Decisão do STJ: Witzel recebeu vantagens indevidas por escritório da esposa
O aprofundamento da Operação Placebo, realizada em maio, colocou o escritório de advocacia da primeira-dama Helena Witzel no centro das investigações sobre um suposto esquema de corrupção do qual o governador afastado do Rio, Wilson Witzel (PSC), faria parte.
Na decisão que afastou Witzel e mandou prender seis investigados, o ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Benedito Gonçalves afirma que o escritório foi usado para "escamotear o pagamento de vantagens indevidas ao governador, por meio de contratos firmados com pelo menos quatro entidades de saúde".
A respeito de Witzel não ser alvo de mandado de prisão, o ministro do STJ diz que as "atividades de corrupção e lavagem de dinheiro por meio de pagamentos ao escritório de advocacia da primeira-dama devem cessar com o alheamento do exercício da função de chefe máximo do Poder Executivo estadual".
Segundo o MPF (Ministério Público Federal), entre 13 de agosto do ano passado e 19 de maio deste ano, o escritório de Helena teria recebido R$ 554.236,00 do Hospital Jardim Amália, localizado em Volta Redonda, no sul fluminense.
Os valores teriam servido para "operacionar a prática de corrupção e posterior lavagem de capitais, mediante a perene atuação de [ex-secretário de Desenvolvimento Econômico] Lucas Tristão e [prefeito de Volta Redonda] Gothardo Lopes Netto".
O ministro aponta que a quebra do sigilo telemático de Witzel revelou duas trocas de e-mails dele com Helena em relação à minuta de um contrato firmado pelo escritório dela com a organização "Hinja" (Hospital Infantil e Maternidade Jardim Amália).
Por esse contrato firmado com a unidade de saúde de Volta Redonda, Helena passou a receber R$ 15 mil mensais. Chama a atenção do MPF o fato de Tristão já advogar para o hospital naquele momento.
As investigações ressaltam a discreta atuação de Helena Witzel até então. De acordo com o texto, o escritório dela foi "reativado sem qualquer outro advogado, além da primeira-dama e sem qualquer funcionário".
No despacho de Gonçalves, é mencionado que Helena teria recebido R$ 280 mil por um contrato do governo do estado com uma empresa de Gothardo, a GLN Serviços Hospitalares.
O que diz Wilson Witzel
O governador afastado nega as suspeitas, diz que a investigação é "circo", que ela poderia ter um viés político e que se trata de um "ultraje à democracia". Witzel disse também que não há provas sobre os fatos apontados.
Questionado sobre os R$ 500 mil encontrados na conta da primeira-dama Helena Witzel, o governador afastado disse que o valor foi declarado em Imposto de Renda e ainda fez uma insinuação comparando o caso ao de Michelle Bolsonaro, que recebeu R$ 89 mil em sua conta repassados por Fabrício Queiroz e sua esposa, Márcia Aguiar.
"Na conta da primeira-dama do Rio de Janeiro não entrou dinheiro em espécie, muito menos cheque de origem desconhecida. Aqui, não! Aqui, entrou dinheiro declarado no Imposto de Renda, com notas fiscais emitidas e fruto de serviço trabalhado", disse Witzel.
Em seguida, foi questionado sobre a transferência do valor para a sua conta. "Ué, nós somos casados", completou.
O casal governador
Durante o tempo em que Witzel esteve à frente do Palácio Guanabara, Helena manteve influência administrativa que a aproximava do primeiro escalão do governo, com direito a uma sala na sede do governo fluminense durante parte do mandato.
Presente em agendas políticas ao lado do marido, Wilson Witzel (PSC), e figura fácil em reuniões do seu secretariado, Helena frequentemente opinava em relação às falas do governador e de integrantes do primeiro escalão do governo. A advogada também é conhecida pela memória privilegiada e costuma lembrar Witzel de dados e projetos estratégicos, considerados fundamentais.
Diante da influência da primeira-dama sobre as decisões do marido, funcionários do governo se referem aos dois como "o casal governador". Helena é ex-aluna de Witzel —que foi juiz federal antes de entrar na vida política— e mãe de três dos quatro filhos do chefe do Executivo fluminense.
Em um desses momentos em que o casal mostrou colaboração na administração pública, em dezembro do ano passado, Witzel consultava a esposa em relação aos números que citava durante um café da manhã com jornalistas. "É isso mesmo, Helena?", perguntou por mais de uma vez. Em algumas ocasiões, ela demonstrava mais intimidade do que o governador com dados do seu mandato.
Porém, nem sempre ela apoiou Witzel no sonho de chegar à chefia do Executivo fluminense. Em evento realizado no ano passado, ele contou que precisou vencer a resistência da esposa ao decidir deixar a magistratura.
"A minha esposa, Helena, chegou a chorar quando soube que eu havia tomado essa decisão e, a partir do mês seguinte, não contaria mais com o salário de juiz, mas sempre tive fé de que conseguiria [vencer a eleição]", contou.
Apesar da resistência inicial, ela se engajou durante a campanha de 2018 e comemorou a vitória do marido. Apesar de não esconder a sua participação intensa na rotina de trabalho de Witzel, a primeira-dama se mostra arredia a conceder entrevistas e raramente fala com a imprensa.
Helena sempre negou suspeitas. Em nota divulgada em maio em relação à ação de busca e apreensão realizada pela PF (Polícia Federal) no seu escritório de direito (HW Assessoria Jurídica), Helena Witzel fez coro ao discurso do marido e disse lamentar que "a operação tenha sido imbuída de indisfarçada motivação política, sendo sintomático, a esse respeito, que a ação foi antecipada na véspera por deputada federal aliada do presidente Jair Bolsonaro [sem partido]".
Evolução patrimonial
De acordo com as informações do mandado de prisão, Witzel recebeu cerca de R$ 412,3 mil em 2018 do escritório de advocacia Tristão do Carmo e Jenier Advogados Associados. O valor é mencionado ao se apontar a evolução patrimonial do governador.
Entre julho e outubro daquele ano, Witzel trabalhou formalmente no escritório do advogado Lucas Tristão. Porém, o período também abarca a campanha eleitoral. Em 2018, Witzel disputou e venceu a eleição para o governo do estado.
"Dado todo o contexto, conclui-se que o governador não trabalhou efetivamente como advogado nesse período", escreveu Gonçalves. "Muito embora supostamente alegue que prestou assessoria ao advogado Lucas Tristão na revisão de petições protocoladas em favor da empresa de Mário Peixoto (Atrio Rio Service), o governador estava na época em plena campanha eleitoral, período em que, sabidamente, os candidatos, sobretudo aqueles com chance de vitória no pleito (como no caso), dedicam-se intensamente à campanha."
Para o ministro do STJ, Tristão é "figura central na empreitada criminosa, pois operacionaliza pagamentos e interlocuções desde antes da eleição de Witzel, tendo ocupado o cargo de secretário de estado".
Peixoto chegou a pagar R$ 100 mil para o escritório de Tristão em 5 de outubro de 2018, data do primeiro turno em 2018. No total, houve uma movimentação de cerca de R$ 225 mil entre julho e outubro daquele ano.
"Nota-se que tais pagamentos serviram como artifício para permitir a transferência indireta de valores de Mário Peixoto para o governador Wilson Witzel", escreveu Gonçalves.
Em 2019, Witzel declarou à Receita Federal ter recebido R$ 284,4 mil do escritório de Tristão. Mas, neste ano, retificou a declaração, alterando o valor para R$ 412,3 mil.
"Sofisticada organização"
O mandado também usa como base a delação de Edmar Santos, que diz que a relação entre Witzel e Peixoto dava-se por meio de Tristão, "pessoa de confiança de ambos".
Para Gonçalves, é possível "observar uma sofisticada organização criminosa no âmbito do governo do estado do Rio de Janeiro". De acordo com ele, com o andamento das investigações, "verificou-se, em tese, a existência de prováveis ilícitos muito mais abrangentes do que àqueles referentes às ações de combate à pandemia da covid-19". O ministro indica que os crimes ocorreram do período eleitoral até os dias atuais.
O ministro do STJ diz que houve um aparelhamento do governo estadual, com nomeações em cargos-chave e pagamentos de contratos forjados, "diretamente ao governador, numa complexa teia de relações de quiçá centenas de pessoas físicas e jurídicas".
Suspeitos eram avisados
Gonçalves disse que as ordens de prisão foram necessárias porque alguns dos investigados eram avisados com antecedência sobre operações.
Na noite de 13 de maio, um dia antes de a PF (Polícia Federal) cumprir mandados da Operação Favorito, Alessandro Duarte e Juan de Paula trocaram mensagens com o seguinte teor: "bloco na rua amanhã", "fica esperto", "preto e dourado [cores da PF]".
Segundo o delator Edmar, antes da Operação Placebo, Witzel repassou R$ 15 mil em espécie ao Pastor Everaldo, "com receio, em tese, de que a Polícia Federal encontra-se os valores na realização das buscas".
Gonçalves também cita a tentativa de destruição de provas por parte de investigados em operações anteriores.
Apesar de não ter sido preso, o governador afastado não poderá ingressar nas dependências do governo. Ele, porém, poderá continuar morando na residência oficial.
Por que prender e afastar sem oitiva?
O ministro usou o argumento da "urgência que o caso requer" para justificar por que determinou prisões de investigados e o afastamento de Witzel antes de ouvi-los.
"Além da urgência, as medidas seriam ineficazes para resguardo da instrução criminal e da aplicação da lei penal ante a concreta possibilidade de destruição de elementos de informação e de provas", escreveu Gonçalves. Ele, porém, garantiu que os alvos poderão "exercer o direito do contraditório"
A reportagem tenta localizar as defesas de Tristão e Netto. Quando houver um posicionamento, eles serão incluídos no texto.