A 'uberização' do pornô: influencers do sexo estão mudando o mercado adulto
Na era de influencers em redes sociais interagindo diretamente com seus seguidores, o desejo de consumir algo feito sob medida ou de forma mais pessoal está determinando bastante a linguagem do mercado de consumo. E, claro, isso se estendeu para o mundo do pornô. Nos últimos dez anos, o consumo de conteúdo adulto deixou de se concentrar nas produtoras tradicionais para ser capitaneado por seus próprios "influencers", que produzem vídeos e fotos de forma independente, de acordo com os gostos de seus seguidores.
Hoje, basta um smartphone com pacote de dados para alguém virar um pornógrafo. As opções são vastas: desde ser modelo de webcam, exibindo-se ao vivo para espectadores, até vender fotos e vídeos em sites de "venda de nudes". Um dos mais populares é o OnlyFans, criado em 2016 pelo britânico Timothy Stockely, um executivo da área de tecnologia envolvido com sites de transmissão de vídeo via webcam. Seu funcionamento é bem simples: a pessoa faz um perfil no qual publica fotos e vídeos exclusivas, e o acesso só é liberado se o usuário pagar algo em torno de US$ 5 a US$ 25 por mês (R$ 21 a R$ 105).
O OnlyFans conta hoje com 70 mil criadores, publicando conteúdo diariamente para 7,5 milhões de usuários. A interface do site é muito parecida com o Twitter, incentivando o criador a interagir com seus seguidores. Estes podem desfrutar do material disponível no perfil para assinantes ou, caso queiram algo mais personalizado, pagar um valor adicional por vídeos ou fotos produzidos sob medida.
Os criadores mais bem-sucedidos do site podem levantar até 15 mil dólares por mês, mas essa promessa de dinheiro fácil depende de muitas variáveis. Para Vanpsuicide*, camgirl e modelo alternativa brasileira, o sucesso financeiro no OnlyFans está ligado ao número de seguidores que o criador tem nas redes sociais e do quanto ele se dedica à plataforma. Quanto mais conhecido, maiores as chances de faturar. No perfil da modelo estão disponíveis mais de 600 fotos e 200 vídeos, por uma assinatura de 12 dólares mensais.
"Depende de você, da promoção que você faz, dos vídeos que você manda", explica. "Dá pra sobreviver de criar conteúdo se você conseguir fazer bastante propaganda. O máximo que consegui por lá foi 1.000 dólares por mês, ainda não consigo depender só disso. Só que vale mais a pena fazer conteúdo próprio do que trabalhar com pornografia."
A modelo brasileira Marjorie Suicide está se adaptando ao site, publicando cerca de três fotos por dia e quatro vídeos por semana. "No momento, vivo disso [de ser camgirl e modelo], mas o que mais me dá lucro é o OnlyFans", conta. "Ainda sou novata no site, mas meus lucros vêm crescendo bem. Estou entre os 10% mais acessados de todos os criadores, já consegui tirar em um mês em torno de US$ 2 mil [cerca de R$ 8,5 mil]."
Ambas as entrevistadas também trabalham como camgirls em outras plataformas, cujo serviço não é muito diferente do OnlyFans. Nos sites de webcam, cada produtor de conteúdo tem sua página, em que divulga seu trabalho e avisa aos clientes sobre quando vão fazer um livestreaming ou publicar um vídeo novo. Em troca recebe gorjetas, e uma parte delas é destinada ao site como comissão. O atrativo para o OnlyFans é a taxa cobrada pela empresa — 20%, contra os 40 a 60% cobrados por outros sites de webcam.
Pornô democratizado
Vale dizer que essa mudança radical na produção pornô, em comparação ao funcionamento da indústria nos anos 1970, não aconteceu exclusivamente por conta do crescimento dos influencers nas redes sociais. A entrada agressiva de empresas de tecnologia nessa área, por volta de 2006, mexeu com as bases. Até então a indústria funcionava da forma "tradicional", com diversas produtoras que contratavam performers para gravar filmes e vendê-los em seu site, acessível por assinatura.
O cenário do mercado adulto mudou drasticamente com a entrada da empresa MindGeek na jogada. Considerada a "Amazon" da pornografia, a empresa, além de possuir os maiores sites de streaming pornô responsáveis pela disseminação de conteúdo pirata, comprou grandes produtoras do meio e dominou a indústria. Foi praticamente como se The Pirate Bay comprasse toda a indústria de filmes de Hollywood. Por conta disso, as produtoras tiveram de aceitar a MindGeek no jogo e aumentar o volume das produções, obrigando atrizes e atores pornôs a trabalharem mais ganhando menos e fazendo cenas mais extremas. Hoje, os sites de streaming são o principal caminho para consumir pornografia. É quase uma versão "proibida para menores" do YouTube.
No Brasil, o mercado pornográfico nunca foi tão vasto quanto o internacional, mas sofre da mesma forma com a pirataria na internet. Sabendo que é impossível competir com a pirataria desenfreada no streaming, cada vez mais performers estão deixando de trabalhar para produtoras conhecidas, e investem tempo e dinheiro na produção de conteúdo próprio.
Fernandinha Fernandez é um exemplo dessa tendência. Ela começou como performer em produções da Brasileirinhas, uma das empresas pornô mais conhecidas do país, mas nos últimos dois anos tem publicado vídeos por conta própria em um canal hospedado no Xvideos, um dos maiores sites de streaming pornô do mundo.
A performer ganha dinheiro monetizando cliques e através da venda de conteúdo exclusivo para assinantes. Quanto mais visualizações, mais dinheiro na conta. No site existe uma seção gratuita, acessível por qualquer pessoa, e uma seção paga, na qual os assinantes pagam 10 dólares por mês para ter acesso a vídeos na íntegra e conteúdo inédito. Somando as visualizações da seção gratuita e da seção paga, a performer diz acabar faturando duas vezes com o mesmo vídeo.
O trabalho de Fernandez triplicou: agora ela não precisa apenas atuar, mas também editar os vídeos e subir para o seu canal. Mesmo com carga maior de trabalho, a performer diz que o esquema vale a pena por ser mais rentável e pela chance de estabelecer suas próprias regras ao gravar uma cena de sexo. "Na Brasileirinhas eu tinha que esperar eles me chamarem para trabalhar. Eu até podia ligar pedindo trabalho, mas se não tivesse nada pra mim, não fazia diferença. No meu canal, também posso gravar com quem eu quero, a história que eu quero, do jeito que quero. Sou eu que mando", conta.
Os vídeos no canal de Fernandinha acumulam mais de 180 milhões de visualizações, entre cliques de assinantes e não-assinantes. Cerca de US$ 100 (R$ 420) entram a cada milhão de visualizações, e o valor total é resgatado pela performer no fim do mês. Mas para ganhar bem é preciso entender o que seu público consome, e estar preparado para a mordida da comissão de 50% cobrada pelo Xvideos. "No meu canal, um vídeo dá certo quando tem muitos homens. Mas tem uma menina que só faz vídeos sozinha e ganha muito bem. É uma questão de entender o que os assinantes buscam no seu canal", explica.
Segundo a performer brasileira, cada vez menos pessoas estão fazendo filmes com produtoras. "Hoje em dia não existe mais ninguém que faz com produtora. Não vale a pena, porque, vamos dizer, se a produtora paga bem por uma cena, vai ser na faixa de R$ 1.000 ou R$ 2.000. O tanto que você vai tirar pela cena não compensa," diz.
Fernandinha relata boas experiências em produtoras, mas a indústria adulta mundialmente recebe denúncias de abuso contra performers. É uma área pouco muito fiscalizada, o que abre espaço para condições precárias de trabalho, estigmatização da sociedade e acordos injustos entre as performers e os contratantes. Atualmente, trabalhar de forma independente com pornografia se tornou uma opção viável e mais segura para muita gente.
Precariado do sexo
Porém, é preciso tomar cuidado em romantizar essas novas relações de trabalho para os que trabalham com sexo. "Não só na profissão de camgirl, mas todas as profissionais do sexo (seja ele real ou virtual) carregam o peso de uma marginalização profunda, que tem como uma de suas consequências a falta de informação", explica Mayumi Sato, diretora de marketing e pesquisadora do Sexlog e blogueira do UOL.
Nos últimos anos, pesquisadores e jornalistas têm se debruçado no cotidiano de trabalhadores de aplicativos para registrar como funcionam essas novas profissões do século 21, mas pouco ainda se sabe sobre a realidade de trabalhadores sexuais e o impacto real de empresas detentoras de tecnologia sobre essas atividades. Xvideos e o OnlyFans, por exemplo, não divulgam dados e seus donos são avessos a explicarem como funciona seu modelo de negócios. Leis recentes aprovadas nos EUA, a fim de coibir o tráfico sexual de pessoas, são apontadas como um dificultador para quem trabalha com webcam ou prostituição receber dinheiro online. O trabalho sexual não é ilegal, mas a discriminação sobre ele facilita a exploração de pessoas na área.
"Acredito que todas as pessoas sejam capazes de cuidar de si mesmas e tomar suas próprias decisões. Mas quando tratamos o sexo como algo a ser evitado e não discutido, fica difícil evoluir e cobrar a autonomia de jovens que estão, nesse momento, tomando decisões cruciais sobre profissão, independência financeira e relações de trabalho. Some-se a isso o fato de não termos uma educação financeira adequada, que dificulta a análise de custo, investimento, retorno a curto, médio e longo prazos para empreender, ou tornar-se 'o próprio chefe'", diz.
Não se sabe em média quanto tempo um criador de conteúdo pornô gasta trabalhando com isso, mas o espírito de "empreendedor" de quem trabalha de forma autônoma é algo comum na área. Foi-se o tempo em que a aparência e a performance determinavam o sucesso de um performer. O pornógrafo do século 21 precisa ser uma produtora inteira em uma só pessoa.
A carga pesada de trabalho e a própria exigência de estar sempre online e exposto já estão afetando a saúde mental dos influencers. Segundo um estudo realizado por uma empresa de tendências, quase metade dos 350 influencers entrevistados disseram que o trabalho os afeta psicologicamente. "No próprio YouTube, pipocam reclamações de produtores que trabalham exaustivamente, investem para criar conteúdo de qualidade, geram muito engajamento para a plataforma, que não é adequadamente traduzido em faturamento para o dono do canal", frisa Sato. Ou seja, não são questões particulares do trabalho de livecam, é comum ao mercado de conteúdo e influenciadores como um todo, mas é por isso que acho importante lembrar que há custos emocionais e sociais específicos, que esse tipo de trabalho sexual (ou sensual) carrega."
O mercado pornográfico sempre esteve conectado à democratização das novas tecnologias. Nos anos 1980, o mercado adulto transicionou dos cinemas para o VHS. Foi também um dos primeiros a apostar na comercialização de DVDs, e mais tarde na criação de conteúdo exclusivo para a internet e vendas online. No entanto, a própria tecnologia em que a pornografia tanto apostou acabou sendo a ruína do seu modelo de negócios tradicional. Hoje, são as empresas de tecnologia que intermedeiam nossa relação com o pornô, o que não é muito diferente de nossa relação com aplicativos de transporte e entregas.
*O nome real foi preservado a pedido da entrevistada.