômetros de João Pessoa, aproximadamente.
"Eu faço todo tipo de arte, a de copiar e a de fazer de cabeça", conta para Nossa sobre seus cerca de mil trabalhos já feitos em estabelecimentos comerciais, como restaurantes, escolas e até terreiro de umbanda.
Mas sua obra mais autoral é a do Memorial Lajedo da Serra, onde funciona uma pedreira de extração de granito, a principal fonte de renda de mais de 400 famílias e segunda maior fonte econômica da cidade.
O caminho das pedras
Diz a lenda que o nome da futura cidade é da época em que uma senhora branca se refugiou na região para viver um amor proibido com um negro escravizado por seu pai, por volta de 1850.
Para registrar essa e outras histórias orais, o grafiteiro Tarciso Play se inspirou nas histórias de lavadeiras e vaqueiros que o cordelista Mariano Ferreira ia contando.
O grafite é muito importante porque a gente tenta barrar a extração de pedra na parte mais alta da pedreira. É uma forma de preservar a história do lajedo e da cidade" Francisco Cunha Rodrigues, historiador e condutor de Dona Inês
Nascido no semi árido nordestino, Tarciso não demorou para encontrar inspirações para desenhar xique-xique, gravatás e gado desgarrado. Difícil mesmo foi trabalhar naquele ateliê improvisado a céu aberto em um ambiente tão hostil como aquele.
"Tem que ter coragem para fazer desenho ali. Basicamente, fiz tudo sem corda, com uma mão segurando a pedra e a outra, desenhando", conta Tarciso, que levou seis meses para fazer quatro painéis, em 2021.
Nos pontos com acesso mais fácil, chegou a usar uma escada de apoio, "mesmo assim, era ruim botar a escada porque tinha canto meio sofrido", devido aos cortes grosseiros em pedras que já tiveram algum tipo de extração.
Outra dificuldade foi a falta de um ponto de energia próximo, o que o obrigou a usar uma extensão de 300 metros para acionar a pistola de tinta.
Para preservar esses trabalhos ao ar livre, que Tarciso calcula ter usado "uns 150 litros de tinta", o artista passava primeiro uma demão da versão lavável para fazer uma base branca que penetrasse nas fissuras das pedras, seguida de uma camada colorida com tinta a óleo.
Assim como o cordelista idealizador do projeto conta para Nossa, o espaço não está completo porque "ainda há uma resistência das pessoas que trabalham ali e não querem ceder outras áreas de extração para novos grafites".
Mas dentro da dureza dos homens quebrando as pedras, temos também a leveza da arte" Mariano Ferreira
Em encontros diários pela tarde, Mariano ia narrando em detalhes histórias de plantações de sisal e de lavadeiras que trabalhavam nas antigas marmitas locais, como são chamados os buracos arredondados que formam uma espécie de ofurô no leito de alguns rios.
Qualquer semelhança é pura inspiração
Diferente de outros grafiteiros que fazem arte de rua em grandes cidades, Tarciso não espera que sua arte seja apagada.
Mesmo com a continuidade das extrações, as imensas ilhas e paredões de granito grafitados estão protegidas pela administração pública da cidade como forma de manter o local como um ponto turístico da cidade.
Guardadas as devidas proporções, geográfica e de tamanho, aquele cenário bruto lembra um curioso trabalho que Eduardo Kobra fez na Itália.
Em 2017,o artista reproduziu o Davi do artista renascentista Michelangelo em um mural de 12 metros de altura por 20 metros de largura em uma colina de mármore, em Carrara, na Itália.
Coincidência ou não, Tarciso tem o muralista Kobra como sua principal inspiração artística.
Ele também faz uns trabalhos muito inusitados que chamam muito a atenção. Eu sou muito fã daquele cara", confessa o paraibano.
A pedido da reportagem, Kobra devolveu o comentário com um depoimento.
Acho incrível o alcance da minha obra poder de alguma forma inspirar pessoas a acreditarem nos sonhos e seguirem em frente. Achei o trabalho do Tarciso muito bacana, muito coerente" Kobra
* O jornalista viajou com o apoio da PBTur e da ABEAR