Recorde na TV e slogan famoso: como a Bombril, hoje em crise, criou império

A Bombril, uma das empresas de produtos de limpeza mais tradicionais do Brasil, entrou com pedido de recuperação judicial alegando dificuldades financeiras agravadas por um passivo tributário (conjunto de impostos devidos aos cofres públicos) bilionário, além de altas taxas de juros que pesam sobre suas dívidas.
Apesar de ser lembrada pela lã de aço, a companhia também é responsável por outros produtos e marcas, como detergentes (Limpol), amaciantes de roupa (Mon Bijou), desinfetantes (Pinho Bril, Kalipto) e abrasivos (Sapólio Radium). Reveja a sua histórica trajetória:
Inspiração em produto dos EUA
A Abrasivos Bombril Ltda foi fundada em 14 de janeiro de 1948. A ideia de vender lã de aço no Brasil foi do casal Roberto Sampaio Ferreira e Maria Cecília Lara de Campos, inspirados no produto semelhante norte-americano chamado Brilhus, depois que receberam uma máquina de produção de lã de aço como pagamento de uma dívida.
Em vídeo institucional no site da Bombril, Maria Cecília conta que insistiu com o marido sobre a ideia. Segundo ela, isso foi imprescindível nas negociações, tendo impedido que ele fechasse um mau negócio nos Estados Unidos.
Guerra Mundial influenciou. Maria Cecília contava tudo aconteceu enquanto as importações de produtos estrangeiros no Brasil ainda estavam impactadas pela Segunda Guerra Mundial.
Não tinha produto importado nenhum aqui no Brasil.
Cecília Lara, fundadora da Bombril
O lançamento do produto foi um sucesso. Somente em 1948, foram vendidas 48 mil unidades.
O termo "1.001 utilidades" foi adotado porque, além de polir panelas, o Bombril também limpava vidros, louças, azulejos e ferragens. Entre 1961 e 1973, a empresa incorporou outras marcas. Isso ampliou seu portfólio de produtos.
Da capital para o ABC. Em 1976, a Bombril mudou sua linha de produção do bairro do Brooklin, em São Paulo, para São Bernardo do Campo (SP).
A Bombril Indústria e Comércio Ltda. foi constituída em 1º de junho de 1982, após a morte do fundador Roberto Sampaio Ferreira.
Comerciais icônicos
A Bombril transformou Carlos Moreno no garoto-propaganda mais querido do Brasil. O primeiro comercial com o ator foi ao ar em 1978 e a campanha já foi citada pelo Guinness Book como a mais longa com um único personagem, com o "Garoto Bombril" por 35 anos no ar.
Reveja trechos de alguns:
Campanha foi idealizada por Washington Olivetto e Francesc Petit em 1978. Na época, ambos os publicitários comandavam a DPZ, relembrou Moreno em entrevista ao canal de Fernando Vítolo no Youtube em 2022, e queriam uma propaganda diferente de outras de produtos de limpeza. Ele recebeu um roteiro que dizia que o Garoto Bombril era um químico da empresa.
Foi Moreno quem criou os maneirismos do personagem — que ele disse imaginar como meticuloso e de gestos contidos, por trabalhar em um laboratório. Ele foi escolhido após o time de criação testar outros 40 atores.
O primeiro contrato com a Bombril era temporário e previa apenas 4 vídeos publicitários. Com o sucesso, ele foi sendo renovado até 2004, quando ele tinha 337 comerciais. Moreno voltou à empresa em 2006, ficou até 2011, depois de 2012 a 2013, e uma vez em 2015 e outra em 2019.
Carlos Moreno chegou a gravar uma propaganda para a marca ao lado de Pelé, em 2007. "Na época em que eu fazia a [propaganda da Bombril, eu estava sempre sozinho como ator e a equipe era muito enxuta. Havia pouquíssimas pessoas no estúdio. No dia em que o Pelé foi, parecia uma final no Maracanã! Estava lotado de gente!", contou em entrevista ao Observatório da TV.
Washington Olivetto, criador da propaganda, contava que Pelé pediu um autógrafo ao ator. No entanto, Moreno diz não se lembrar da atitude. "Pode ser verdade, eu não sei. Se ele me pediu, claro que dei o autógrafo."
O que aconteceu com a Bombril?
No início dos anos 2000, a Bombril tentou diversificar seu catálogo. A empresa chegou até a lançar uma linha de cosméticos, mas a iniciativa fracassou.
A empresa se endividou e pediu recuperação judicial em 2003, após não conseguir o retorno esperado com os lançamentos. A companhia saiu da fase de recuperação em 2006, mas continuou muito endividada.
Em 2013, a Bombril chegou a sumir das prateleiras dos mercados, devido à falta de dinheiro para produção e transporte. No auge da crise, em 2015, as dívidas do grupo chegaram a quase R$ 900 milhões.
Em 2017, após uma grande reestruturação, a companhia fechou o ano no azul. A empresa chegou a registrar resultados positivos em suas vendas nos últimos anos, mas não o bastante para superar a dívida acumulada nos anos de crise.
Em 2023, a Bombril tinha dívida bruta de R$ 401 milhões, com juros em torno de 24% ao ano. A maior parte do montante (77%) vencia em 12 meses. Foi por isso que a companhia precisou recorrer a um empréstimo de R$ 300 milhões para seguir na ativa.
Desta vez, a Bombril recorre à recuperação judicial devido a dívidas de impostos. Elas são resultados de operações financeiras realizadas na gestão do empresário italiano Sergio Cragnotti, que comprou o controle da empresa nos anos 1990. Segundo documento protocolado na Justiça de São Paulo, o empresário deixou de pagar tributos de investimentos no exterior na época.
Após anos de autuações fiscais e disputas judiciais, a dívida chega a R$ 2,3 bilhões. Em 2006, a empresa voltou ao controle dos herdeiros do fundador Roberto Sampaio Ferreira. Quatro anos antes, Cragnotti — que já presidiu o time de futebol Lazio e o grupo alimentício Cirio na Itália — chegou a ser preso por fraude no país.
Credores pressionam a empresa por garantias de que receberão financiamentos e outros pagamentos. Por causa das dívidas, as fábricas da companhia em São Bernardo do Campo (SP), Sete Lagoas (MG) e Abreu e Lima (PE) já foram penhoradas.
Os problemas fizeram com que o valor de mercado da Bombril (BOBR4) despencasse 77% em cinco anos. Em 20 de abril de 2018, a ação valia R$ 5,13; em 19 de abril de 2023, os papéis da companhia valiam R$ 1,18. Em 2025, ela já se recupera, mas não passa nem perto dos valores de sete anos atrás, com R$ 2,30 nesta terça (11).
*Com informações de matérias publicadas em 25/04/2023, 15/10/2024 e 11/02/2025.