O que é a retaliação cruzada, que o Brasil pode adotar contra os EUA

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anuncia hoje o "tarifaço", pacote de tarifas de importação que pode afetar diversos países. As medidas começaram a ser anunciadas nesta tarde, com taxas para carros e autopeças.
Ainda sem saber ao certo o tamanho do impacto na economia, o Brasil considera adotar a estratégia de retaliação cruzada. Essa medida permite que o país responda às tarifas dos EUA com sanções sobre setores diferentes daqueles inicialmente afetados.
O que aconteceu
Retaliação cruzada é um mecanismo autorizado pela OMC (Organização Mundial do Comércio) que permite a um país responder às tarifas de outro aplicando sanções em setores diferentes dos originalmente atingidos. Um exemplo é com a taxa de importação do aço, que é de 25%. O Brasil poderia retaliar com tarifas sobre produtos de outros setores, como tecnologia ou bens agrícolas.
Caso as tarifas dos EUA sejam consideradas ilegais ou abusivas, o Brasil pode recorrer à OMC e obter autorização para aplicar sanções em outros setores estratégicos. "Essa ferramenta amplia o poder de barganha e aumenta a pressão sobre o parceiro comercial infrator", afirma Sidney Lima, analista da Ouro Preto Investimentos. Theo Braga, CEO da SME New Economy, aponta que, se o Brasil for à OMC e ao obter autorização, pode ampliar a força de negociação, criando eventuais dificuldades para os EUA no comércio internacional.
Brasil já fez isso entre 2002 e 2014, durante disputa com EUA sobre subsídios ao algodão. Na época, como lembrou Ronaldo Félix, especialista em comércio exterior e sócio da Saygo Comex, OMC autorizou o país a adotar medidas em patentes e outros ativos de alto valor, já que apenas a retaliação no setor do agro não teria o mesmo efeito. "Essa é a essência da retaliação cruzada: flexibilidade para reagir de forma proporcional, mesmo fora do setor diretamente envolvido", afirma.
Outras alternativas passam pelos produtos de beleza e até por filmes de Hollywood. Segundo Félix, além da pressão na OMC, o Brasil também pode mirar em "produtos símbolo" americanos para fazer essa pressão para negociar medidas menos duras. "Na prática, isso poderia incluir a suspensão de patentes de medicamentos de alto custo, softwares e tecnologias americanas, e até produtos como motocicletas ou vinhos da Califórnia", enumera. "Só que isso precisa ser juridicamente embasado e estrategicamente calculado para evitar uma escalada nas tensões comerciais", alerta Carlos Braga Monteiro, CEO do Grupo Studio
Apesar dos desafios impostos pelas tarifas, o Brasil pode sair como um "provável vencedor" na guerra comercial iniciada por Trump, segundo o The Wall Street Journal. O país tem a oportunidade de aumentar as exportações para a China, ocupando o espaço deixado pelos produtos americanos. Além disso, ao substituir a China em mercados como os EUA, os produtos brasileiros podem se tornar mais competitivos.
Um relatório do Financial Times baseado em um estudo da Aston University alerta que a proposta de tarifas de 25% de Donald Trump pode causar danos de até US$ 1,4 trilhão à economia mundial. O estudo aponta que uma resposta global às tarifas pode paralisar o comércio internacional e aumentar a inflação. A pesquisa analisou seis cenários escalonados com base em dados de comércio bilateral de 132 países.