'Sobrevivi por milagre', diz cantor após acidente aéreo e 24 dias em mata
"Foram 24 dias sofridos demais, não tem nem como explicar tudo o que passamos. Foram 24 dias sem comer nada. A gente até procurava, mas não achamos nenhuma fruta na mata. Sobrevivemos só com a água de poças e da chuva."
O relato é do cantor sertanejo Matheus Soliman, de 22 anos. Ele e o amigo Fábio de Souza estavam desaparecidos desde o dia 4 de outubro em uma área de mata depois de sofrerem um acidente aéreo.
Matheus foi localizado ontem, após conseguir pedir ajuda em uma fazenda em Colniza (MT), cidade que fica na divisa com Rondônia. Agora, o cantor já está retornando para casa. A viagem entre Colniza e Primavera do Leste (MT), onde mora sua família — um percurso de 1.250 km.
Durante o longo trajeto, que deve demorar cerca de 20 horas para ser percorrido, Matheus conversou com a reportagem do UOL. De acordo com o jovem, que sonha em ser piloto de avião, ele foi até São Luís (MA) para fazer um curso de pilotagem. Depois de uma semana de treinamento, ele e Fábio, que também era aluno, foram fazer um voo teste entre a capital maranhense e a cidade de Machadinho do Oeste (RO). A cerca de 400 km, do destino o avião teve uma pane.
"Eu sou piloto em formação, conheço bem avião e, como estava me saindo bem nas aulas, eles pediram para fazer uma viagem-teste. Tanto é que consegui lidar com a pane e fiz um pouso forçado. Assim que conseguimos sair da aeronave, ela pegou fogo. Eu e meu companheiro estarmos vivos é um milagre", explica.
Ainda segundo o cantor, depois do acidente, eles passaram a caminhar em mata fechada em busca de ajuda. Conseguiram tirar da aeronave apenas uma mochila com algumas garrafinhas d'água.
"Nos primeiros dias, a gente encontrou um rio. Ficamos caminhando às suas margens, mas uns sete dias depois, a gente entrou na mata e nos perdemos, aí acabamos ficando sem água. Quando chovia, usávamos folhas como recipiente para conseguir pegar a água da chuva e beber; outros dias, encontramos poças de água da chuva e tomamos daquela água mesmo. Tentávamos fazer um filtro com a camiseta para beber essa água, para não vir a terra e a sujeira para a garganta", relata Matheus.
Por ser área de mata fechada, e não saber a localização exata de onde foi o pouso forçado da aeronave, o jovem não sabe quantos quilômetros eles caminharam até encontrar ajuda. Ele estima que tenha percorrido mais de 50 quilômetros.
"Na mata fechada, você não tem noção de localização e por muitos dias acabamos andando em círculo e nos perdendo muitas vezes. Manter o psicológico era o mais difícil. Muitas vezes pensamos em desistir, chegamos a pensar em suicídio, mas um ia dando forças para o outro e ajudava acalmar a situação", relata o cantor sertanejo.
"Minha maior força era minha filha, que nasceu no período em que eu estava perdido. Todo dia eu pedi: 'Deus, deixa eu conhecer a minha filha'", acrescenta.
Ajuda em fazenda
Foi em uma fazenda que Matheus conseguiu pedir ajuda. Lá ele recebeu abrigo, comida e água. Com o celular de um dos moradores do local, ele conseguiu fazer contato com a família através de uma chamada de vídeo.
"Liguei por chamada de vídeo para a minha mãe. Por duas vezes ela não atendeu, só na terceira ela aceitou a chamada. Quando ela me viu, ela só conseguiu gritar 'meu filho' e já começou a chorar. Eu comecei a chorar do outro lado da linha e foi só choro. Na hora, minha esposa estava ao lado da minha mãe e pude conhecer a minha filhinha", conta.
O acidente aéreo
Matheus decolou no dia 4 de outubro, às 7h da manhã, do Aeródromo de Paço do Lumiar (MA), com destino a Machadinho do Oeste, em um avião PT-VJV Seneca 3, com um passageiro. O último sinal da aeronave foi registrado em Paragominas (PA), cidade que fica a 314 km de Belém.