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O que a busca de imóveis em áreas nobres de SP e o Tinder têm em comum

Placa de "aluga-se" em prédio da Vila Mariana, em São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress
Placa de 'aluga-se' em prédio da Vila Mariana, em São Paulo Imagem: Danilo Verpa/Folhapress
do UOL

Giuliana Bergamo

Colaboração para o TAB

14/12/2020 04h00

Subi o elevador sem olhar muito para a cara do sujeito. Estava mais entretida com a conversa no WhatsApp, de um dos meus grupos de amigas em que a maioria está solteira. O assunto do momento eram as experiências com os aplicativos de relacionamento. Uma delas tinha voltado a usar a ferramenta e compartilhava impressões.

O papo estava animadíssimo, mas tive que sair quando chegamos ao andar. Enfiei o celular no bolso e caminhei até o apartamento. Mal a porta se abriu, eu disse o que pensava. Ele então respondeu: "Agindo desse jeito, você não vai conseguir nada. Precisa decidir o que quer".

Serviria como um conselho amoroso (um tanto ríspido, embora com uma dose de razão). "Agindo assim" dizia respeito ao fato de que, àquela altura, já fazia duas semanas que eu procurava uma residência com afinco, mas não tinha gostado de nada, nem daquele apartamento, o vigésimo que considerei alugar recentemente. E o "ele" em questão era o corretor que me acompanhava na visita e, há pouco mais de um ano, trabalhava para a plataforma Quinto Andar.

Fundada em 2013 pela dupla de sócios André Penha e Gabriel Braga, a startup do mercado de aluguéis entrou para o seleto grupo de unicórnios brasileiras no ano passado, depois de receber uma rodada de 250 milhões de dólares em investimentos. Assim como fizeram outras com o mesmo perfil - entre elas, Nubank, Loggi e 99 — a empresa dominou e transformou o mercado em que atua. Começou em São Paulo, expandiu a atuação para outras 29 cidades — oito delas são capitais — e, neste ano, entrou também no negócio de compra e venda.

Um novo jeito de se relacionar

É tentador dizer que a startup é a Uber do mercado de imóveis. Mas, na verdade, está mais para o Tinder dos aluguéis. Isso porque, além de ser uma vitrine de imóveis online, como outras já faziam, e de usar a tecnologia para aproximar as duas pontas (proprietários e inquilinos), a empresa mudou o comportamento desse mercado. E de uma forma muito parecida com a dos apps de relacionamento: é tudo rápido e direto ao ponto.

Não tem mais aquele lance de bater muito papo com corretor, ouvir conselhos, gastar tempo andando por bairros onde não tem nada de interessante. Um algoritmo (sempre eles!) conecta os perfis mais relevantes para os dois lados. Isso, é claro, otimiza a busca pela residência dos sonhos e poupa os envolvidos de negociações que poderiam não levar a nada (ou a contratos que dariam muito errado).

"No processo de locação de imóveis, tanto inquilinos quanto proprietários ficam um pouco em dúvida sobre o que está acontecendo. Será que esse cara de fato está oferecendo um preço que é justo? Ou, do outro lado: e se ele deixar de pagar o aluguel? Acabamos com esse problema", afirma André Penha, um dos fundadores da startup. Ele diz isso porque, pela Quinto Andar, não é preciso ter fiador. A empresa embute uma taxa no valor acertado e, em caso de inadimplência, arca com o prejuízo sem onerar o dono do imóvel.

O custo final, é claro, acaba ficando mais alto. Pode ser bacana para quem não tem um parente ou amigo do peito para dar o próprio imóvel como garantia de inadimplência, mas é um inconveniente para quem tem esse amigo, já que não há a opção de abrir mão da taxa e apresentar um fiador.

Em busca do imóvel perfeito

Com o contrato vencido e o anúncio de que, virando o ano, o aluguel aumentaria, decidi me mudar. Durante a pandemia, parece que eu não sou exceção. Muita gente está fazendo o mesmo movimento — foi o que me disseram este e outros corretores com quem encontrei. Entrei em contato com o Secovi (Sindicato da Habitação na Internet) em busca de uma confirmação dos dados. Segundo a assessoria de imprensa, não há um índice ou pesquisa que comprove a informação, mas a "sensação" é essa mesmo.

Procurar um novo lar é um tanto trabalhoso, mas achei até bom. Talvez fosse esta uma oportunidade para adequar melhor as necessidades de moradia enquanto a vacina não vem. Instalei até o aplicativo no celular. Em momentos de tédio, ansiedade ou solidão, era para ele que eu corria. Rolava a tela, me encantava com uma ou outra foto, dava uma espiada no perfil e, quando parecia bacana, agendava a visita. Ao contrário do que já fiz muitas vezes quando usava apps de relacionamento, fui até o fim e apareci para, pelo menos, conhecer os imóveis.

Cheguei a me apaixonar por alguns apartamentos. Ah, que janelas, que entrada de luz natural, que pés direitos altos, aquele charme dos antiguinhos cheios de história, um leve ar de decadência, mas muito espaço para colocar móveis novos e coloridos, meus quadros na parede e espalhar minhas estantes de livros. Mas o preço? ou a localização? ou...

"Moça, nem sempre dá para ter tudo o que a gente procura. Você não está escolhendo o lugar para passar o resto da vida, vai ficar aqui um, dois anos. Se não gostar, pode se mudar", completou o corretor-conselheiro.

Tá tudo dominado

Como sou uma moça de família (tsc, tsc, tsc), não estava a fim de pagar mais caro para abrir mão do fiador. Na minha empreitada, então, tentei escapar da startup, mas foi quase impossível encontrar um imóvel disponível que não estivesse nas mãos dela. Isso nos bairros de classe média. Lugares como Jardim Angela, Campo Limpo ou Capão Redondo nem aparecem nos filtros de busca.

Caminhei pelas ruas de que gosto, bati o olho nos edifícios e casas que pareciam ser o que eu esperava e tomei a iniciativa. Fui logo chegando com o meu: "Oi, bom dia, tem algum apartamento para alugar?". Ter, até tinha, mas a resposta era quase sempre essa: "Só com a Quinto Andar." Durante exatos 14 dias de busca, só consegui escapar dessa onipresença em dois casos: uma casinha que acabara de vagar e tinha placa de uma corretora de bairro; e um apartamento em um prédio antigo, cujas chaves estavam com o porteiro.

Bora sair hoje?

A nova dinâmica eliminou boa parte da burocracia e deixou a negociação mais ágil. Segundo a empresa, pelos modos convencionais, leva-se cerca de 40 dias para alugar uma residência. Pela Quinto Andar, são apenas quatro. "Nosso recorde foi 1h30", contou André.

Praticidade é tudo na vida, mas essa velocidade toda também pode confundir um pouco as coisas. Os imóveis, de fato, são alugados muito rapidamente - só fica sem casa quem quer (ou quem não sabe o que quer). Marquei uma visita para a tarde do mesmo dia, mas, logo depois, percebi que não chegaria a tempo e cancelei. No dia seguinte, tentei reagendar e o apartamento já estava reservado.

Isso tudo causa uma certa ansiedade: e se o proprietário receber uma proposta de outra? Ao mesmo tempo, há o medinho de se comprometer muito rápido em um contrato de algo que não era exatamente o que a gente estava esperando. Esse frenesi, aliás, é uma estratégia de marketing: o app mostra há quanto tempo os imóveis estão disponíveis e quantas pessoas já visualizaram cada perfil. E os corretores dão aquela forçada de barra no melhor estilo "bora sair hoje?". Eu tinha acabado de entrar em um apartamento quando um corretor foi dizendo: "Já tem uma pessoa fazendo proposta para esse apartamento, moça. Se você gostou, é melhor fazer a sua logo, se não, perde".

O pior é que eu topei. Sugeri um valor, o cara aceitou, a negociação até avançou, mas tive um momento de serenidade e percebi que aquele era pequeno e barulhento demais para mim. Eu não precisava me rebaixar tanto.

Não foi a única proposta que fiz. Dei o segundo passo para a locação de um apartamento um pouco maior, que tinha uma janela com vista e floreiras lindas. Sugeri um valor um pouco abaixo do que o anunciado e adivinha? Fiquei sem resposta. Quem nunca tomou um ghosting nessa vida não sabe o que é amor não correspondido.

Amante à moda antiga

No meio do caminho, conheci um outro corretor que, assim como eu, estava descontente com tanto pragmatismo e pouco romance, embora já trabalhe "há uns cinco anos" com a Quinto Andar. Para responder às minhas perguntas, ele precisava checar o aplicativo, o que o incomodou.

"Nunca vim a este apartamento, moça. Na verdade, agora sou um mero porteiro, não tenho mais vínculo com o lugar, com os clientes", disse o senhor magro, usando um velho tênis e uma calça desbotada, que, me contou também, ainda convivia com as sequelas da Covid, contraída meses atrás.

Perguntei ao André Penha sobre a relação com os corretores."Se a gente está muito acostumado com uma coisa, quando vem algo diferente, acha que está errado. No começo, uma parte dos corretores falou que não ia funcionar porque precisa conhecer o imóvel, o cliente, pegar na mão da pessoa. Gente, a pessoa vai marcar a visita e você, se quiser, pode olhar para ela".

Pode ser verdade, mas para quem curte uma negociação com história — como eu —, dá um certo desânimo, uma desesperança. Cadê o acaso, aquele frisson de passar batido por uma rua, ver a placa, fazer uma visita que não estava nos planos? Vai que a coisa desenrola e eu saio com aquele mix de alegria e ansiedade para saber se o negócio vai dar certo.

Namore alguém que te olhe como uma janela com vista

Foi quando o papo com as amigas no WhatsApp se cruzou com o xeque-mate do corretor que resolvi fazer minha empreitada virar reportagem. Pode soar piegas, mas não é de hoje que o paralelo entre um lugar para morar e alguém para me acolher de conchinha passa pela minha cabeça. Um dos trechos de livro de que eu mais gosto, do "Memorial do Convento", do Saramago, diz assim: "olharem-se era a casa de ambos". Talvez não seja à toa que me apaixone por janelas

No papel de repórter, não mais de cliente, liguei para o corretor do começo da história. Combinamos que eu não usaria o nome dele porque ele "queria me ajudar, mas a empresa não permite que falem em nome dela sem autorização".

Ele também me contou que, ao contrário do outro senhor, gosta da plataforma porque, assim, fecha muito mais negócios do que antigamente e - nada de ficar na seca. Ele consegue garantir uma boa renda todo mês. Os corretores chegam a ficar com até 40% do valor do primeiro aluguel. A porcentagem vai aumentando conforme conseguem fechar mais negócios. Eu quis também confirmar algo que ele havia me contado sem muito compromisso, durante a visita ao apartamento: que algumas pessoas fazem o agendamento "só para passear".

"Sabe como é, tem gente que sonha com as coisas, entra no aplicativo, vê um imóvel onde gostaria de morar, mas não é a realidade dela. Então eu percebo que tem isso: pessoas que não vão alugar, mas querem conhecer", afirmou.

Lembrei dos meus amigos e amigas que não namoram com ninguém que conheceram nos apps, mas dizem: "Ah, conheci muita gente bacana". Lembrei também do punhado de casais que se encontraram no Tinder, no Happn, no Bumble e estão muito felizes juntos.

Eu, no entanto, nunca me dei muito bem com esse negócio. Algoritmos parecem não funcionar com pessoas indecisas. Resolvi, então, ocupar a casa que foi dos meus avós, o lugar onde eu cresci. Assim posso economizar uns reais e aproveitar o quintal com minhas crianças enquanto a pandemia não nos dá muitas opções (vem, vacina, vem!). Nada como voltar às origens para descobrir o que a gente quer da vida.

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