Topo
Notícias

Ditadura usou imprensa e ameaças à "ordem" e à "moral" para impor AI-5

Mesa no Palácio das Laranjeiras durante a edição do AI-5 pelo general Artur da Costa e Silva - Arquivo/Folhapress
Mesa no Palácio das Laranjeiras durante a edição do AI-5 pelo general Artur da Costa e Silva Imagem: Arquivo/Folhapress
do UOL

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

01/12/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Ditadura classificou como subversão e contrarrevolução protestos contra o governo
  • Imprensa foi criticada por "subverter" informações
  • Argumentos foram pretextos para instaurar o AI-5
  • Falas recentes de Eduardo Bolsonaro e Guedes usaram justificativas semelhantes

Na tarde do dia 13 de dezembro de 1968, uma reunião com toda a cúpula do governo de Arthur da Costa e Silva, no Palácio das Laranjeiras, no Rio, decidiu que o Brasil precisava de uma nova medida para conter as críticas, que classificaram como ameaça à ordem e à moral brasileiras. Para eles, isso era classificado como "subversão" ou "contrarrevolução".

A imprensa também foi alvo de ataques por "desvirtuar" informações para jogar o povo contra o governo.

Nesse momento nascia o AI-5 (Ato Institucional Número 5), autorizando o presidente a fechar o Congresso, intervir nos estados e municípios e retirar garantias fundamentais dos brasileiros, como habeas corpus e direitos políticos.

Em meio às polêmicas declarações que sugeriram uma volta de um AI-5, o UOL revisitou a ata da 43ª reunião do Conselho de Segurança Nacional para ver que argumentos o então presidente, ministros e chefes da Forças Armadas usaram para mergulhar o país em um período de dez anos marcados por mortes, torturas e intensa perseguição política.

Em 2019, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o ministro da Economia, Paulo Guedes, defenderam que um novo AI-5 seria uma resposta a eventuais protestos de rua, como os que ocorreram no Chile recentemente.

Em 1968, a reunião começou com Costa e Silva dizendo que a "revolução" vivia "um momento dramático" e era preciso "tomar uma decisão: ou a Revolução continua, ou a Revolução se desagrega". "Chegou o momento em que acima da vontade de um homem está o interesse nacional, está a harmonia, está a tranquilidade e está a paz para o povo brasileiro", diz.

Naquele ano, muitos setores da sociedade já faziam cobrança aos excessos dos militares no poder. "No decorrer de 1968, a igreja começava a ter uma ação mais expressiva na defesa dos direitos humanos, e lideranças políticas cassadas continuavam a se associar visando a um retorno à política nacional e ao combate à ditadura", afirma, em texto, o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Escola de Ciências Sociais da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

O fato novo que justificou a reunião veio do Congresso, onde parlamentares faziam críticas ao governo militar. O estopim ocorreu em setembro daquele ano, quando o então deputado Márcio Moreira Alves (MDB) fez duros discursos em protesto contra a invasão da UnB (Universidade de Brasília) pela PM (Polícia Militar). Ele chegou a sugerir que o povo não comparecesse ao desfile de 7 de Setembro.

"O tom radical de seu discurso e a não aceitação da Câmara do pedido de cassação de seu mandato, encaminhado pelo Supremo Tribunal Federal, teriam servido como estopim para a edição do AI-5", conta relato do projeto Memórias da Ditadura.

Costa e Silva alegou que a rebeldia era um "fato novo com características típicas de provocação, visando a interromper o processo evolutivo da Revolução".

O único presente da reunião que rechaçou a ideia foi o vice-presidente Pedro Aleixo. "Todo Ato Institucional, portanto, com este nome ou com qualquer outro, que implique na modificação da Constituição existente é, realmente, um ato revolucionário. Caso se torne necessário fazer essa revolução, é uma matéria que poderá ser debatida e acredito, até, que se possa demonstrar que essa necessidade existe", afirmou.

Fala de Paulo Guedes sobre o AI-5 gera reações

Band Notí­cias

Ministros apoiaram AI-5

Após a fala do presidente e de seu vice, os ministros saíram em defesa da decretação do AI-5. "Eu julgo que por essa situação o que se tem que fazer é realmente uma repressão, acabar com estas situações que podem levar o país, não a uma crise, mas a um caos do qual não sairemos", disse Augusto Hamann, então ministro da Marinha.

O ministro do Exército, Aurélio de Lyra Tavares, afirmou em seguida que "o Exército não terá condições de resguardar a Segurança Nacional quando deputados, impunemente, intentam contra", disse, citando que o episódio do deputado Márcio Moreira Alves deveria ser "quadro da subversão que está em marcha".

Então chefe do SNI (Serviço Nacional de Informação) e que viria a ser presidente ainda no período da ditadura, Emílio Garrastazu Médici citou que antes mesmo daquela reunião havia chamado a atenção de Costa e Silva para a necessidade de ações já que "o que estava na rua era a contrarrevolução". "Acredito, senhor presidente, que, com a sua formação democrática, foi Vossa Excelência tolerante demais, porque naquela oportunidade eu já solicitava a Vossa Excelência que fossem tomadas medidas excepcionais para combater a contrarrevolução que estava na rua".

Luiz Antônio da Gama e Silva, então ministro da Justiça, atacou a Constituição de 1967, disse que ela "não correspondeu às necessidades revolucionárias" e que havia surgido uma "subversão que surgiu nos mais variados setores e atingiu, também, o Congresso Nacional". "A Revolução foi feita exatamente, tendo como um dos seus pontos fundamentais, impedir a subversão e assegurar a ordem democrática", citou.

À época ministro da Fazenda, Delfim Neto citou que a revolução "não veio só para restabelecer a moralidade administrativa" e defendeu que o AI-5 poderia ajudar em outro objetivo dos militares: "Criar as condições que permitissem uma modificação de estruturas que facilitassem o desenvolvimento econômico, que realmente é o nosso objetivo básico".

"Inspirado por Deus e sob sua proteção"

Uma das declarações mais fortes veio do ministro das Relações Exteriores, José de Magalhães Pinto, que falou que a crise deveria ser debelada "com nosso exemplo de austeridade, de dignidade de governo, de lealdade para como povo e para com as autoridades".

Ele reconheceu que o AI-5 instalaria um regime ditatorial no Brasil. "Eu também confesso, como o Vice-Presidente da República, que realmente com este Ato nós estamos instituindo uma ditadura. Acho que, se ela é necessária, devemos tomar as responsabilidades de fazê-la", defendeu.

Já o ministro do Trabalho e Previdência, Jarbas Passarinho, também reconheceu o caráter do governo que estava no poder, mas disse entender como necessário.

"Eu seria menos cauteloso do que o próprio Ministro das Relações Exteriores, quando diz que não sabe se o que restou caracteriza a nossa ordem jurídica como sendo ditatorial, eu admitiria que ela é ditatorial. Mas, senhor presidente, ignoro todos os escrúpulos de consciência", afirmou na mesa de reunião.

Para o então ministro da Educação e Cultura, a "contrarrevolução está em andamento aos olhos de todos, explorando psicologicamente e seu povo, as angústias das chamadas classe média e popular mais humildes, que por desvirtuamento da imprensa, da oposição radical e até de alguns membros do partido oficial, não chegam a compreender o valor da obra de recuperação econômica e moral que o governo realiza no país", disse Tarso de Moura Dutra.

Para terminar a reunião, o presidente se disse "inspirado por Deus e sob sua proteção", prometendo "cumprir o restante do meu mandato e, na oportunidade constitucional, passar os meus pesados encargos ao substituto legal para que ele melhor que eu continue a obra da Revolução de março de 1964".

Notícias