Após depressão, brasileiro que dançou com J.Lo disputa The Voice alemão
A nova temporada do The Voice Alemanha, que teve o teaser divulgado nesta semana, está repercutindo entre brasileiros nas redes sociais. A atração musical tem no elenco um participante de Taquarituba, interior de São Paulo, que há três anos vive na cidade de Hamburgo. Bastante expansivo e determinado, o talentoso Oxa chamou a atenção do público ao compartilhar, em um depoimento dado ao programa, parte de sua história de superação.
Em entrevista ao UOL por telefone, direto da Alemanha, Oxa contou um pouco mais sobre a sua vida: da experiência de dançar com Jennifer Lopez a momentos difíceis que também o ajudaram a chegar aonde está hoje. Aos 29 anos, ele se define como "gender fluid" (gênero fluido), ou seja, o dançarino, cantor e ator não se vê somente como homem ou como mulher. É na pele de Oxa, seu nome artístico, que ele conseguiu encontrar a maneira ideal para se definir e também para se expressar nos palcos.
Quando escolhi esse nome, eu já me aceitava como gender fluid. O nome masculino me limitava muito. Queria um nome com o qual eu me identificasse. Oxa é uma caixinha de surpresas. É um nome bonito, que eu vejo como uma marca também. Se um dia surgir uma coleção Oxa, quero que as pessoas entendam que roupa não tem gênero. Se gostou da blusa, você veste.
Ele explica o significado do nome, que nasceu de um sonho e cuja inspiração vem de Oxalá: "A letra O quer dizer tudo o que pertence ao masculino e a letra A tudo o que pertence ao feminino. O X é a minha alma, o meu espírito e a minha essência, com todas as referências de masculino e feminino".
Mas o processo de construção de sua identidade, que tem Ney Matogrosso, Elis Regina, Linn da Quebrada e Liniker como inspirações musicais, teve início lá atrás, quando ele ainda atendia pelo nome de Cleiton Sia. Filho adotivo de pais separados, cresceu com a irmã em um sítio no interior e, desde cedo, era ligado às artes.
Após experiências com teatro e dança, ele participou de seu primeiro programa na televisão, o reality Se Ela Dança Eu Danço, do SBT, em que ficou em segundo lugar. A partir daí, o dançarino decolou na carreira e não parou mais.
Foi ainda como Cleiton que ele venceu um concurso promovido por Jennifer Lopez e trabalhou como um dos dançarinos da popstar, fazendo parte de um grupo de bailarinos que se apresentou no show dela em Las Vegas. Sem falar inglês nem espanhol, ele foi para os Estados Unidos e, por três meses, esteve lado a lado com a diva de sua vida.
"Um dia, lá estava eu no backstage, e ela me diz: 'Quero você no meu show no Brasil'. Eu nem entendia direito o que ela falava! Eu só balançava a cabeça. Foi uma experiência única e que me deu muita confiança para os trabalhos que fiz mais tarde em musicais."
No fim, ele não conseguiu se apresentar com J.Lo no Brasil, pois havia acabado de ser aprovado para dançar na versão brasileira do musical O Rei Leão. Na sequência, vieram mais duas adaptações de espetáculos da Broadway, Tarzan e Kinky Boots, mas agora na Alemanha. E a feliz descoberta de que tinha talento também para cantar.
Perda da irmã e do pai
Determinado em focar a carreira fora do país, Oxa sofreu dois grandes baques que quase o fizeram desistir de seu sonho: a morte da irmã, em novembro de 2017, e, dois meses depois, a morte do pai, ambos vítimas de câncer.
"A minha irmã sempre soube aonde eu chegaria. Quem não sabia era eu. Ela me falava: 'Continua, você não pode parar. E cuida da mãe'." Ele acredita que seu maior sucesso pessoal foi conseguir transformar momentos de dor em superação. "É uma barra pesada, mas estou superando. Minha mãe é a pessoa mais importante da minha vida e o que me fez chegar até aqui", diz. Se a arte o ajudou? "Ela ainda me salva."
A participação no The Voice Alemanha, ele afirma, expõe essa fase delicada de sua vida. A estreia está marcada para o dia 12 de setembro, e ele mantém mistério sobre o seu destino no programa: se os jurados vão ou não virar as cadeiras.
"Não fiquei muito feliz com essa minha audição, porque eu estava sem voz. Eu quis mostrar tudo em menos de um minuto e meio. Estava depressiva, sem acreditar mais em mim. O The Voice vai contar essa minha história. Eu já me sinto uma vencedora porque passei por muita coisa até chegar aqui. Estou muito feliz de o programa ter me aceitado, porque estou levantando a bandeira LGBTQ+. Para mim já é um troféu, e eu posso dizer a todos, gays, trans, travestis, que é possível", incentiva.
Decepção com Rodrigo Faro
Um dos momentos difíceis da trajetória de Oxa coincide, segundo ele, com uma das fases de maior aprendizado e de evolução profissional: quando ele dançou com Jennifer Lopez.
A oportunidade de ir para os Estados Unidos surgiu após ele participar de um concurso promovido por aqui pelo extinto programa de Rodrigo Faro, O Melhor do Brasil (Record), em 2012. Foi a atração que trouxe ao país o reality da cantora norte-americana, chamado Q'Viva!, que buscava um dançarino para seu novo show. E, apesar de ter vencido, Oxa conta que se sentiu enganado.
"O Faro falou no programa que eu seria bailarino da J.Lo. Quando acabou, ele me falou que estaria em Vegas comigo e que a TV ia cobrir tudo. No final das contas, eu cheguei sozinha aos Estados Unidos e me senti como um cachorro na rua. Não tive respaldo e entrei em depressão", afirma.
"Só lá eu fui entender o que havia acontecido. A Jennifer Lopez estava produzindo o show com vários grupos da América Latina, e isso o Rodrigo Faro não tinha explicado direito. Eu achava que eu ia fazer carreira internacional com a Jennifer Lopez, que ia acontecer um boom na minha vida. Eu me senti enganada."
Além da falta de apoio do programa, Oxa alega que Rodrigo Faro não cumpriu com a palavra de acompanhá-lo a Las Vegas ? e que também não o procurou após ele voltar ao Brasil para contar como foi a sua experiência. "Eu me senti sozinha, largada. Ele disse que iria me acompanhar para mostrar os bastidores do show", lamenta.
Apesar da decepção, ele afirma ter superado de certa forma o trauma e diz que está pronto para, quem sabe um dia, tentar a sorte em outro reality brasileiro. "Quem sabe voltar para a Record e participar do Dancing Brasil", brinca.
Procurada, a Record não quis comentar o caso e afirmou apenas que o dançarino ganhou o prêmio, como prometido pelo programa.