"Fiquei mais conhecido quando puseram HIV positivo no meu rosto", diz vocalista do Erasure
Soropositivo há duas décadas, Andy Bell, vocalista do Erasure, quer um pouco de respeito. Para ele, pioneiro em escancarar a homossexualidade nos anos 1980, para sua banda, tão rotulada como “grupo gay”, e principalmente para o mundo, que compara a uma caótica caixa de Pandora destampada pela tecnologia. Além disso, Andy também quer botar todo mundo para dançar.
“Acho que fiquei mais conhecido quando as pessoas botaram um ‘HIV positivo” no meu rosto. Tive um pouco mais de problema na época, pois isso ainda era uma incógnita”, diz ele em entrevista ao UOL. “Hoje [ter HIV] é muito menos inconveniente do que costumava ser nos anos 1980 e 1990. A cada dia você vê mais e mais pessoas se tratando. Existe todo um sistema de suporte para todo o tipo de pessoa.”
Ao lado do tecladista Vince Clarke, Andy será esta semana o mestre de cerimônias de três festas synthpop no Brasil: em Curitiba (Teatro Positivo, nesta quinta), São Paulo (Espaço das Américas, na sexta) e no Rio (Vivo Rio, no sábado). Após 7 anos, a nostalgia kitsch-oitentista promete reinar mais uma vez no país. Para o Erasure, não há motivo para se envergonhar disso.
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“As pessoas têm uma certa atração pelo passado, talvez porque as coisas eram mais simples antes. É um clichê”, entende Andy Bell, que faz questão de entregar o que o público deseja: sucessos. “As pessoas que vão ao nossos shows se sentem como se estivessem usando um perfume que adoram.”
UOL - Vocês lançaram um ótimo álbum em 2017, World Be Gone, mas muita gente vai ao show só para ouvir "Oh L'amour", "A Little Respect" e "Always". No Brasil não é diferente. Como lidar com isso?
Andy Bell - É um problema para todo músico saber envelhecer. Quando a banda começou, éramos “nenéns”, e as pessoas gostam de olhar para fotos de nenéns (risos). Os anos 1980 foram uma era que se criou sozinha. As pessoas têm uma certa atração pelo passado, talvez porque as coisas eram mais simples. É um clichê. Era uma época de festas, de estilo. Acho que nos anos 1980 as pessoas viviam o que a gente cantava. Era uma época mais criativa? Não sei. Acho que as pessoas que vão aos nossos shows se sentem como se estivessem usando um perfume que adoram.
Incomoda com o fato de muita gente ainda rotular o Erasure como “banda gay”?
Isso de “banda gay” não existe. Fomos importantes na época, por termos saído do armário dizendo “sou gay”. Naquela época, ainda víamos muita gente fingindo ser o que não eram. Não éramos os únicos a fazer isso, mas as pessoas começaram a ser mais honestas consigo mesmas.
Muitos usaram esse rótulo [de 'banda gay'] para nos diminuir. Para mim, eu sou o que eu sou. Não quero ser clichê, mas sou “sênior” nesse assunto (risos). Sempre tive muito orgulho do que eu sou. E tenho muito orgulho de ter uma voz que não é masculina nem feminina.
Em 2004, você assumiu que tinha HIV desde 1998. O que mudou na sua vida desde então?
Acho que fiquei mais conhecido quando as pessoas colocaram um “HIV positivo” no meu rosto. Tive um pouco mais de problema na época, pois isso ainda era uma incógnita. Hoje, ser diagnosticado é algo muito menos inconveniente do que costumava ser nos anos 1980 e 1990. A cada dia, você vê mais e mais pessoas se tratando. Temos um sistema de suporte para todo o tipo de pessoa. Você vê mulheres negras se tratando. Acho importante trazer visibilidade para essa questão.
Estamos passando por um momento de extremismo político no mundo. Como você se enxerga nele?
Lembro que, antes mesmo de a internet chegar, já falávamos que ela abriria uma caixa de Pandora, e o inferno iria se abrir sobre a Terra. Porque haveria muita informação. Acho que o que existe hoje é uma overdose de informação, e o cérebro humano ainda não está adaptado a isso. Para as pessoas mais jovens, é mais fácil, mas para nós, mais velhos, é muito difícil lidar com esse contexto. Muitas pessoas enlouquecem e perdem a razão com tanta informação. As conexões expandiram a informação, e pessoas sem rosto aparecem na internet para destilar sua raiva, loucura e frustração com mundo, sem perceber que há alguém do outro lado. É como viver em uma caixa.
Como diz a música, precisamos de “a little respect”?
Com certeza. E isso se aplica para todo mundo. Tenho amigos que sempre me dizem isso. Mas o irônico é que, quando fizemos a música, não tínhamos percebido que tipo de impacto ela teria e ainda tem.
Entramos na era das turnês de despedida da música. O Erasure vai embarcar nessa um dia?
Não. Acabei de fazer 54 anos. É mais um ano para eu ver o cardápio dos restaurantes (risos). Geralmente quando esses artistas anunciam essas turnês de despedida, é apenas para ganhar dinheiro. Em seguida, eles resolvem retornar porque gastaram o dinheiro. Não é o nosso caso. Vamos continuar enquanto formos capazes. Acho que vou cantar para sempre.