O que é 'economia da solidão' e por que ela é uma tendência no mundo

A solidão está mais popular do que nunca —e tem impactado a economia e influenciado como as pessoas consomem.
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Gallup e pela Meta no fim de 2023 apontou que uma em cada quatro pessoas no mundo descreve estar sozinha ou se sentir bastante solitária. No Brasil, o Censo 2022 apontou que 18,94% dos domicílios —quase um a cada cinco— só têm um morador.
Como surgiu e funciona a economia da solidão?
Ficar sozinho custa caro —e não é apenas ao solitário. Um artigo da Universidade do Texas publicado em 2024 apontou que a solidão custa à economia americana cerca de US$ 460 bilhões (R$ 2,62 trilhões) ao ano apenas por faltas, já que a ausência de suporte de amigos e familiares pode levar a maiores problemas de saúde física e mental.
Cientistas estimam que este valor possa ser muito maior, na prática. A solidão impactaria a produtividade e a capacidade logística de participação do trabalhador -no mundo todo.
Pandemia e trabalho remoto reforçaram uma tendência de isolamento que já acompanhava a geração Z. No Fórum Econômico Mundial de 2015, a economista Noreena Hertz, uma das pioneiras na pesquisa da economia da solidão, cunhou o termo "Geração K" para se referir aos então jovens entre 13 e 20 anos inspirados pela heroína distópica Katniss Everdeen, de "Jogos Vorazes".
Ela descreveu esta geração como mais ansiosa, mais preocupada com desigualdades e mais determinada a ser só do que as anteriores. Eles teriam sido mais moldados pelo individualismo trazido pela tecnologia e pela recessão econômica, vivendo sob a sensação de "ameaça existencial", e menos sob o otimismo com o qual os millennials teriam crescido.
Eles não são os únicos impactados, mas impulsionaram mudanças de prioridades —e os negócios tiveram que acompanhar. Países asiáticos, onde a economia da solidão já tem um caráter mais definido há alguns anos, apresentam um crescimento significativo de adoção de pets. Na China, por exemplo, o número de pessoas que têm um pet aumentou 114% entre 2015 e 2020, segundo a consultoria McKinsey. Na Tailândia, este número foi de 23%. Ou seja, o mercado de produtos para os animais está em alta.
Quem sai em grupo, gasta mais. A pressão de consumir (ou a empolgação) são elementos intrínsecos da ida ao restaurante ou ao bar e, por isso, estabelecimentos passaram a impor medidas impopulares na retomada da vida social pós-covid: na Espanha e na Inglaterra, as casas passaram a cobrar mais por mesa quando se está só ou até a bloquear o uso de alguns espaços para lucrar. No Brasil, já há experiências curadas para os solitários.
Oportunidades surgem em outros segmentos. Chefs como a brasileira Rita Lobo e o inglês Jamie Oliver já lançaram livros com ideias de receitas e marmitas para quem cozinha apenas para si mesmo. Plataformas de delivery só crescem e restaurantes também lucram com a entrega para um. O aplicativo Uber se adaptou ao comportamento pós-pandêmico e incluiu a opção —em diferentes países, inclusive no Brasil— de viajar em silêncio. O motorista é alertado para não jogar conversa fora antes mesmo de o transporte começar.
A inteligência artificial criou novas demandas para suprir a solidão. Chatbots, os robôs de plataformas como as da Meta, Chat-GPT, Grok, Gemini, DeepSeek, Merlin e etc., já são capazes de manter conversas que as assistentes Alexa e Siri ainda não conseguiam realizar por muito tempo. Há quem se sinta, assim, compreendido e amado —enquanto a indústria de tecnologia investe pesado na corrida para aperfeiçoar o serviço.
No Japão, o serviço de aluguel de namoradas já é popular —cobrando cerca de 6.000 ienes (R$ 220) por hora pela companhia temporária. O contato não envolve relação sexual e um mínimo de duas horas por contratação é exigido, segundo o jornal diário Japan Today. Sites como o cuddlist.com disponibilizam sessões de abraços; usuários podem se cadastrar para abraçar ou pagar pelo carinho.
Solteiros ainda têm 70% maior probabilidade de atingir as metas de exercícios físicos da OMS do que casados, apontou estudo polonês. Apesar de ser possível que o número dos dispostos a pagar pela academia esteja relacionado à disponibilidade de tempo ou questões estéticas, há teóricos que já apontam a preocupação com a saúde e a autonomia futura como evidentes entre os mais jovens (e sozinhos) hoje.
Conservadorismo em alta no mundo hoje ainda enfatiza a solidão, de acordo com Hertz. Em seu livro "O Século da Solidão", ela aponta que este tipo de governo em diversos países fez com que as pessoas priorizassem o bem-estar individual sobre o coletivo. Combinada às mudanças trazidas por avanços tecnológicos e pelo contexto social e econômico, uma nova maneira de existir já molda o consumismo atual.