Faculdades pagam bolsa e seguro, mas procura cai 56% em meio à pandemia
Com a incerteza econômica na pandemia, faculdades particulares têm queda do número de calouros e diversificam benefícios na tentativa de manter veteranos e atrair novos alunos. O Semesp, entidade que representa mantenedoras de ensino superior, calcula cerca de 350 mil ingressantes em instituições privadas do País no meio do ano - queda de 56% em relação ao mesmo período de 2019, com 800 mil calouros.
Bolsas de estudo, seguros educacionais, convênios com lojas de eletrônicos e até chip de internet são oferecidos aos universitários. Na quarentena, a maioria das graduações particulares migrou para o ensino remoto, o que forçou a adaptação de alunos e professores. Desemprego e queda na renda explicam a redução no número de calouros no meio do ano.
Para Thiago Machado, de 22 anos, aluno de Gestão Financeira da Anhembi Morumbi, o desconto de 50% pesou na decisão de seguir nos estudos. "Por mais que a gente consiga aprender pela internet, é diferente da aula presencial. Pensei em não continuar por esse motivo e por questões financeiras, mas logo consegui emprego e corri atrás da matrícula." Para ele, a bolsa é garantia de que vai conseguir se formar e ajuda a arcar com outros custos, como livros.
Segundo pesquisa da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes) com a Educa Insights, mais da metade dos alunos ouvidos, de um total de 748, disse que a faculdade ofereceu condição diferente para a rematrícula - descontos nas mensalidades são a vantagem mais comum.
Outras modalidades, como o parcelamento de mensalidades, também ganham força. Há dois meses, impulsionada pela pandemia, a empresa de tecnologia Quero Educação lançou programa em que complementa metade dos boletos. Instituições como a Metodista aderiram à modalidade. O Quero Bolsa, site que reúne descontos nas mensalidades, teve aumento de 147% de vagas ofertadas, com descontos que chegam a 80%.
Parte dos estudantes, porém, diz que nem sempre o alívio no bolso compensa diante das dificuldades com aulas online. Aluno de Direito na Universidade Candido Mendes (Ucam), Lucas Marques diz que houve junção de turmas no modelo remoto e relata dificuldades para ter atendimento. "Não funciona porque enche demais a turma. A sorte é que professores fazem de tudo para manter os alunos."
Pró-reitor comunitário da Ucam, uma das mais antigas do País, Cristiano Tebaldi diz que o número de alunos por turma respeita o limite do Ministério da Educação (MEC). A Ucam entrou em maio com pedido de recuperação judicial e Tebaldi calcula redução de 80% na quantidade de calouros em cursos presenciais. "A queda foi brutal no modelo presencial." Já a taxa de evasão, diz, foi mínima.
Segundo estimativa do Semesp, 3,2 milhões de alunos podem deixar o ensino superior - público e privado - até o fim do ano, 10% a mais do que a evasão registrada nos anos anteriores.
Facilidades
Na Uninove, é dado o chip com internet já na matrícula. Na Estácio, foi feito até convênio com lojas de equipamentos eletrônicos e operadoras de celular para permitir que alunos ingressem ou sigam estudando, além dos seguros.
Aluno do último semestre de Fisioterapia, Nathan Fogaça, de 29 anos, se mudou para Ourinhos, interior paulista, no início do ano, para ficar mais perto do estágio. Na pandemia, acabou sem trabalho e isolado na cidade. Ele recorreu ao seguro da faculdade, que paga mensalidades em caso de perda de renda. "O seguro acabou mês passado e agora consegui um servicinho ajudando em uma marcenaria." Quando chega à noite do trabalho, liga o notebook para assistir a aulas ao vivo.
Já atividades práticas seguem suspensas - a Estácio já reabriu 30 das 100 unidades para uso de laboratórios, a maioria no Rio. "Em casa, às vezes a gente se distrai um pouco mais. Não é a mesma coisa de entrar na sala e prestar atenção só no professor. Mas estou procurando me dedicar ao máximo para aprender e não ficar desatualizado."
Setor reivindica ProUni sem nota do Enem
Prevendo cenário difícil no início de 2021, instituições de ensino superior privadas já se articulam para que o ProUni, programa federal que oferece bolsas em faculdades particulares, seja desvinculado da nota no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Isso porque os resultados do Enem, adiado para janeiro, só deverão sair no fim de março - tarde para o ingresso de alunos nas faculdades.
O exame foi adiado após pressão de alunos e educadores, que apontaram risco de competição desigual entre alunos de colégios particulares e da rede pública, que teve mais dificuldade de organizar o ensino remoto. Alunos com nota superior a 450 no Enem podem concorrer a bolsas do ProUni. No 1.º semestre, o programa ofertou 252,5 mil auxílios do tipo.
Quando os resultados do Enem saem em janeiro (como era antes da pandemia), o aluno costuma verificar se a nota é suficiente para obter vaga no ensino superior público. Só depois parte para bolsas do ProUni.
A avaliação das instituições é que, se o processo seguir esse cronograma, o 1.º semestre praticamente será perdido. Neste mês, o presidente Jair Bolsonaro sancionou medida provisória sobre o calendário escolar, com veto ao trecho que atrelava a concessão de bolsas do ProUni ao Enem. A medida foi resultado de pressão do Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular.
"O que se espera é que as instituições possam atender ao ProUni com processos seletivos próprios", diz Celso Niskier, diretor presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes). O formato ainda não está definido. "Precisa-se discutir qual será o novo critério. Pode-se fazer uma primeira rodada do ProUni com alunos que tenham Enem das edições anteriores, até chegar a um momento com processo seletivo próprio da instituição", defende Rodrigo Capelato, do Semesp. Procurado sobre essa possibilidade, o Ministério da Educação não respondeu.
Mesmo com a chance de mudança no ProUni, as instituições preveem impacto nas novas matrículas. "Quem está fazendo Enem pela primeira vez pode esperar primeiro a vaga na pública. Esse público pode só se matricular em abril. Talvez tenha de se criar alternativas de ingresso tardio", diz Niskier.
Nesta sexta-feira, 28, o MEC anunciou que vai abrir seleção para preencher 90 mil vagas remanescentes do ProUni e 50 mil do Fies. A iniciativa também deve ajudar a trazer alívio ao caixa das faculdades.
Cursos premium são foco para aulas presenciais
As empresas do setor educacional listadas na B3, a Bolsa de Valores, estão focadas em três macroestratégias de crescimento: expansão do EAD, atenção a cursos presenciais premium e aquisição da carteira de alunos de outras instituições.
Dona da Kroton, a Cogna Educação é uma das que pretendem ampliar o EAD e focar somente nos cursos premium para a modalidade presencial.
"Uma vez que a gente deixa de oferecer cursos menos nobres no presencial, porque o público está escolhendo ir para o EAD, temos oportunidade de crescimento orgânico", diz o presidente da Cogna, Rodrigo Galindo. "Faz sentido também estudar a aquisição de potenciais instituições presenciais, desde que tenham cursos mais nobres, como os de Medicina." Galindo pretende, ainda, adotar uma política mais restritiva de renegociação de dívida.
Já a Ânima criou duas linhas de financiamento privado, em parceria com a Pravaler, e conseguiu manter a taxa de evasão em 6,5% no segundo trimestre deste ano, uma melhora de 0,2 ponto porcentual em relação ao mesmo período do ano passado. "Os resultados positivos são fruto de anos de investimentos e de decisões estratégicas que nos colocam, hoje, em uma situação diferenciada no mercado", diz o CFO, André Tavares.
Nos últimos 12 meses, a Ânima comprou a Ages, a Unicuritiba e a Faseh. Atualmente, a empresa tem no seu portfólio 145 mil alunos ao todo.
As aquisições são vistas como forma de ampliar a base de estudantes e de entrar em mercados onde as empresas têm menos presença. "Todos os grupos consolidadores estão atentos a esse momento, porque o processo de compra e venda está aquecido. É o momento de quem tem caixa fazer aquisições a preços menores", diz William Klein, CEO da consultoria em educação Hoper.
A empresa Yduqs, por exemplo, concluiu a compra do Grupo Athenas em julho de 2020, em uma operação de R$ 120 milhões. "A aquisição visa a alcançar regiões de influências prioritárias, além de estarem localizados em Estados de maior crescimento econômico no Centro-Oeste e no Norte", explica o presidente, Eduardo Parente.
A expansão geográfica tem como objetivo chegar às cidades de menor porte por meio de polos próprios e de terceiros.
A empresa atingiu a marca de 753 mil alunos, a maior de sua história. Houve uma variação positiva de 30,6% no segundo trimestre de 2020 em relação ao mesmo período de 2019. O resultado foi puxado pelo EAD. O segmento presencial só não teve desempenho negativo porque, nesse meio tempo, foram incorporados os alunos da Unitoledo e da Adtalem. A taxa de retenção do ensino presencial foi de 85%; e no digital, de 82%.
Segundo Klein, da Hoper, o desafio para as universidades será conseguir reter os alunos. Pela estimativa da consultoria, as matrículas na graduação presencial podem cair 7,3% em 2021. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.