Governo adia posse de Decotelli; ala militar que o apoiou está constrangida
A posse do novo ministro da educação Carlos Alberto Decotelli foi adiada pelo governo de Jair Bolsonaro depois de reveladas incoerências em seu currículo. A cerimônia estava marcada para esta terça-feira, 30, às 16h, mas segundo o jornal O Estado de S. Paulo apurou, o Planalto já avisou que ela não ocorrerá nesta data. Depois das denúncias sobre seu doutorado e mestrado, o governo está repensando se vai manter Decotelli no cargo.
O próprio grupo militar que indicou o ex-professor está constrangido porque foi surpreendido pelos problemas acadêmicos e está avaliando a repercussão do caso. Ele também perdeu o apoio que tinha entre professores da Fundação Getulio Vargas (FGV). Enquanto isso, alas mais ideológicas estão fortemente tentando derrubá-lo antes mesmo de tomar posse.
Sua nomeação foi publicada no Diário Oficial depois de o seu nome ter sido anunciado. Durante o fim de semana, a crise aumentou e Decotelli chegou a divulgar uma carta mencionando que sua tese de doutorado não teve a defesa autorizada.
"Seria necessário, então, alterar a tese e submetê-la novamente à banca. Contudo, fruto de compromissos no Brasil e, principalmente, do esgotamento dos recursos financeiros pessoais, o ministro viu-se compelido a tomar a difícil decisão de regressar ao país sem o título de Doutor em Administração." Ele também afirmou que iria revisar o trabalho de mestrado na FGV.
Desde que foi anunciado como novo ministro da Educação, Decotelli passou a ter as informações de seu currículo questionadas.
Ao anunciar o sucessor de Abraham Weintraub na pasta, o presidente Jair Bolsonaro mencionou a formação do professor: "Decotelli é bacharel em Ciências Econômicas pela Uerj, Mestre pela FGV, Doutor pela Universidade de Rosário, Argentina, e Pós-doutor pela Universidade de Wuppertal, na Alemanha", escreveu nas redes sociais na quinta-feira, 25.
No dia seguinte, o título de doutor do novo ministro da Educação foi questionado por Franco Bartolacci, reitor da Universidade Nacional de Rosário, que disse que Decotelli não conclui o doutorado. "Cursou o doutorado, mas não o concluiu, pois lhe falta a aprovação da tese. Portanto, ele não é doutor pela Universidade Nacional de Rosário, como chegou a se afirmar."
O ministro inicialmente negou a declaração de Bartolacci e chegou a mostrar certificado de conclusão de disciplinas à reportagem. "É verdade. Pergunte lá para o reitor", disse Decotelli na sexta-feira ao Estadão. Questionado se havia defendido a tese, requisito para obter o título de doutor, o ministro não respondeu. No fim do dia, o novo titular do MEC atualizou o seu currículo na plataforma lattes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ele passou a declarar que teve "créditos concluídos" no curso de doutorado, em 2009. No campo relacionado ao orientador, o ministro assinalou: "Sem defesa de tese".
No sábado, 27, a dissertação de mestrado do ministro também foi colocada sob suspeita após o economista Thomas Conti apontar, no Twitter, possíveis indícios de cópia no trabalho, de 2008. Ele citou trechos na dissertação idênticos a um relatório do Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul) para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A FGV informou que vai investigar a suspeita de plágio.
O pós-doutorado na Alemanha também passou a ser debatido após a universidade fornecer informações diferentes das que constam no currículo do ministro.
"Tem um simbolismo muito grande ele ter sido desmentido por duas universidades estrangeiras e ainda tem problemas no mestrado", diz deputado estadual e secretário-geral da Frente Parlamentar Mista de Educação, Israel Batista (PV-DF).
Segundo ele, vários deputados da Frente consideraram esperar a situação do ministro para convidá-lo para uma conversa na Câmara. A comissão de Educação da Câmara também está reavaliando o convite para a participação do ministro, marcada para quinta-feira.
A disputa pelo comando do MEC mobilizou as alas ideológica, militar e civil do Planalto. Decotelli, que é oficial da reserva da Marinha, acabou sendo o escolhido por Bolsonaro como uma alternativa apaziguardora e técnica para a função. O objetivo era reparar o desgaste da imagem do ministério após a gestão de Abraham Weintraub.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo horas após ser confirmado como ministro, Decotelli reforçou o seu perfil técnico e disse que sua missão era favorecer o dialogo. "O presidente solicitou a máxima dedicação para fortalecer a gestão e a comunicação do MEC para favorecer o diálogo."
A reportagem questionou o motivo do cancelamento do evento e se a posse será remarcada, mas o Palácio do Planalto ainda não se manifestou.