Erro e mentiras: História de ataque de tigre que chocou Las Vegas ganha nova versão
Em 2003, um incidente chocou quem assistia a um espetáculo com domadores de animais no hotel Mirage, um dos maiores de Las Vegas. A estrela da apresentação era o tigre branco Mantacore. À sua frente, estava Roy Horn - colíder da Siegfried & Roy, duo de mágicos famoso por sua performance com animais e ilusionismo. E, pouco após o início da apresentação, Horn foi parar na boca de seu "comandado".
A história mudou as regras para espetáculos com bichos, ocasionou o fechamento da Sigfried & Roy e ganhou uma versão um tanto fantasiosa: segundo Horn, ele sofreu um derrame em plena apresentação e o animal o salvou, levando-o para os bastidores. Mas em entrevista ao The Hollywood Reporter, um dos principais cuidadores de Mantacore falou pela primeira vez do ocorrido, após anos sendo escondido pelos ex-patrões. E ele alega que mentiras e um erro foram determinantes no caso, que permaneceu sem respostas oficias após investigação.
Chris Lawrence é o responsável por dar a nova versão dos fatos. Ele era o integrante da equipe que ficava à beira da apresentação de Horn e tinha que agir caso as coisas saíssem do controle. Foi o que ele fez, com pouco sucesso, tendo de se desdobrar para tentar distrair o tigre e fazê-lo soltar seu patrão, arrastado pelo pescoço.
O incidente aconteceu em 3 de outubro de 2003 e marcou o 59º aniversário de Roy Horn, o domador de animais do duo - Fischbacher era o ilusionista. A data, inclusive, foi uma das casualidades que levaram à mordida. Mantacore, um tigre branco de 180 kg e mais de dois metros de comprimento, era a maior estrela da companhia. Horn cogitou usar um dos filhotes mais novos para a data. Como tinha amigos e familiares presentes, Lawrence o encorajou a mostrar seu tigre mais precioso.
"Esse momento me assombra até hoje e é uma praga que me gera uma enorme culpa. Eu fui a pessoa a convencer Roy a usar o tigre que acabou atacando e fechou a atração de maior sucesso da história de Las Vegas", lamenta Lawrence.
Os erros
O domador conta que um dos fatores que mexeu com o tigre foi um distanciamento de Roy Horn, que passava cada vez menos tempo com os bichos. "Ele estava tratando os tigres mais como propriedades do que com o respeito que eles precisam".
O segmento do show se chamava "The Rapport", e nele a ideia era mostrar a proximidade dos animais com Horn. "Você pode falar oi para o público?", dizia ele. "Agora vamos dançar", chamava, colocando os tigres com as patas em seus ombros.
Para o espetáculo de 3 de outubro, Lawrence pensava estar em apenas mais uma das centenas de apresentações que fez. No entanto, logo no começo ele percebeu que as coisas não estavam como o habitual. O tigre já entrou ficando longe da marca em que devia. "Mantacore costumava funcionar no automático. Aquilo eram águas que nunca tínhamos navegado."
O erro crucial de Roy Horn, omitido de todas as investigações posteriores ao caso, veio a seguir. "O que Roy fez, em vez de circular com Mantacore, como era sua rotina, foi usar seu braço para girá-lo, fazendo um movimento de pirueta. O focinho de Mantacore estava de encontro com o corpo de Horn e, sem seguir as normas de segurança com o animal, ele o levou à confusão e rebelião".
Lawrence relata que Mantacore entrou em seu modo mais selvagem, com orelhas levantadas, pupilas dilatadas e bigodes eriçados e mordeu o braço do domador. Horn, sem saber o que fazer, bateu com seu microfone no tigre, que o soltou. Mantacore ficou fitando fixamente Horn.
Lawrence entrou no palco, sem correr. "Eu caminhei. Nunca se corre com felinos. Poderia adicionar estresse à sua resposta". O domador tentou jogar um alimento para o tigre, que o ignorou. Depois, tentou pegá-lo pela coleira. Quando Horn tentou se afastar, Mantacore atacou de novo e o derrubou. Lawrence ainda tentou agir novamente: "Eu me lembrei vividamente de experimentar tudo o que se fala de experiências antes da morte. Foi muito desesperador, parecia uma eternidade e eu só conseguir pensar que deixaria meus filhos".
Mas a atenção do tigre estava em Horn. O felino mordeu a parte direita do pescoço do domador e o carregou para os bastidores. Lawrence só conseguiu fazer o tigre soltar o homem com uma técnica de colocar seus dedos dentro da boca do bicho. Sem sua presa, Mantacore se acalmou, voltou à sua cela e nunca teve mais incidentes assim.
Horn foi levado às pressas para o hospital, com uma severa hemorragia que lhe causou um derrame e sequelas. Hoje, ele fala e se locomove com dificuldades.
Omissão e depressão
O caso foi investigado de forma polêmica, ouvindo quase que apenas os chefes da companhia. Lawrence diz ter dado um depoimento, que nunca chegou a público. Ao mesmo tempo, a Siegfried & Roy dava uma versão dos fatos que pretendia ao máximo tirar dos animais a culpa - mas também não deixar a companhia ser responsabilizada pelo fato.
"Apesar de Roy infelizmente ter ficado com as sequelas físicas do ataque, não é só ele quem sofreu", diz Lawrence. Ele diz que se viu próximo de ser usado como bode expiatório no caso e que, mais que isso, desenvolveu uma forte depressão. O domador mudou de cidade e de emprego, caiu no álcool e diz que isso quase custou a sua vida. "Ele mudou. Um pedaço dele morreu naquele dia", diz a mulher do domador, Alicia.
Falar sobre isso mais de 15 anos depois surgiu como uma forma de combater estes demônios e também garantir que uma cinebiografia da dupla do entretenimento não passe novas mentiras.
Hoje, a Siegfried & Roy se mantém apenas com um zoológico em Las Vegas, no mesmo hotel, o Mirage, com direito tigres, leões e leopardos. Horn e Fischbacher foram procurados pelo The Hollywood Reporter, mas não responderam à reportagem.
Há dez anos, a dupla fez uma apresentação especial em um programa para a caridade, na TV. Nele, apresentaram uma técnica de ilusionismo em que Fischbacher era substituído por um tigre, apresentado como Mantacore. Lawrence apontou aí mais uma mentira da dupla, alegando que se tratava de outro animal.
Apesar do ataque, Mantacore viveu até os 17 anos e morreu apenas em 2014.